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Como John Waters, que chocou o cinema americano, se tornou o 'papa do trash'

Cineasta que causou polêmica e se popularizou nos anos 1970 ganha agora uma grande exposição no Museu do Oscar

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Dean Goodman
Los Angeles

O aviso no Museu da Academia, em Los Angeles, funciona mais como incentivo do que impedimento. "Esta exposição contém nudez, linguagem forte, vômitos e conteúdo sexual e violento que pode ser perturbador para alguns indivíduos."

É justamente para isso que os fãs de cinema estão fazendo fila para ver "John Waters: Pope of Trash", ou o papa do lixo, a primeira exposição dedicada ao diretor de clássicos cult da comédia como "Pink Flamingos", "Poliéster" e "Hairspray: E Éramos Todos Jovens".

John Waters na exposição dedicada à sua carreira no Museu da Academia, em Los Angeles - Patrick T. Fallon/AFP

Depois de quatro anos de planejamento, a mostra conta com cerca de 400 itens, incluindo figurinos extravagantes, objetos de cena memoráveis, rascunhos de roteiro, manuscritos, peças de marketing, pinturas de fãs e lembranças pessoais. A mostra fica em cartaz até agosto do ano que vem. Será acompanhada pela exibição de seus filmes, com a presença do autor nas sessões.

"Tenho certeza que alguém vai aparecer para dizer 'como ousa fazer isso?'. Eu espero que sim. Caso contrário, fizemos algo errado", diz Waters, de 77 anos, rindo enquanto apresentava a exposição à imprensa.

É improvável que alguém reclame. Waters, que décadas atrás foi um forasteiro do cinema alternativo, é hoje popular e quase convencional e ganhou sua estrela na calçada da fama. A maioria dos itens da mostra foi emprestada de coleções de duas universidades —uma prova de como ele foi absorvido pelas instituições.

Segundo o diretor, a exposição combina humor e seriedade de uma forma excelente, sem ironia. "Por mais que eu ame ironia, ela é uma forma de esnobismo. Não há nenhuma aqui. É tudo contado de verdade."

Embora Waters não tenha feito um filme desde "Clube dos Pervertidos", uma bomba comercial e de crítica de 2004, ele raramente sai dos holofotes. Até zombou de sua onipresença com uma frase de efeito perfeita. "Sou tão respeitável que poderia vomitar."

Se ele não está exibindo seu famoso bigodinho na TV, numa reprise de "Os Simpsons" ou "Law & Order", está ocupado promovendo seus livros, fazendo stand-up ou ganhando prêmios em festivais de cinema.

Ele relembrou uma visita ao Festival do Rio. "Amei. Mas todo mundo, menos eu, foi assaltado no primeiro dia, assim que saiu do hotel, em quatro minutos", lembra. Coincidentemente, muitos dos 12 filmes de Waters giram em torno de cenas de crime.

Em "Problemas Femininos", de 1974, uma estrela obcecada pela fama, interpretada pela drag queen Divine, comete uma série de assassinatos e acaba condenada à morte na cadeira elétrica —para sua mórbida alegria.

A cadeira é um dos adereços expostos no museu e vem da coleção do próprio Waters —ou mais exatamente de sua casa em Baltimore, nos Estados Unidos, onde ela faz parte da decoração.

Waters passou toda a sua vida em Baltimore, uma cidade assolada pelo crime no estado americano de Maryland. Ele fez todos os seus filmes na região, frequentemente escalando amigos e outros moradores locais. A cidade é cenário, por exemplo, da série policial "The Wire".

O diretor afirma que seu grande pesar em relação à exposição é que seus pais não estão mais vivos para ver. "Meus pais não eram boêmios", diz Waters, acrescentando que seu tio era um funcionário de alto escalão da administração do presidente Richard Nixon. "Eles simplesmente pensaram 'o que mais eu poderia fazer'. 'É melhor apoiarmos. É isso ou a prisão'."

Quando criança, Waters divertia seus amigos e familiares com espetáculos de marionetes violentos. Ele fez seu primeiro filme aos 18 anos, "Hag in a Black Leather Jacket", um curta de 17 minutos filmado com uma câmera Brownie de oito milímetros que tinha sido um presente de sua avó.

O filme, que à época custou US$ 30 para ser produzido, acompanha um casal inter-racial casado por um membro da Ku Klux Klan. Sua mãe fez o acompanhamento de piano, enquanto seu pai financiou a empreitada —e foi totalmente reembolsado.

Waters continuou ultrapassando os limites do bom gosto, como reencenar o assassinato do presidente americano John Kennedy apenas cinco anos depois do episódio em "Eat Your Makeup", retratando um personagem assado no espeto em "Viver Desesperado" ou mostrando alguém comendo cocô de cachorro em "Pink Flamingos".

Durante sua trajetória, ele ganhou o apelido de "papa do lixo" do escritor beat William Burroughs. A drag queen Divine foi talvez a mais famosa no elenco recorrente de Waters. Seu nome de batismo era Harris Glenn Milstead, e ele era um amigo de infância de Waters.

A personagem brilhou em filmes como "Pink Flamingos", "Roman Candles" e "Hairspray", que estreou pouco antes de sua morte, há 35 anos, quando Milstead tinha 42.

Outros amigos de Waters incluíam Mink Stole e Mary Vivian Pearce, que também apareceram em todos os seus filmes. "Éramos apenas um grupo de pessoas que, contra todas as probabilidades, fizemos esses filmes. Não era um ato político", diz ele. "Não estávamos pensando em Hollywood ou algo assim."


Veja dicas de John Waters para o sucesso

Nem todos podem ser cineastas famosos, mas John Waters, ao apresentar sua exposição, deu algumas dicas para o sucesso, em qualquer área.

Encontre ótimos pais, como os dele. "Eles foram solidários e muito amorosos. Quando você é adolescente, você pensa ‘oh, eles não entendem nada’. Eles entendem mais do que a maioria!"

Mantenha seus amigos perto. "Não confio em pessoas que não têm velhos amigos. Alguma coisa está errada com eles. Facebook não é amizade. Isso é amizade preguiçosa."

Tenha boas maneiras. "Boas maneiras é como você negocia. Sempre que faço reuniões em Hollywood, vou de gravata porque ninguém usa isso, o que confunde as pessoas. Outra coisa que sempre fiz é pagar a conta [da refeição]. Eles nunca esperam que você ofereça. O artista nunca paga. Eu sempre pago."

Envolver-se. "Sempre falo para os jovens ‘se você quer participar de alguma área, você tem que participar’. Se quer ser um negociante de arte, vá a galerias. Se quer participar de filmes, veja todos os filmes. Os filmes ruins também."

Tenha senso de humor. "Qualquer um que sobe num palanque faz as pessoas rirem. Eles vão ouvir você. Primeiro, tire sarro de si mesmo. Depois pode tirar sarro das outras pessoas. Não diga apenas que está certo. Até a Igreja Católica parou de dizer que o papa é infalível."

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