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Com 'Homem-Aranha' e 'Bob Esponja', adaptações de filmes dominam os teatros

Para produtores, tendência de musicais vindos dos cinemas expõe crise no mercado, que se escora na nostalgia

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Apresentação de 'A Cor Púrpura', musical baseado no filme de Steven Spielberg, no Teatro Villa-Lobos Karime Xavier/Folhapress

São Paulo

Em 1994, a eleição do republicano Rudolph Giuliani para a prefeitura de Nova York, com a promessa de combater as gangues de rua sitiando latinos em guetos urbanos afastados do centro, foi determinante para que estreasse na Broadway "A Bela e a Fera - O Musical", adaptação do desenho da Disney que foi a primeira produção do estúdio para os palcos, quando a política de Giuliani começou a surtir efeito.

Isso porque o estúdio desejava uma mudança no público que frequentava os teatros. Assim, saíram os artistas experimentais e underground e chegaram até as famílias de classe A, sedentas para conferir a história que haviam adorado nos cinemas apenas três anos antes.

Cena do musical 'Spider-Man: Turn Off the Dark', na Broadway - Jacob Cohl/Divulgação

Esse processo foi determinante para moldar as produções nos teatros nova-iorquinos. Ao menos é o que acredita o diretor Charles Möeller. Desde produções dos estúdios Disney até títulos que no Brasil ganharam a alcunha de "clássicos da Sessão da Tarde", sucessos do cinema começaram a dominar os palcos.

"O público mudou na última década. Agora, ele dita o que quer ver, e houve esse aumento na quantidade de adaptações do cinema para os musicais porque o público fala cada vez menos inglês, tem um repertório cinematográfico menor e é mais fácil se relacionar com títulos conhecidos", diz.

O diálogo entre as duas linguagens não é novo. Desde a década de 1950, Hollywood se abastece do material que sai dos palcos americanos. Mas a relação agora é outra. São os palcos que pedem pelo material que antes estavam apenas nas telas.

Se entre as décadas de 1970 e 1990 eram dramas de época como "Sunset Boulevard" e romances musicais como "Footlose" que ganhavam nova chance nos palcos, agora são sucessos como "Homem-Aranha" que têm a chance de arrecadar mais alguns milhões.

Entre 2010 e 2023, a Broadway recebeu adaptações de todo o tipo. Foram desde filmes como "Beetlejuice - Os Fantasmas se Divertem", "As Pontes de Madison", "Ghost", "Uma Linda Mulher", "Meninas Malvadas", "Moulin Rouge", "Escola do Rock", "O Diabo Veste Prada" e "Frozen" até o desenho animado "Bob Esponja."

"É um tipo de musical que tem tendência ao fracasso", diz o diretor Gustavo Barchilon. "Tenho certo preconceito com essa quantidade de adaptações, e elas geralmente não dão certo. ‘Shrek’ foi um fracasso, ‘Uma Linda Mulher’ foi um fracasso, ‘Homem-Aranha’ tentou copiar as piruetas do filme e quase matou o elenco", diz.

Os espetáculos, entretanto, brilham os olhos não só dos produtores, mas da equipe criativa. "Homem-Aranha", que viveu sucessivos acidentes com o elenco graças às coreografias que previam voos na sala de espetáculo, teve a trilha composta por Bono Vox e The Edge, do U2.

Crítico do gênero, Barchilon, entretanto, é um dos produtores que assinarão as próximas adaptações que estreiam no Brasil este ano. O diretor, que fez "Barnum - O Rei do Show" e "Ponto a Ponto", com Luiz Fernando Guimarães, responde por "Bob Esponja - O Musical", que está em cartaz no Rio e estreia em São Paulo no dia 27 de julho.

"É o único título que eu faria", diz. "A destruição também é criação, então vamos destruir essa estrutura de cartoon e pegar apenas as referências mais fortes para criar em cima disso. Não vamos fazer o que o desenho faz."

