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Filmes mostra de cinema

'Afire' é maior filme de Petzold e lembra mais Minnelli que Rohmer

Longa do cineasta alemão acompanha quatro jovens em uma casa no litoral, dentre eles, um escritor em crise

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São Paulo

Afire

  • Quando Mostra de SP: Seg. (23), às 17h10, no Kinoplex Itaim; sáb. (28), às 19h, na Cinemateca Espaço Petrobras; e qua. (1/11), às 14h45, no Espaço Itaú de Cinema Bourbon Pompeia
  • Classificação 14 anos
  • Produção Alemanha, 2023
  • Direção Christian Petzold

Nos melhores filmes de Christian Petzold, mulheres protagonizam dramas em que o fantástico e a estranheza estão presentes. Assim foi com "Yella", de 2007, em que Nina Ross tem uma jornada de consciência de sua própria morte. Ou "Phoenix", de 2014, no qual a mesma atriz interpreta uma personagem que praticamente retorna do mundo dos mortos.

Em "Undine", seu penúltimo longa, de 2020, Paula Beer interpreta uma historiadora abandonada pelo namorado que busca a vingança, conforme o mito que inspirou seu nome.

Cena do filme "Afire", de Christian Petzold
Cena do filme "Afire", de Christian Petzold - Divulgação

"Afire" tem Paula Beer novamente, como Nadja, a dona da casa no litoral onde os amigos se encontram. Mas o filme é concentrado em personagens masculinos. Leon e Felix, vividos por Thomas Schubert e Langston Uibel, são dois jovens que chegam ali para trabalhar.

Não entendemos inicialmente o que eles devem fazer, nem qual é a relação com a dona da casa, com a qual eles demoram para se encontrar. Essas informações vão nos chegando aos poucos, cabendo a nós, espectadores, completar as lacunas até certo ponto.

Estamos na região de Rostock, no norte da Alemanha, durante um verão muito quente e seco, que expõe as florestas ao risco de incêndio. Em dado momento, um dos personagens informa que não há risco do grande incêndio na floresta adiante chegar até eles, pois o vento sopra do mar para o continente. Será?

O filme opõe duas posturas diferentes em relação às pessoas e ao ambiente. Felix é mais emotivo, sensível às cores e respirações do mundo, leva a vida suavemente. Por isso, faz amizades com muita facilidade. É fotógrafo e idealiza uma exposição com pessoas olhando para o mar.

Leon, que é evidentemente o protagonista, é mais formal e sério, desconfiado. Tem dificuldade de dormir porque Nadja faz amor no quarto ao lado. É escritor, está tentando encerrar seu segundo livro e não entende o propósito da série de fotos do amigo. Para Leon, ao menos nesse momento, a vida é mais pesada, quase um fardo. Depois entenderemos por quê.

Quando provocado pelas circunstâncias a ser mais sociável com Nadja e Devid, o amante salva-vidas da moça, Leon chega a ser estúpido, e assim continua em outros momentos. Mas a atração que sente por Nadja faz com ele perceba sua própria estupidez. Daí a mudar seu comportamento, é outra história.

Inseguro quanto ao livro que está escrevendo, Leon acaba deixando que Nadja o leia. Ela não gosta do livro. Mas quando vemos Leon ansioso pela opinião da moça, lembramos de Frank Sinatra esperando o julgamento de Martha Hyer após a leitura de seu livro em "Deus Sabe Quanto Amei", longa de 1958, dirigido por Vincente Minnelli.

Está estabelecido, mais uma vez, o cinema americano clássico como referência para um cineasta alemão, cinco décadas após Rainer Werner Fassbinder ter se encantado com os melodramas americanos de Douglas Sirk. Fassbinder, aliás, usou o nome da atriz de Minnelli para uma de suas grandes protagonistas, a Martha Hyer de "Martha", de 1974.

A relação de Petzold com esse gigante do cinema novo alemão se fortalece pela semelhança entre Thomas Schubert e Volker Spengler, um dos mais importantes atores da segunda metade da carreira de Fassbinder.

Quando exibido em Berlim, muitos críticos o compararam a outro gênio, o francês Eric Rohmer, o que Petzold não desencorajou. Mas essa comparação também é injusta. Rohmer é mais leve, solar, um diretor que brinca com o cinema e nos prende com isso.

Petzold é mais denso, mesmo numa reunião agradável entre amigos, embora menos que Fassbinder. Em seu cinema, há sempre alguma ameaça séria no ar. Em "Afire", como o próprio título indica, é o fogo que se aproxima.

Fosse Buñuel, trataria de expor todos esses burgueses ao ridículo. O diretor alemão, contudo, procura a sobriedade e, ao mesmo tempo evita a celebração pequeno-burguesa que Olivier Assayas e Mia Hansen-Love tem feito em seus últimos filmes.

Os acontecimentos deixam feridas, irão marcar as vidas desses jovens para sempre. Mas Petzold mostra a possibilidade de se aprender com isso, de melhorar. O final, por isso, é talvez o mais tocante entre todos os seus filmes.

Talvez "Afire" seja mesmo o maior momento do cinema de Petzold até aqui, superando o ápice atingido com "Undine". No cinema alemão contemporâneo, não há cineasta mais intrigante que ele.

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