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'Cara Paz' é livro que se irmana a Elena Ferrante com fluxo de mãe e filhas

Romance de Lisa Ginzburg deixa sensação de que falta fôlego para ir mais adentro nas personagens

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Luciana Araujo Marques

Cara Paz

  • Preço R$ 70 (256 págs.)
  • Autoria Lisa Ginzburg
  • Editora Nós
  • Tradução Francesca Cricelli

"Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira." A frase de abertura de "Anna Karenina", de Liev Tolstói, não é citada aqui por conter um paralelo absoluto com "Cara Paz", de Lisa Ginzburg.

mulher de cabelo preto curto se apoia em arvore
A escritora italiana Lisa Ginzburg, de 'Cara Paz' - Barbara Ledda/Divulgação

A família, à sua maneira, é sem dúvida central nas linhas deste romance finalista do prêmio Strega, um dos mais importantes da Itália. Já o suposto arroubo da argentina Gloria, que deixa em Roma o marido, Seba, e suas duas filhas, Madalena e Nina, em nome de um novo amor, não se encerra no maniqueísmo contido na felicidade e seu contrário, tampouco resultará em tragédia como no caso da protagonista russa.

Mas, se de um lado se escapa do histórico lugar-comum da culpa e condenação da mulher, por outro, os desdobramentos transgeracionais desse gesto feminino, em nome do próprio desejo, espelhados nas vidas das duas "órfãs sem sê-lo" se convertem em uma insistente carapaça narrativa, isto é, um esquema rígido que deixa na superfície o que teria fôlego para ir mais adentro nas personagens.

A carapaça citada acima, a propósito, não é um trocadilho desta resenhista com o título, "Cara Pace" no original italiano, mas uma imagem evocada por Madalena para se referir a si em oposição à caçula Nina, ao pacto entre elas e a uma atitude aprendida na marra.

"Encouraçar-se: tratava-se disso, ainda éramos pequenas, mas já tínhamos que aprender. Nossa condição anômala devia ser carregada como se faz com uma estranha característica física, com o mesmo orgulho e impassibilidade."

Jogo de palavras, a propósito, ressaltado em nota de rodapé pela tradutora Francesca Cricelli e que, ao longo da narrativa, ganha outras conotações, como quando a "cara paz" sugere o rompimento de tudo que é casca, mera aparência, caso do orgasmo atingido em um contexto específico dentro da trama.

As memórias de uma "família disfuncional" —também o pai deixa Roma para trabalhar em Milão, de modo que Madalena e Nina ficam sob os cuidados de uma preceptora francesa até atingirem a maioridade— são evocadas pela primogênita que, então casada com um diplomata e mãe de dois filhos, vivendo em Paris, toma a decisão "imprescindível" de ir à capital italiana.

É um presente entrecortado pelas demandas de Nina, que, de Nova York, está o tempo todo conectada à irmã por meio de mensagens e ligações, entre elas a que comunica sua decisão de se separar.

Temos portanto, de cara, uma correspondência com aquela atitude materna fundante das subjetividades em foco no livro, visto que Gloria, por meio da paixão, também retorna às origens. Seu novo parceiro é argentino como ela, "raiz na forma de novas asas". "Como pode uma mãe? Não pode..."

Pode, sim, responde Lisa Ginzburg à ladainha de Nina, ela própria como autora se irmanando com a conterrânea Elena Ferrante em seu "A Filha Perdida" ao tomar um mesmo mote central, de outro ângulo.

A triangulação entre mãe e filhas, entretanto, não se resume ao fluxo das relações em meio ao tema da imigração e dos rompimentos como marcas de continuidade.

Grande parte do livro traz relatos em que Madalena acentua as oposições entre ela e Nina que, sejam físicas ou de temperamento, têm uma mesma matriz —pois sempre espelham ou estabelecem contraste com as da mãe e, não raro, acentuam as rivalidades de sempre entre mulheres próximas sem aprofundar suas causas.

E está aí um aspecto não superado neste enredo contemporâneo, o que limita o trato literário das alteridades femininas, seus desfechos e possibilidades.

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