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Nando Reis faz podcast perfeito com confissões amorosas e briga com os Titãs

Cantor aposta na honestidade em programa com tom de confessionário, com muito afeto e relatos comoventes

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Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”

São Paulo

O primeiro sexo anal. Surubões. Tatuagens íntimas. Razões para fazer um "ménage à trois". A quantidade de confissões (todas "verdadeiras"!) que ouvimos em podcasts hoje em dia chega a nos deixar anestesiados com tantas indiscrições. Mas e se alguém vier e começar a falar algo do tipo: "Minha mulher vestida de noiva é um escândalo"?

Nando Reis é esse alguém e, na contramão de depoimentos supostamente reveladores que fabricam mexericos tolos —e nem sempre honestos— à caça de cliques, ele oferece um "Lugar de Sonho", um podcast de cinco episódios em que ele tem a coragem de simplesmente falar do que viveu e sentiu nos seus 60 anos. Dois já estão no ar, com um novo a cada segunda-feira, até 24 de julho.

O cantor Nando Reis
O cantor Nando Reis - Carol Siqueira/Divulgação

Aos interessados em cliques rápidos, pequenos barulhos com potencial de provocar uma pseudopolêmica, recomendo ir direto ao segundo episódio. Nele, Nando descreve com honestidade o convívio com sua banda, o Titãs, um bando de garotos talentosos que gostavam de resolver tudo "na saliva".

Para a surpresa de alguns, Nando fala sobre tudo, mesmo esses períodos de turbulência, com extremo carinho. A trajetória da banda, que a essa altura cruza o Brasil comemorando seus 40 anos "in excelsis", sempre foi turbulenta, inevitável quando você coloca oito cabeças muito bem pensantes juntas.

Mas da inocência de "Sonífera Ilha" ao caos de "Titanomaquia", sempre houve nessa loucura um equilíbrio de forças. O próprio Nando nem sempre saía ganhando nas disputas musicais. Mas, do seu jeito, ele conseguiu encontrar um espaço ainda maior fora dela. E, a acreditar no que diz sua voz nua em "Lugar de Sonho", é exatamente aí que ele quer estar.

Fisicamente, estamos falando de uma "capela" em Jaú, no interior de São Paulo —e as aspas aqui são necessárias, pois o termo não define exatamente um templo de fé, mas um local de solitude. É dali que Nando grava tudo e decide confessar.

Começa por sua história familiar, que é brutalmente apresentada logo no início do primeiro episódio. As lágrimas vêm cedo nesse depoimento ao falar da sua relação com o pai. Também do convívio com os irmãos, dois deles atingidos pela meningite —um ficou surdo e a outra, Lulu, desenvolveu uma paralisia cerebral.

Quer momentos chocantes na vida de seu ídolo? Que tal uma dose de franqueza? Ainda nesse primeiro episódio, Nando oferece suas primeiras descobertas musicais —entre elas, um show de Alice Cooper que este que vos escreve também presenciou em São Paulo, em 1974. E daí para os Titãs, foi um pulo. Só que não.

A formação inusitada de uma das bandas mais importantes da música brasileira —lembrando que a influência dela vai muito além do rock—, é um processo aleatório, que passa pelo colégio Equipe, celeiro de vanguardas artísticas no final dos anos 1970, início dos 1980, e conta com a boa vontade do acaso.

Como biografia da banda, seu relato é talvez decepcionante. "A Vida Até Parece uma Festa", livro lançado no final do ano passado, é bem mais completo nesse sentido. O que temos dos Titãs em "Lugar de Sonho", é o que a memória seletiva de Nando deixou passar.

Nessa peneira o que acaba chamando mais atenção foi a loucura da época do "Acústico MTV", que de a Nando não apenas um lugar onde morar, mas também muita cocaína e uma certeza de que ele tinha um problema de alcoolismo.

"Eu estou há seis anos sem beber", declara ele no quarto episódio. Sem culpa nem vergonha, Nando declara isso como tudo que narra no seu podcast: é um fato. Não há julgamento nem comiseração. É o que ele viveu. E pronto.

O que mais coube nessa vida? Com a história dos Titãs muito resolvida no segundo episódio, o que sobrou para os três seguintes? Cássia, Vânia e o espelho.

Vamos à Cássia. O terceiro episódio é basicamente sobre sua relação com a música, com direito a vários improvisos com seus violões. Metade do tempo, Nando gasta falando de como ele foi envolvido por instrumentos e sonoridades, mas tudo é uma desculpa para ele chegar em Cássia Eller, talvez sua maior paixão musical.

Da estranheza do primeiro encontro ("Levei um tempo para perceber que era o jeito dela"), à emoção de não conseguir cantar "All Star" depois de sua morte, novas e chocantes revelações são compartilhadas —todas elas, de ternura.

Esse turbilhão de carinho, porém, não prepara o ouvinte para a declaração apaixonada do quarto episódio, que gira em torno de Vânia Passos, a menina do seu colégio que ele deu a sorte de estudar na mesma classe. "A primeira música que fiz foi para ela", lembra Nando ao citar mais uma vez "Pomar", que ele compôs com sua primeira banda, Os Camarões.

Celebrando 40 anos de idas e vindas, de filhos e de renovações de votos, Nando tem a ousadia, nesses tempos tão sedentos pela transparência sexual, de falar de amor. "Ela que protegeu meus filhos da minha ausência", admite ele em outro momento "chocante". E é Vânia a noiva que ganha aquele elogio citado acima. "Tudo que eu tava procurando eu já tinha", conclui.

É o pensamento perfeito para convidar o ouvinte ao quinto e último episódio, também o mais curto deles. A essa altura, Nando comenta ansioso sobre a turnê dos 40 anos dos Titãs (tudo foi gravado antes de ela começar); fala sobre a morte ("não tenho medo dela, mas tenho medo de morrer"); e finalmente, depois de mais de três horas de uma confissão atrevidamente simples, ele finalmente declara qual é sua composição da qual mais gosta.

Num fragmento de uma gravação antiga, Nando se despede explicando finalmente que sua música preferida "é aquela que deixa as pessoas felizes". E é impossível não pensar que essa definição também serve para descrever um podcast perfeito.

Lugar de Sonho

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