Descrição de chapéu
Filmes

Festival de Gramado, em meio ao glamour, corre risco de ofuscar cinema

Evento fica num pêndulo entre a tradição e a necessidade de adaptação, mas ainda é importante para produção gaúcha

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Porto Alegre

O Festival de Gramado, um dos três principais festivais brasileiros —com a Mostra de Tiradentes e o Festival de Brasília— entre os que servem como rampa de lançamento para os filmes nacionais novos, tem se mantido num pêndulo entre a tradição e a necessidade de adaptação.

45º Festival de Cinema de Gramado 2017 - 22/08/2017 - Troféu Kikito- Crédito : Diego Vara /Pressphoto
Os Kikitos, como são conhecidos os troféus do Festival de Gramado - Diego Vara/Divulgação

Nascido há 51 edições na cidade mais badalada da serra gaúcha, o evento pode decepcionar quem espera um banquete de grandes filmes, mas pode surpreender quem entenda que seja feito só de desfiles pelo tapete vermelho.

As ramificações estão fortemente imbricadas. A tradição reza pelo glamour, pelo desfile de estrelas das novelas da TV, de nomes midiáticos. A adaptação se faz necessária num país cuja tradição cinematográfica atravessa sempre inúmeros obstáculos.

Nesta 51ª edição, o corte financeiro obrigou o festival a voltar a exibir apenas filmes brasileiros. Rompe-se assim uma tradição de três décadas com filmes ibero-americanos —e, depois, latino-americanos— de qualidade duvidosa. Ganha-se espaço para documentários que anteriormente eram quase preteridos. A mudança, nesse caso, foi para melhor.

O que não muda é o pendor para o cinema comercial e para uma certa noção de cinema derivada dessa tendência, com o contraponto necessário de um ou outro filme mais autoral. Eventualmente, o lado comercial surpreende e o lado autoral decepciona. Mas não é a regra.

No passado, filmes muito importantes do cinema brasileiro contemporâneo estrearam em Gramado. Em 2004, por exemplo, "Vida de Menina", de Helena Solberg, um dos maiores filmes brasileiros deste século, estreou no festival, ganhando vários troféus Kikito.

Já em 2006, após ter estreado na Mostra de Tiradentes em janeiro do mesmo ano, "Serras da Desordem", de Andrea Tonacci, brilhou na serra gaúcha. O mesmo aconteceu com "Tatuagem", de Hilton Lacerda, na edição de 2013.

São exemplos de filmes notáveis, cada qual com sua característica e seu público, que ajudaram a criar uma marca mais positiva para o evento, que sempre contou com uma curadoria eclética, mas até certo ponto.

A Mostra de Tiradentes, mais novinha, nascida em 1998, tem sido vista como o lugar onde pode despontar o cinema do futuro. Os premiados na cidade histórica mineira costumam gerar filhotes, muitas vezes menos qualificados artisticamente.

O Festival de Brasília, por sua vez, vive num outro tipo de pêndulo, aproximando-se ora de Tiradentes, ora de Gramado, mas bem ou mal mantendo sua importância como base de lançamento dos filmes. Dos três, é aquele que atravessa o maior período de instabilidade. É também o mais velho deles, nascido em 1965, mas em sua 56ª edição, por causa das interrupções em 1972, 1973 e 1974.

Tiradentes costuma atrair jovens estudantes e pesquisadores em geral, Gramado atrai um público afeito aos filmes mais midiáticos, Brasília é um coringa que dependendo da saúde de nosso cinema tem sua relevância mais seriamente ameaçada. Mas tem história, e um número histórico invejável de filmes importantes que estrearam lá.

Outros festivais, como o CineOP, na histórica cidade mineira de Ouro Preto, ou o Olhar de Cinema, em Curitiba, investem mais, respectivamente, em pesquisas históricas e panoramas mundiais do cinema contemporâneo, abrindo-se, um e outro, para a contemporaneidade ou para a história com resultados interessantes.

O Festival do Rio e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo são eventos de outra dimensão, com grandes panoramas do cinema contemporâneo e cada vez menos espaço, apesar do gigantismo, para retrospectivas históricas ou filmes restaurados.

Ao contrário dos filmes exibidos em Tiradentes, que por vezes nem estreiam no circuito comercial brasileiro, os de Gramado são exibidos geralmente em pré-estreia. Chega a ser engraçado pensar que alguns cinéfilos desembolsam R$ 100 —o preço do ingresso neste ano— para ver um filme que poucos dias depois poderiam ver com mais tranquilidade numa sala de cinema comercial.

Nesse panorama, até por ser em agosto, praticamente abrindo o segundo semestre, o Festival de Gramado aposta numa relação entre cinema e turismo. As pessoas se sentem impelidas a apreciar oito ou nove dias de frio, ver filmes com atores ou atrizes famosas e depois comer um fondue.

Tudo faz parte da mesma experiência. Por isso, dos três principais festivais do calendário brasileiro, o de Gramado é o que mais corre o risco de deixar o cinema em segundo plano.

Por outro lado, ao valorizar cada vez mais sua mostra gaúcha, mostrando que o cinema do Rio Grande do Sul também tem crescido, a exemplo de outros estados fora do chamado eixo, o Festival de Gramado tem sido importante para agitar as bases do cinema local, incluindo filmes que pouquíssimas chances teriam em outros festivais.

Grande parte da função de um festival de cinema é a formação de público. Se Gramado peca pelo ingresso alto e pelo excesso de holofotes para coisas frívolas, ao menos internamente faz bem ao cinema do estado.

Sérgio Alpendre

É crítico e professor de cinema

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.