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Por que 'O Cortiço' foi pioneiro ao mostrar homem ficando rico aos poucos

Clássico de Aluísio Azevedo é o novo livro da Coleção Folha Clássicos da Literatura Luso-Brasileira

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Porto Alegre

Uma habitação coletiva onde vivem lavadeiras, imigrantes e trabalhadores em pequenos apartamentos sem banheiro. As latrinas e pias são externas, disputadas durante os picos de movimento pela manhã, antes do início da jornada laboral.

Nos momentos de ócio, há rodas de samba, brigas com navalhas e virgindades roubadas. Alimentos e outros itens são vendidos no armazém, cujo dono é o mesmo da habitação coletiva. Ele lucra duplamente com o aluguel e as vendas.

pintura em azul de homem negro em frente a varal
Pintura de Kika Carvalho para a edição de 'O Cortiço' da Antofágica - Kika Carvalho/Divulgação

"O Cortiço", livro de 1890 de Aluísio Azevedo, mostra a vida dos miseráveis do Rio de Janeiro com seus dramas que não raramente acabavam em consultas ao baralho de uma bruxa, estupro e até incêndios.

O romance naturalista integra a Coleção Folha Clássicos da Literatura Luso-Brasileira e chega às bancas no domingo, dia 20. O livro narra a história de João Romão, um imigrante português que consegue enriquecer no Brasil aos moldes de um "self-made man".

Sem herança, ele acumula capital por meios um tanto questionáveis. Como aponta o crítico literário Antonio Candido no seu clássico ensaio "De cortiço a cortiço", Azevedo provavelmente foi o primeiro escritor brasileiro a revelar o passo a passo do enriquecimento de um personagem.

Para Candido, Azevedo foi possivelmente "o primeiro dos nossos romancistas a descrever minuciosamente o mecanismo de formação da riqueza individual".

O intelectual compara "O Cortiço" com livros de José de Alencar ou Machado de Assis, "nos quais o dinheiro aparece com frequência, mas adquirido por herança, dote ou outra causa fortuita". Além disso, a acumulação do capital acaba ditando também o ritmo da narrativa, sustenta Candido.

João Romão aumenta seu capital roubando uma mulher escravizada, a negra Bertoleza. Ele pega o dinheiro que ela guardava para comprar sua liberdade dizendo que remeterá ao seu antigo dono, supostamente libertando-a. Na prática, ela é uma fugida e não sabe. Trabalha de graça para Romão como se fosse sua mulher, papel que ela também exerce, enquanto ele usa a quantia na construção do cortiço.

Nessa jornada de acumulação, Romão lucra nos pequenos e ilegais detalhes. Um dos expedientes de que faz uso é o roubo de material de construção de outras obras para o cortiço.

O tema do direito à moradia como a precariedade dessas moradias permanece atual. A imagem de materiais de construção sendo roubados aparece, por exemplo, em um conto de 2018 da escritora paulistana Lilia Guerra no livro "Perifobia", da Patuá, que ao seu modo atualiza uma série de tópicos que constam em "O Cortiço", mas pelo viés do empoderamento dos explorados.

O cortiço fica próximo ao sobrado do comendador Miranda, outro imigrante português, e escancara a desigualdade social que divide a paisagem do Rio de Janeiro. Conforme João Romão adquire mais propriedades, como uma pedreira, e melhora sua roupa e sua moradia, Miranda passa a respeitá-lo e a convidá-lo para socializar no sobrado.

Se uma das inovações do romance é mostrar a "formação da riqueza individual", que determina o ritmo da narrativa, outra é a cena descritiva de um estupro praticado por uma mulher. A prostituta Léonie comete o abuso contra Pombinha, virgem e noiva de um rapaz, que o autor chama de "vítima".

"E, apesar dos protestos, das súplicas e até das lágrimas da infeliz, arrancou-lhe a última vestimenta, e precipitou-se contra ela, a beijar-lhe todo o corpo", escreve Azevedo sobre o início do abuso.

Há ainda o triângulo amoroso formado pelo empregado português Jerônimo, sua mulher Piedade e a lavadeira Rita Baiana. Jerônimo é um dos tantos personagens que Azevedo faz sofrer as influências do meio. Por causa de sua paixão por Rita, ele passa a se abrasileirar.

Essas características fazem do romance um marco do naturalismo. Mas, como afirma o jornalista Naief Haddad, no texto da contracapa do volume, "classificá-lo de modo tão categórico não deixa de ser um jeito de prender o romance a uma camisa de força, uma injustiça com a grandeza dessa obra publicada em 1890".


COMO COMPRAR

Site da coleção: colecoes.folha.com.br

Telefone: (11) 3224-3090 (Grande São Paulo) e 0800 775 8080 (outras localidades)

Frete grátis: SP, RJ, MG e PR (na compra da coleção completa)

Nas bancas: R$ 25,90 o volume

Coleção completa: R$ 638,44 (para assinantes Folha)

Demais leitores: R$ 751,10

Lote avulso: R$ 150,22

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