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Filme 'Atiraram no Pianista' investiga morte de músico que tocava com Vinicius

Animação exibida no Festival do Rio lembra caso de Tenório Júnior em carta de amor à bossa nova e contra as ditaduras

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Cena do filme

Cena do filme "Atiraram no Pianista", de Javier Mariscal e Fernando Trueba Divulgação

Rio de Janeiro

A ditadura brasileira matou uma revolução musical que estava em curso entre os anos 1950 e 1960. Depois, a argentina matou um dos maiores expoentes desse movimento. É uma afirmação forte, dada pelo personagem ficcional que conduz "Atiraram no Pianista", ao refletir sobre a bossa nova e uma de suas dezenas de dedos mais primorosas, Francisco Tenório Júnior.

Hoje pouco lembrado, o pianista passa por um resgate no Festival do Rio, que nesta quinta-feira, dia 5, abriu uma edição com um filme animado pela primeira vez em seus 25 anos. O público de outras cidades poderá vê-lo em breve, na última semana deste mês, quando ele chega ao circuito.

Mas não é por ser uma animação ou um filme que inaugura um evento do porte do Festival do Rio que "Atiraram no Pianista" é leve, descontraído. Sua escolha é curiosa justamente pela natureza agridoce da trama. Por um lado, serve como uma bonita carta de amor à bossa nova e à capital fluminense. Por outro, denuncia com força e melancolia os horrores das ditaduras latino-americanas.

Tenório Júnior, afinal, desapareceu em 1976 numa Buenos Aires prestes a sofrer um golpe, mas já sitiada por militares violentos e pouco inclinados à lei. Ele fazia uma série de apresentações ao lado de Vinicius de Moraes e Toquinho, quando, na madrugada, deixou seu hotel para comprar um sanduíche e nunca mais voltou.

Até hoje não há uma versão oficial para o que teria acontecido com o músico, que não tinha envolvimento com atividades políticas e tampouco era perseguido pela ditadura brasileira, que o considerava só mais um artista com tendências comunistas, como tantos à época, mas inofensivo.

É essa a investigação que "Atiraram no Pianista" se propõe a fazer. Misturando documentário com ficção, o filme acompanha um jornalista americano, encantado com a bossa nova e a mistura que mais tarde viraria o samba jazz, que decide escrever um livro sobre o personagem.

Ele embarca num avião animado que o leva de Nova York a um Rio de Janeiro colorido e muito mais romântico, onde se reúne com expoentes da música brasileira e parentes e amigos de Tenório Júnior. O jornalista não é real, mas os encontros, sim.

Dupla indicada ao Oscar pela animação "Chico e Rita", os espanhóis Javier Mariscal e Fernando Trueba mergulharam num processo de desenvolvimento de quatro anos que os levou à casa de gente como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento, todos vistos no filme em forma de desenho.

Edu Lobo, Ferreira Gullar, João Donato, Toquinho, João Gilberto e parentes de Vinicius de Moraes também deram entrevistas, que nas telas viraram uma conversa com o tal jornalista americano que guia a narrativa.

"Por que um diretor de Madri estaria fazendo uma investigação no Brasil? Seria mais crível um jornalista de Nova York, porque a música brasileira teve grande influência na americana e vice-versa. E há a relação política, porque todas as ditaduras da América Latina foram apoiadas pelo governos dos Estados Unidos", diz Mariscal, em terras cariocas para participar do Festival do Rio.

"E depois o [Henry] Kissinger [conselheiro de segurança nacional e depois secretário de Estado americano, entre os anos 1960 e 1970], ainda ganhou um Nobel da Paz, mesmo com a quantidade de mortos que esse filho da puta carrega nas costas."

O cineasta conta que, apesar de espanhóis, ele e Trueba têm grande respeito e admiração pela cultura brasileira, e que haviam ficado intrigados com a história esquecida de Tenório Júnior. Eles até tentaram buscar coprodução na Argentina, onde ninguém se interessou, e no Brasil, onde negociações não avançaram porque, diz ele, estava difícil para produtoras locais conseguirem verba para esse tipo de filme sob o governo Bolsonaro.

A animação, conta Mariscal, foi uma escolha que extrapola sua familiaridade com o gênero. Seria difícil e enfadonho, afinal, narrar os fatos que eles recuperam no filme por meio de imagens estáticas de arquivo. Era preciso criar uma linha narrativa que, além de entreter, desse conta de recriar eventos que de fato aconteceram ou mesmo que são meras suposições.

Mas não é só do desaparecimento que vive "Atiraram no Pianista". O filme dedica bons minutos para homenagear todos os principais nomes da bossa nova, incluindo uma cena que rememora o primeiro encontro de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, descrito como o casamento mais feliz da história da música brasileira.

Em outra, uma Ella Fitzgerald animada, de vestidão vermelho, sai correndo do Copacabana Palace com os saltos na mão, depois de não fazer bis num show para que pudesse chegar logo ao bar onde o jazz à brasileira vinha sendo inventado.

Chapadas, com cores blocadas e movimentos travados, as ilustrações de "Atiraram no Pianista" ecoam os desenhos industriais de Mariscal, que fez carreira no design antes de chegar às telas do cinema.

Mariscal diz que a escolha de cores quis refletir os sentimentos que cada depoimento passava, evocando melancolia, saudade, alegria e assim por diante. "E queríamos refletir a identidade do Rio, um lugar com muita luz, tropical. Para mim, o Rio é uma selva querendo engolir uma cidade, e uma cidade querendo engolir uma selva. É como uma ópera."

O repórter viajou a convite do festival

Atiraram no Pianista

  • Quando Estreia no dia 26 de outubro, nos cinemas
  • Produção Espanha, França, Países Baixos, 2023
  • Direção Javier Mariscal e Fernando Trueba
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