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Como Tom Cruise mudou o cinema com sua 'Missão: Impossível'

Franquia foi do ritmo cadenciado de Brian De Palma ao balé de John Woo e hoje põe a inteligência artificial como grande vilã

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Tom Cruise em cena do filme 'Missão: Impossível - Acerto De Contas Parte Um', de Christopher McQuarrie Divulgação

Paulo Santos Lima
São Paulo

"Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um" chega aos cinemas nesta quinta-feira com um status elevado. Não apenas por resistir ao lockdown da pandemia, que fez as filmagens atrasarem ao extremo e, pior ainda, causticou os ânimos de um sempre draconiano Tom Cruise nas funções de produtor, ator e diretor por extensão.

Mas principalmente por trazer altos números, do orçamento, que passou dos US$ 290 milhões, a ser o mais bem cotado filme estrelado por Cruise, segundo o público que viu as sessões de pré-estreia.

Tom Cruise e Hayley Atwell em cena do filme 'Missão: Impossível - Acerto De Contas Parte Um', de Christopher McQuarrie - Divulgação

Números determinam fama, e não qualidade cinematográfica. O que o novo "Missão: Impossível" tem de mais interessante é revelar qual cinema tem importado à indústria de Hollywood hoje. E possibilitar um arco entre o brilhante filme que Brian De Palma rodou em 1996 e este agora que precisa, meio como uma série de TV, enfeixar as histórias e também dar uma aposentadoria digna a Tom Cruise como Ethan Hunt —algo previsto para 2024, no oitavo filme.

A franquia "Missão: Impossível", assim, oferta ao espectador uma rara chance de refletir sobre a história do mundo nas últimas cinco décadas e, também, a do cinema nos últimos 25 anos. Em essência, o mundo real em que vivemos e o que vemos desse mundo —mais especificamente, como o cinema mostra esse mundo.

Os 25 filmes de James Bond poderiam ser outro exemplo não fosse "Missão: Impossível" portar uma autocrítica e uma ideia de mundo em perigo sem precedentes. No mais, com a exceção dos 007 com Daniel Craig, os sete "M:I" se distinguem por dialogar entre si, alguns criando laços e se destacando como "obra autoral".

É o caso do "Missão: Impossível 2", de 2000, onde o honconguês John Woo deixou sua marca no balé de corpos e paisagens em movimento, transformando o que deveria ser um filme de espionagem numa trama romântica de ação. Algo de seu humor e subversão às leis da gravidade estará nos "M:I" subsequentes, para o bem e para o mal.

O "Missão: Impossível" de 1996 não é muito lembrado, mas deveria. Não só pelo senso de composição de Brian De Palma —aqui convidado por Tom Cruise, cumprindo as regras e só vez e outra freando seu precioso rigor artístico.

O diretor teve conflitos no trabalho a três no roteiro, mas foram com David Koepp e o veterano Robert Towne, dois nomes respeitáveis. De quebra, Tom Cruise chamou Danny Elfman para refazer a música-tema composta por Lalo Schifrin para a série.

O ator Tom Cruise em cena do filme "Missão: Impossível", dirigido por Brian De Palma - Divulgação

Desse primeiro filme ecoarão alguns pontos. O principal deles, uma dinâmica perversa da própria IMF (iniciais que em português seriam Força Missão Impossível, ligada à CIA) que acaba empurrando os agentes à clandestinidade. Essa será uma condição comum aos "M:I" do quarto ao sétimo título. Algo, aliás, conveniente ao tipo de personagem (mais para super-herói) que habita os filmes de ação do século 21.

O que faz o primeiro "Missão: Impossível" ser mais incrível é seu olhar para os órfãos da Guerra Fria, ali operando perdidos num jogo sem regras claras, onde as identidades são turvas, a lealdade se torna, do nada, em traição mortal.

Único personagem da série clássica transposto para o cinema neste filme de 1996, Jim Phelps —papel que foi de Peter Graves na televisão e agora feito por John Voight— se diz amargurado e que "uma peça de hardware obsoleta que não vale atualizar, tem um casamento fracassado e ganha US$ 62 mil por ano".

Depois do filme de Brian De Palma, que tem mais respiro, silêncios, ambiguidades e aspectos que lembram a realidade, os seguintes seguirão por algo mais espetaculoso. A famosa sequência do trem, ao final, é quase uma cena de passagem ao que "M:I" se tornará na entrada dos anos 2000.

O Ethan Hunt que arfava ao subir uma escada conseguirá, mais adiante, correr olimpicamente por entre carros e mergulhar em janelas de edifícios de altura colossal sem um único arranhão.

O cinema já era outro em 2011, e "Missão Impossível: O Protocolo Fantasma", dirigido com eficiência por Brad Bird, da animação "Os Incríveis", terá um Ethan Hunt mais impossível e trabalhando clandestinamente após ser acusado de explodir o Kremlin —numa espécie de saudades dos anos pré-Perestroika. Ali surge um vilão interessado em destruir o mundo, algo quase aparentado dos vilões da Marvel, mas com um propósito "político" às avessas.

A partir de "Missão: Impossível: Nação Secreta", de 2015, e sobretudo "Efeito Fallout", de 2018, algumas coisas mudam —ou se ajustam conforme o cinema e o mundo tecnológico dos anos 2010. Agora é Christopher McQuarrie, um diretor tão eficiente quanto típico de uma era em que o tal cinema de autor se tornou um nicho na indústria.

E não à toa, entre De Palma, Woo, J.J. Abrams no terceiro e Bird no quarto filme, ali estavam diretores com marcas de direção mais claras, ou seja, algo que parece supérfluo para o sistema que precisa de cumprimento de metas formais palatáveis ao público.

"Nação Secreta", contudo, é um ótimo filme. Inclusive por mostrar, aí sim, um mundo em perigo extremo, onde espiões de agências de inteligências de Estado promovem um ataque contra o sistema.

Caso de Solomon Lane, ex-MI6 britânico que criou o Sindicato, organização com agentes criados para destruir o sistema que os criou à base de terrorismo nuclear —algo que já estava no vilão do filme de 2011 e lá no filme de 2000 de John Woo, num vírus de altíssima mortalidade.

Essa linhagem segue para esse novo "Acerto de Contas Parte Um", um filme do nosso tempo, onde agora é uma poderosa inteligência artificial autossuficiente e onipresente que invade os sistemas com a capacidade de promover o extermínio em massa.

Esse poder faz coro com a constante intensidade das cenas de ação que tomam o filme. O tino intelectual necessário àqueles agentes do século 20 (e de um certo cinema daquele século) cedeu a uma força que não seria nem física ou muscular, como era a do cinema brucutu dos anos 1980, e sim a de um movimento plano e constante, e onde a velocidade dá ritmo para a vida —o que é irônico numa série de filmes que fala sobre ser e existir no mundo, ou seja, sobre história.

Essa experiência estética de um enorme fluxo de imagens e sons, impossíveis de serem digeridos na sua plenitude, com uma musicalidade chapada que nos sequestra à dormência, pode ser vista não como um defeito que foi acometendo os "M:I", mas uma condição inevitável de uma obra diante do seu instante. Nisso, os sete "Missão: Impossível" são, mais do que de cinema, uma obra de vida.

Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um

  • Quando Estreia nesta quinta (13) nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Tom Cruise, Simon Pegg e Hayley Atwell
  • Produção Estados Unidos, 2023
  • Direção Christopher McQuarrie
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