Com músicas de mais de 20 compositores, entre eles estrelas do quilate de David Bowie, Cyndi Lauper, John Legend e Steven Tyler, "Bob Esponja" abre a temporada de adaptações que conta ainda com "Beetlejuice" e "O Jovem Frankenstein", no Rio, e "Uma Linda Mulher" e "O Rei Leão", em São Paulo.

Cumpriram temporada no primeiro semestre "O Guarda-Costas", baseado no filme de 1992, "Bonnie & Clyde", do filme de 1967, e "Once", inspirado na película de 2007.

Em São Paulo, "A Cor Púrpura", que bebe do filme de 1985, dirigido por Steven Spielberg, entra em sua reta final, enquanto "Tatuagem", a única adaptação de um título brasileiro, o filme homônimo de Hilton Lacerda lançado em 2013, retorna esporadicamente à cena.

"Os produtores geralmente imaginam que comprar títulos blockbuster é um caminho fácil de chamar o público, o que eu acho ingênuo", diz Möeller, responsável, ao lado de Claudio Botelho, pela montagem de "Jovem Frankenstein", baseado na obra de Mel Brooks de 1973, que chegou à Broadway em 2007, adaptado pelo próprio Brooks.

Essa onda, entretanto, pode significar mais do que uma tendência de mercado. No Brasil, é visto como um movimento de buscar o público que ainda não retornou aos teatros após a pandemia. Ao menos é o que acredita Ricardo Marques, diretor da 4ACT Produções e co-diretor da montagem brasileira de "O Guarda-Costas", que esteve em cartaz no Teatro Claro.

Marques, que já trouxe ao Brasil títulos igualmente cinematográficos, como "Ghost" e "Fame", também compôs a equipe criativa da primeira montagem inglesa do musical baseado no hit dos anos 1980 "De Volta para o Futuro". O produtor não é o único que faz essa avaliação.

Para Tadeu Aguiar, que assina "Beetlejuice" e "A Cor Púrpura", o fato de a Broadway ser uma indústria que busca o retorno garantido reflete a atitude de produtores brasileiros, que não têm segurança de apostar em um título inédito brasileiro, como sua adaptação do conto "Fausto" no universo do futebol, com músicas de Guto Graça Mello e texto de Eduardo Bakr.

Pós-doutor e pesquisador com especialização em teatro musical, Jamil Dias endossa a visão de Aguiar. "O produtor aposta no que parecer mais seguro, como filmes que fizeram sucesso num nicho. No Brasil, a matemática é mais simples. É a busca do que vai acender a curiosidade do público médio que pode pagar ingressos caros."

Mas esse movimento, acredita o pesquisador, é passageiro. Se o Brasil viveu a febre das biografias, é natural que viva agora a das adaptações vindas dos Estados Unidos e da Inglaterra, até que passe a adaptar suas próprias histórias.

"É preguiçoso, porque em termos de biografia, a trilha já está pronta. É só encaixar uma historinha ali no meio e pronto. Com os filmes, acontece o movimento contrário. Claro que há exceções."

Uma delas, diz ele, é "Tatuagem", dirigida por Kleber Montanheiro, que abocanhou uma indicação ao APCA de melhor direção no ano passado.

"Tatuagem", contudo, foi um ponto fora da curva, produzido quase de forma independente. Se antes faltavam compositores para formar uma cena do teatro musical brasileiro, agora falta patrocínio.

Montanheiro alerta para o fato de o dinheiro geralmente ser direcionado a obras importadas porque está concentrado na mão de profissionais de marketing que não necessariamente conhecem teatro. É um problema que determina o cenário cultural, na visão de Jamil Dias.

"Se o patrocinador só quer ver musical de filme americano, é este o panorama, e acho que perdemos a produção do nosso próprio teatro musical. Mas ao menos dá trabalho para os atores."

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