Descrição de chapéu Artes Cênicas

Vera Zimmermann vive um Diadorim de inspiração queer em monólogo poético

Estrela de espetáculo baseado em 'Grande Sertão: Veredas', de Guimarães Rosa, traz o personagem para o primeiro plano

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São Paulo

Na década de 1980, Vera Zimmermann vivia o momento de maior sucesso de sua carreira até então. Estreou nua em "Macunaíma", de Antunes Filho, foi musa de Caetano Veloso, que compôs o tema "Vera Gata" para a atriz em 1981, e deu vida à Divina Magda, personagem mais popular da novela "Meu Bem, Meu Mal", de Cassiano Gabus Mendes.

Todas essas conquistas renderam à atriz o título de símbolo sexual de sua geração, algo que ela nunca sustentou, mas tampouco negou. "Se alguém me vê assim, não sou eu que vou negar", diz a atriz, rindo.

A atriz Vera Zimmermann em montagem da peça 'Diadorim', dirigida por Guilherme Leme Garcia - Gustavo Leme/Divulgação

A atriz buscou se livrar dessa imagem no teatro. É nos palcos que Zimmermann, aos 59 anos, retorna para pôr um ponto final nessa imagem feminina que marcou uma geração.

A artista protagoniza o solo "Diadorim", o primeiro numa carreira de mais de 45 anos, que chega ao palco do Centro Cultural São Paulo nesta sexta-feira.

Sob a direção de Guilherme Leme Garcia, a atriz dá vida à clássica personagem do romance "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, nesta que é a primeira adaptação do livro a dar voz apenas ao objeto de paixão de Riobaldo.

Assinada pela escritora e dramaturga Márcia Zanelatto, "Diadorim" não é uma adaptação comum. Isso porque, em vez de só dar uma voz à personagem, Zanelatto escreve em versos. Diadorim, assim, narra a própria história por meio de dez poemas escritos para a montagem.

"Vai parecer literatura, mas é verdade. A ideia veio em um sonho em que ouvi uma voz em verso que eu acredito que fosse de Diadorim", afirma a autora.

Ao longo do espetáculo, a personagem recita poemas sobre sua descoberta no mundo, a paixão e a admiração que sente pelo pai, a paixão e a cumplicidade que tem com o rio onde se banha —única testemunha de sua verdadeira identidade—, a paixão por sua faca, que a protege de todos os perigos, e, claro, a paixão por Riobaldo.

"Ela diz amar Riobaldo numa realidade própria. Ela o ama enquanto homem, assumindo o lugar idealmente deixado para o masculino", afirma a autora, que enxerga na discussão uma abertura para as teses literárias que identificam a personagem como um homem transgênero.

A discussão não entra em cena, mas a poesia de Zanelatto deixa transparecer um lugar para que se levante a bola. "Acredito que no futuro cada pessoa terá sua sexualidade, como cada um de nós tem uma impressão digital, e isso não será mais uma questão."

Idealizado ainda na pandemia, o projeto surgiu quando diretor e dramaturga mergulharam no universo de Guimarães Rosa. A ideia era uma pequena instalação de luz, som, imagens e, no meio desse redemoinho, um longo diálogo entre Diadorim e Riobaldo —personagem que ficou de fora por já ter contado sua história, segundo o diretor, Leme Garcia.

"Ele ganhou o conceito de dar voz a uma mulher que precisa usar os atributos masculinos para conseguir ser o que ela queria ser. Queríamos olhar para ela com um olhar do século 21."

"Diadorim" celebra também o desejo de liberdade de sua intérprete. Lésbica, Zimmermann acredita que a montagem pode ser uma forma de muitas pessoas se encontrarem sem que cedam a pressões externas para se adaptar aos papéis sociais esperados.

Também inspirado na obra de Guimarães Rosa, o ator Gilson de Barros estava em cartaz no Teatro Eva Herz num espetáculo sobre Riobaldo, que narra sua paixão por Diadorim e seus medos a partir do pacto diabólico para ajudar a amada em sua vingança. O teatro foi fechado nesta segunda-feira, junto da Livraria Cultura, no Conjunto Nacional, e ainda não se sabe se a temporada irá para outro local.

"Ela é o coração do romance. Riobaldo é apaixonado por ela e Guimarães também era", afirma Leme Garcia. Embora em menor grau, outra questão que pode ser levantada em cena é a possibilidade de Diadorim ser uma mulher mais velha. É a primeira vez que uma atriz com mais de 50 anos interpreta a personagem.

"Já é um ponto a favor para mim", diz Zimmerman, rindo. "Isso abre portas. Muitas atrizes amigas minhas adoraram a ideia, então não acho difícil que surjam outras Diadorins por aí de idades e formas diferentes. Só isso já é uma revolução."

Diadorim

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