Descrição de chapéu
Filmes

'Megatubarão 2' afunda na ação genérica e direção desencontrada

Continuação parece feita para pagar dívida de jogo, com megalodontes desinteressados em devorar tanta gente na tela

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

João Montanaro

Megatubarão 2

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação Não informada
  • Elenco Jason Statham, Cliff Curtis e Wu Jing
  • Produção China, Estados Unidos, 2023
  • Direção Ben Wheatley

2023 tem sido um bom ano para o cinema de ação desmesurada. Tivemos a apoteose de socos e tiros de "John Wick 4: Baba Yaga", a estapafúrdia de desenho animado de "Velozes e Furiosos 10" e, mais uma vez, acompanhamos Tom Cruise explorando sua pulsão de morte na tela no intuito de salvar o cinema americano em "Missão: Impossível — Acerto de Contas Parte Um".

Todos esses filmes dirigidos de forma muito competente por diretores que ou há muito estão atrelados às suas respectivas franquias ou que gozam de diferentes graus de liberdade criativa visto o tamanho dos projetos e ingerência dos seus astros e produtores principais. "Megatubarão 2" é o primeiro dessa leva sob a responsabilidade de um realizador conhecido pela autenticidade dos seus filmes anteriores ao de uma franquia.

Megatubarão 2
Cena de 'Megatubarão 2', de Ben Wheatley - Divulgação

Ben Wheatley é um diretor entrou em evidência ao lançar uma sequência de filmes de suspense e terror situados nas margens proletárias da sociedade inglesa. Nos seus primeiros e melhores filmes, como "Kill List" e "Turistas", uma primeira impressão naturalista aos poucos vai dando lugar ao estranho, ao profundamente estranho e violento. Uma espécie de Mike Leigh com acesso ao 4chan.

Mesmo nos seus maiores e mais recentes filmes, como "No Topo do Poder" e "Free Fire: O Tiroteio", um crescendo de estranheza se faz notar pela edição temporal fragmentada, a recusa de situar de forma compreensível a geografia da ação na tela e por arroubos inusitados de violência e humor.

"Megatubarão 2" parece o trabalho de outra pessoa, ou de qualquer uma.

Nessa sequência, acompanhamos Jonas Taylor, papel de Jason Statham, o paleontólogo e ambientalista, liderando uma nova expedição à fossa marinha abaixo da fossa de Mariana, o local mais profundo do oceano conhecido, que aparece no primeiro filme. A tripulação é formada por cientistas chineses e americanos, todos oriundos do mesmo laboratório de pesquisa subaquática localizado nas Filipinas.

A expedição dá errado quando um megalodonte, um antepassado gigante do tubarão branco, escapa do cárcere no laboratório de pesquisa e vai de encontro aos submersíveis, forçando os tripulantes a seguir além do plano inicial.

Nessa manobra, acabam se deparando com uma instalação clandestina de mineração ocupada por terroristas ambientais que, curiosamente, usufruem da mesma tecnologia de ponta desenvolvida no laboratório filipino. Presos entre feras abissais e bandidos, eles precisam encontrar um jeito de voltar à superfície e sabotar a operação ecologicamente incorreta.

O que se segue é uma ficção científica subaquática com ecos de "Alien, O Resgate", de 1986, na sua primeira metade e bagunça desmedida na segunda. Wheatley abandona seu particular senso de ritmo do bizarro pela ação genérica logo no início; mesmo um interessante trabalho de cor e direção de arte na ambiência bioluminescente não seguram o interesse por armadilhas e conflitos clichês dos filmes envolvendo água.

A inevitável morte serial dos integrantes da tripulação é manejada de forma preguiçosa —tudo bem, não devemos necessariamente ligar tanto para o infortúnio dos personagens nesse tipo de filme, mas também estamos falando de um diretor que costumava demonstrar esmero ao castigar os seus em outros filmes.

Devemos ponderar que aqui estamos diante de uma aventura mais comedida, voltada para um público maior e mais jovem e concessões de tom e visuais precisam ser feitas pelo bem da bilheteria, mas é evidente o pouco interesse de sair das instâncias mais superficiais do formulaico.

Quando a ação se transfere para a costa, o filme ganha novo ritmo; megatubarões, helicópteros, banhistas numa ilha paradisíaca, terroristas ambientais e um polvo gigante passam a ocupar a tela, mas o excesso camufla o desdém de uma personalidade criativa em crise, se recusando a navegar além das águas rasas.

"Megatubarão 2" se encerra com o gosto amargo de oportunidade perdida que vez ou outra aflora quando um diretor de comprovado grau de visão se submete à trabalhar em um projeto maior que o seu usual para cobrir uma dívida de jogo ou terminar de pagar a segunda casa na praia.

Mesmo com uma recente produção inconstante, Wheatley podia muito mais do que acabou registrando aqui. Nem os tubarões pareceram curtir comer toda aquela gente.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.