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The Town

The Town faz furacão com Bruno Mars, mas tem publicidade demais

Festival promoveu dias de badalação, mas música ficou em segundo plano, com muitas marcas e problemas de estrutura

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Karen O, da banda americana Yeah Yeah Yeahs, se apresenta no palco Skyline, durante show no quarto dia do The Town Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

De todos os megafestivais do Brasil, o The Town é aquele em que a música parece menos importar. Sua edição de estreia, feita ao longo dos últimos dois finais de semana e também do feriado de 7 de Setembro, em São Paulo, reuniu 100 mil pessoas em cada um de seus cinco dias. O evento já confirmou que acontecerá novamente no ano de 2025.

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O cantor Bruno Mars em show no The Town - Divulgação

Dos criadores do Rock in Rio, o The Town é a versão paulistana do irmão carioca —com todas as implicações que isso carrega. Num Autódromo de Interlagos abarrotado de estandes de marcas, brinquedos e distrações, é quando se olha para o palco principal, o Skyline, que é possível começar a entender o que é o festival.

A estrutura com mais de 40 metros de altura é montada a partir de reproduções de prédios da metrópole. Numa batida de olho, surgem construções como o Copan, o Auditório Ibirapuera, o Instituto Tomie Ohtake, o Sesc Pompeia, a Fiesp e até o hotel Unique.

Uma vez agrupada e pintada de prata, a montagem que tinha a intenção de homenagear pontos importantes vira uma paisagem blocada, que só faz lembrar o horizonte cinzento e amontoado da capital paulista. Bem em frente, a tirolesa que cruza o palco também ajuda a resumir a experiência promovida pelo The Town —visto de cima, lembra mais um parque de diversões que um festival de música.

O número de palcos principais, aliás, é o mesmo número que o de brinquedos dispostos ali. Letreiros luminosos e corredores de pontos físicos de marcas dominam o ambiente, criando filas intermináveis para o resgate de brindes e uma energia de shopping a céu aberto.

O festival ainda aumenta o alto índice de selfies por metro quadrado, instalando pontos instagramáveis espalhados pelo autódromo —que, claro, criam mais filas enormes. Tanta informação em excesso faz com que os shows acabem perdendo o protagonismo.

Quando enfim chega a estar diante do palco, o público se preocupa mais em turbinar as redes sociais do que se concentrar em artistas de que gosta ao vivo. E isso ainda se traduz na escalação dos músicos.

Da mesma forma que seu semelhante carioca, o evento deu preferência a nomes com vasto repertório de hits radiofônicos e que já fizeram shows lotados no Brasil — exemplos são Post Malone, que tocou na última edição do Rock in Rio, e Maroon 5, habitué dos festivais que se sucedem no país.

Essas escolhas se refletem num público pouco aberto a novidades, que só tem disposição para participar de uma apresentação se conhecer o que é tocado.

É um ambiente ingrato para nomes mais alternativos ou que fogem do óbvio, da trilha sonora tocada em academias. Artistas que seriam celebrados em outros contextos acabam enfrentando plateias um tanto frias no The Town.

A banda Yeah Yeah Yeahs, e a cantora Kim Petras, por exemplo, tocaram para uma audiência indiferente, e Angélique Kidjo e Wet Leg fizeram shows em palcos vazios. Ainda assim, o The Town conseguiu usar sua magnitude para criar momentos explosivos com o auxílio de headliners como Bruno Mars e Foo Fighters, que tocaram nos dias mais cheios e emocionaram o público.

Artistas nacionais também aproveitam a visibilidade para mostrar shows mais expressivos, como fizeram Ludmilla, Pitty, Matuê e Pabllo Vittar. Outro bom exemplo foi o New Dance Order, palco eletrônico com estrutura de dar inveja e curadoria afiada, mas que acabou isolado e num terreno acidentado, ruim de dançar. O Factory, dedicado ao rap e ao funk, também foi um dos pontos altos e reuniu multidões de jovens para gente como MC Dricka e MC Don Juan.

Para um turista desavisado em São Paulo, talvez as construções vistosas do Skyline ou da São Paulo Square, que imita a Catedral da Sé, sejam a representação mais fiel da cidade. Mas são os dois palcos secundários que conseguem encapsular com precisão o que de mais original há na capital paulista, com seus coletivos de música eletrônica e seus artistas periféricos.

Em termos de estrutura, a primeira edição do The Town também enfrentou problemas já superados por eventos mais estabelecidos, como o próprio Rock in Rio.

Na primeira semana, as filas para entrar no autódromo foram gigantescas e geraram reclamações do público. Os banheiros femininos chegaram a ter uma longa espera, de 40 minutos. Como prometido, a estrutura foi mais confortável do que com os habituais banheiros químicos, mas a quantidade foi insuficiente.

O The Town disse, em nota, que a alta ocupação era normal pela quantidade de público e que, dos 680 banheiros instalados, 360 eram para uso das mulheres.

Em termos de estrutura, sobressaíram os sistemas de som. Com algumas exceções, como o palco Skyline no dia do Foo Fighters, os amplificadores estavam altos o suficiente e também com boa definição para todos ouvirem.

O maior problema foi a circulação entre os palcos e sua disposição. Posicionado no alto de um declive, o Skyline teve a visão comprometida, uma vez que o público ficou embaixo, olhando para cima. Em shows como o de Bruno Mars, era impossível andar pela plateia.

Ao contrário de Rock in Rio e Lollapalooza, com palcos mais folgados, a área do Skyline foi sufocada pelas estruturas de marcas, o que gerou brigas por espaço e pessoas passando mal. Entre shows disputados, circular entre os palcos Skyline e o The One foi uma tarefa dura. Os dois palcos mais importantes do festival ficaram espremidos numa área relativamente pequena do espaço. Em muitos momentos, o espectador teve de escolher entre assistir a um show ou se locomover.

No The Town, a música não foi exatamente esquecida —ela se tornou pretexto para vender produtos e passeios de montanha-russa. Ainda assim, sobretudo pelo empenho dos artistas brasileiros, conseguiu encontrar brechas para emergir.

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