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TV e streaming vivem crise com beijos gays, remakes e greves em 2023

Globo acusada de censurar casal lésbico em 'Vai na Fé', sumiço de Silvio Santos do SBT e cirurgia de Faustão marcaram o ano

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Os atores Diego Martins e Amaury Lorenzo nos papéis do casal Kelvin e Ramiro em 'Terra e Paixão'

Os atores Diego Martins e Amaury Lorenzo nos papéis do casal Kelvin e Ramiro em 'Terra e Paixão' Paulo Belote/Divulgação

São Paulo

Crises se abateram sobre a televisão e o streaming ao longo de 2023. Se antes um parecia ameaçar a sobrevivência do outro, este ano deixou claro que os desafios estão mais relacionados a questões internas do que à aparente inimizade entre as plataformas.

Uma das crises foram as despedidas para rostos onipresentes da televisão. Morreram Glória Maria, Aracy Balabanian, Léa Garcia, Palmirinha Onofre, Elizangela, Lolita Rodrigues, Antônio Pedro e, nos Estados Unidos, Matthew Perry, da série "Friends".

A Globo talvez tenha sido quem mais teve turbulências. Se na última década o canal exibiu sem medo beijos homoafetivos no horário nobre, como na novela "Amor à Vida", o cenário agora ficou menos colorido, o que levou a uma onda de críticas.

As discussões esquentaram principalmente com a novela "Vai na Fé", porque o folhetim mirou, desde a sua concepção, o público evangélico, comumente associado a valores mais conservadores.

Algumas semanas após a primeira fagulha, a polêmica reacendeu com o ator Carmo Dalla Vecchia, gay, que teve cortado um beijo entre três homens num quadro do Domingão com Huck. Bem no momento em que os lábios se tocariam, a direção voltou a câmera para a plateia, escondendo o que seria o auge de uma performance musical.

Quem chegou a se beijar foram os atores Amaury Lorenzo e Diego Martins, que caíram nas graças dos espectadores com o casal Kelvin e Ramiro, de "Terra e Paixão". Antes, no entanto, a novela foi criticada por ensaiar um beijo entre eles e se limitar a usar os personagens como alívio cômico. O beijo aconteceu somente em dezembro, depois de muitos protestos.

Esses acontecimentos evidenciaram a vontade da Globo de repensar sua pauta identitária, seja por querer reconquistar os conservadores no primeiro ano pós-governo de Jair Bolsonaro, seja para se antecipar à ascensão dos evangélicos como maioria religiosa.

Isso não significa que a emissora parou de olhar para as gerações mais novas. Atenta às tendências, a Globo ampliou sua presença nas redes sociais e mergulhou no TikTok. Um de seus maiores hits por lá é a hashtag #KelMiro, que faz referência justamente à paquera entre o casal gay.

Foi com essa novela que a Globo deixou em maio a loucura do asfalto de "Travessia" para retornar ao ambiente rural, como havia feito, de forma bem-sucedida, com "Pantanal". Só que a novela, exibida na faixa das nove, não decolou, assim como "Elas por Elas", na faixa das seis.

Mas a queda não desanimou a Globo. Fissurada em remakes e em tramas do campo, a emissora aposta para 2024 em "Renascer", uma obra central da dramaturgia brasileira.

Os remakes evidenciam, na visão da crítica, certa desorientação quanto aos rumos da novela na televisão aberta. É uma estratégia para se manter colada às gerações mais velhas e reembalar a prata da casa para os mais jovens.

Fato é que a nostalgia dita o rumo da indústria cultural. Foi ancorada nela que a Globo fez do Criança Esperança deste ano um grande reencontro. Convidou seus ex-medalhões Xuxa e Angélica e pediu Eliana emprestada ao SBT para um show das maiores apresentadoras infantis das décadas de 1980, 1990 e 2000.

Xuxa, aliás, foi muito celebrada este ano, com um documentário do Globoplay que recuperou sua carreira —mais um na grande leva de séries biográficas, como "As Aventuras de José e Durval", sobre Chitãozinho & Xororó, e "O Rei da TV", sobre Silvio Santos.

