'Brasileiros acham a bossa nova antiga', afirma Rosa Passos, ao lançar um álbum

Maior discípula de João Gilberto, cantora baiana junta inéditas a clássicos em parceria com violonista brasiliense Lula Galvão

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São Paulo

Ainda criança, Rosa Passos ouviu a anunciação de seu pai. Se continuasse tocando e cantando daquela maneira, logo faria sucesso nos Estados Unidos. Aos 71 anos, a violonista, cantora e compositora baiana já não se incomoda de ser mais conhecida no exterior do que no Brasil.

Rosa Passos e Lula Galvão lançam novo disco - Divulgação

"Estou tão feliz. Tenho uma carreira internacional consolidada. A hora que quero, faço concertos no Lincoln Center", diz ela, que acaba de apresentar uma homenagem a Tom Jobim no famoso teatro de Nova York.

"O brasileiro considera a bossa nova como um gênero antigo ou diz que é música para turista. As pessoas não entendem a profundidade dessa música e muitos artistas a vulgarizam, interpretando as canções sempre da mesma forma", ela afirma.

Maior discípula de João Gilberto, a artista lança agora "Rosa Passos e Lula Galvão", disco em que comemora a parceria de 40 anos com o violonista brasiliense. O álbum une novas criações de Passos a clássicos do cancioneiro popular.

Em "Outono", faixa inédita criada com Fernando de Oliveira, sua voz se confunde com o silêncio, tal como a luz oblíqua da estação morre na paisagem. "Luz do sol no chão molhado/ acerolas temporãs/ som de vento no telhado/ cores mortas nas manhãs", diz a letra.

Passos tirou a música do poema. Como na maioria de suas composições, ela só vislumbrou as dissonâncias da harmonia depois de ter recebido a letra do parceiro. Então, criou uma melodia que refletisse aquela atmosfera outonal, tematizando a passagem do tempo —assunto existencial para uma artista que cultiva temas atemporais.

"Outono" é seguida por "Verão", outra parceria com Oliveira, gravada pela primeira vez no disco "Pano pra Manga", de 1996. Entre as dez faixas do disco, a cantora apresenta suas interpretações para "Folhas Secas", de Nelson Cavaquinho e Guilherme Brito, "Conversa de Botequim", de Noel Rosa e Vadico, e "Cansei de Ilusões", de Tito Madi.

A artista diz que é necessário atribuir frescor aos clássicos, para que a regravação deixe uma assinatura do intérprete. "Devo a ela a minha formação como músico, porque Rosa sempre busca a novidade. Transitando entre a música brasileira e o jazz, ela brinca com a melodia e joga com as diferentes sonoridades", diz Galvão.

Sua musicalidade é reverenciada até por Ivete Sangalo. No início da carreira, a cantora de axé interpretava o repertório de Passos num bar no bairro de Rio Vermelho, em Salvador. Décadas depois, Ivete a convidaria para subir em seu trio elétrico numa micareta na capital federal.

Incentivada pela família, Passos ouviu jazz e estudou música desde cedo. Trocou o piano pelo violão quando, aos 11 anos, ouviu um disco de João pela primeira vez.

Não tardou para que a recepção crítica a identificasse como herdeira de Joãozinho, como ela chama o músico. Desde os anos 1980, os dois se encontraram em três ocasiões. Ela prefere guardar segredo sobre os encontros, dizendo respeitar a intimidade do amigo.

Ela conta apenas que, na primeira vez, João a chamou em seu flat no Leblon, na zona sul carioca, quando eram três da manhã. Juntos, repetiram a mesma canção sem parar. Entre seus discos mais conhecidos, estão "Recriação", de 1979, e "Amorosa", de 2004.

Um ano antes, foi convidada por Ron Carter, o mais respeitado contrabaixista do mundo, a gravar um álbum em dupla. Assim nasceu "Entre Amigos".

Em 2006, Passos apresentou um show de voz e violão no Carnegie Hall, em Nova York. Desde os anos 1990, já tocou três vezes no Japão, a primeira com o saxofonista Sadao Watanabe. Também excursionou ao lado de Yo-Yo-Ma, o famoso violoncelista americano, de quem é amiga.

Ao todo, já viajou por 40 países, angariando a simpatia da família real da Espanha. Morando em Brasília, mantém uma banda no Brasil e outra nos Estados Unidos, sendo disputada pelos principais músicos de jazz do mundo.

Em 2007, ganhou o título de doutor honoris causa pelo Berklee College of Music, em Boston, nos Estados Unidos. "Tem coisas que só eu faço. Quando viajo pelo mundo, não toco apenas para brasileiros. Meu público é mesmo internacional", diz.

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