"O Rei da TV" foi o que mais deu tempo de tela a Silvio Santos este ano —mesmo que de forma ficcionalizada. O apresentador não dá as caras no SBT desde setembro de 2022, e Patrícia Abravanel, uma de suas filhas, foi quem assumiu o programa dele desde então.

Quem também se afastou das telas foi Faustão. Ele teve uma passagem relâmpago pela Band por causa de problemas cardíacos e foi submetido a um transplante de coração em agosto. Depois, confirmou que não voltaria à TV. Em outubro, foi a vez de seu filho, João Guilherme, de 19 anos, estrear um programa próprio, na Band, apostando no formato de auditório aos sábados, que tampouco decolou.

Enquanto Band e SBT batalhavam por audiência com seus programas de auditório e a Globo lutava por suas novelas, a HBO Max se mostrou disposta a investir em produções associadas à televisão aberta.

Ao divulgar as imagens de "Atração Fatal", a plataforma rodou as redes e fez o público se lembrar da era áurea dos folhetins, graças à personagem que Camila Pitanga viverá na trama, parecida com a que encarnou em "Paraíso Tropical".

A atriz é mais uma ex-global que abandonou seu contrato fixo com a emissora, uma lista que cresceu consideravelmente este ano, com as saídas de Gloria Pires, Regina Casé, Paolla Oliveira, Thiago Fragoso, Fábio Assunção e Paulo Betti.

Se a HBO investiu em projetos ambiciosos no Brasil, lá fora a empresa repensou estratégias. Conteúdos originais continuaram saindo do catálogo na surdina, enquanto uma avalanche de remakes e derivados foi anunciada não só por ela, mas por concorrentes.

"Harry Potter" e "Crepúsculo", que marcaram os anos 2000, devem em breve ganhar novas versões. "Percy Jackson", saga literária da mesma época, já deu as caras no Disney+, na busca pela conquista e a fidelização dos assinantes.

Por outro lado, a mesma Disney decidiu pôr o pé no freio quando o assunto é Marvel e "Star Wars", depois de suas séries gerarem pouca comoção.

Outro grande investimento, "The Idol" causou pelos motivos errados. A série, um fiasco nos padrões da HBO, foi detonada por crítica e público.

Na mesma plataforma, por outro lado, "The Last of Us" consolidou a onda dos jogos nas telas e conquistou uma legião de fãs. "Succession", "Sex Education" e "The Crown" foram outras séries que deram o que falar em suas despedidas. E, no Brasil, "Cangaço Novo" foi um fenômeno inesperado e arrebatador.

Sarah Snook, Nicholas Braun, Kieran Culkin, Brian Cox, Alan Ruck, Jeremy Strong e Matthew Macfadyen na quarta temporada da série "Succession", da HBO
Sarah Snook, Nicholas Braun, Kieran Culkin, Brian Cox, Alan Ruck, Jeremy Strong e Matthew Macfadyen na quarta temporada da série "Succession", da HBO - Divulgação

A despedida de "Succession", aliás, não estava na programação do ano. Foi de surpresa que a HBO anunciou que a quarta temporada seria também a derradeira, numa decisão que dividiu o público.

Fato é que "Succession" deixou a TV com uma marca imensa, como uma das séries mais bem escritas dos últimos tempos. Mesmo quando não vencia o Emmy de série de drama, recebia a estatueta equivalente em roteiro.

O ano chega ao fim com mais uma bomba nos bastidores do streaming. Depois de bloquear o compartilhamento de senhas, medida que parecia um tiro no pé, mas gerou novos assinantes, a Netflix decidiu divulgar, pela primeira vez, os dados de audiência de seus filmes e séries.

A decisão, tomada na semana passada, tem potencial de chacoalhar as bases do streaming, e é provável que outras plataformas sigam o caminho, depois de uma greve que uniu roteiristas e atores em Hollywood e que teve, entre as suas principais críticas, a falta de transparência de dados desses serviços.

Com a novidade, a promessa é que o ano que chega seja de mais mudanças, num mercado que busca às pressas se reinventar para contornar a crise.

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