Descrição de chapéu The New York Times

Em silêncio, MoMA devolve obra de Marc Chagall com mancha nazista na história

Museu devolveu tela do artista bielorrusso a herdeiros de galeria na Alemanha, que foi saqueada pela ditadura de Hitler

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Graham Bowley
Nova York | The New York Times

Por anos, "Sobre Vitebsk" ocupou um lugar central na coleção do Museu de Arte Moderna, que falava da pintura de Marc Chagall de sua cidade natal no império russo como uma parte importante de suas obras.

A tela, de um artista judeu com um tema judeu, havia sido anteriormente de propriedade de uma galeria administrada por um negociante judeu na Alemanha na época da tomada do poder pelos nazistas. Embora sua história fosse obscura e incluísse a transferência da obra para um banco alemão durante a era nazista, o museu manteve a pintura por décadas, indicando que estava confiante de que tinha um bom trabalho em mãos.

Mas o MoMA reconheceu na semana passada que, há três anos, sem um anúncio ao público, mudou de ideia e devolveu a pintura aos herdeiros da galeria alemã.

Pintura 'Sobre Vitebsk', de Marc Chagall
Pintura 'Sobre Vitebsk', de Marc Chagall - Reprodução

A devolução do Chagall é um dos casos mais peculiares de restituição de arte por um museu nos últimos anos, em parte devido ao acordo financeiro que acompanhou sua devolução aos herdeiros, que a venderam no ano passado por US$ 24 milhões.

O MoMA, que adquiriu a obra em 1949, recebeu US$ 4 milhões, cerca de R$ 19,9 milhões, como compensação por devolver o trabalho sob um acordo negociado por uma empresa de restituição que representava os sete herdeiros.

Um dos herdeiros e essa empresa, a Mondex Corp, estão agora envolvidos em uma disputa judicial sobre a taxa da empresa, de US$ 8,5 milhões —ou R$ 42,3 milhões—, de acordo com documentos judiciais.

Numa entrevista, esse herdeiro, Patrick Matthiesen, filho do proprietário principal da galeria alemã, Francis Matthiesen, disse que a jornada para recuperar a obra de arte de seu pai não foi nada agradável.

Ele argumentou em documentos judiciais que a Mondex não tem direito à taxa porque violou seu contrato durante as negociações com o MoMA, fazendo coisas como organizar o pagamento "irracional" de US$ 4 milhões ao museu sem a aprovação dos herdeiros.

Matthiesen, que administra sua própria galeria em Londres, também está chateado porque o museu, até a semana passada, não havia anunciado publicamente para que usaria o pagamento —estabelecendo um fundo de pesquisa de procedência em nome de seu pai. "Eles lutaram com unhas e dentes até o último momento para devolver isso", disse Matthiesen, sobre o MoMA, em uma entrevista.

Na semana passada, quando questionado sobre a devolução anteriormente não divulgada da pintura, o MoMA se recusou a responder às perguntas. Em vez disso, o museu divulgou uma breve declaração na qual disse ter "colaborado em uma extensa pesquisa de procedência da pintura" com os herdeiros, reconheceu ter recebido um pagamento deles e disse que o dinheiro estava sendo usado para apoiar um fundo de pesquisa de procedência com o nome do pai de Matthiesen.

A Mondex afirmou em documentos judiciais que cumpriu todos os termos do acordo firmado com os herdeiros. James Palmer, fundador da empresa, disse numa entrevista que considerava a devolução um acordo justo para todas as partes envolvidas.

A pintura de Chagall, uma obra lírica e um tanto mística, faz parte de uma série que ele começou após seu retorno de Paris há 110 anos para Vitebsk, sua cidade natal, na Bielorrússia atual. Ela retrata um mendigo idoso em uma paisagem nevada, carregando um saco nas costas e segurando um bastão enquanto flutua sobre os telhados e a cúpula de uma catedral em Vitebsk.

A galeria alemã que já possuía a pintura foi fundada por Francis Matthiesen em Berlim e desempenhou um papel no manuseio das vendas de obras do Hermitage pelos soviéticos nas décadas de 1920 e 1930. Mas, à medida que os nazistas assumiram o poder, Matthiesen fugiu da Alemanha em 1933 e a galeria foi forçada a fechar em 1939.

Marc Chagall em frente a uma de suas pinturas na sede da Metropolitan Opera em Nova York, em 1966
Marc Chagall em frente a uma de suas pinturas na sede da Metropolitan Opera em Nova York, em 1966 - Eddie Hausner/The New York Times

O MoMA, em seus registros no site oficial, disse que a galeria havia entregado a pintura de Chagall a um grande banco alemão há 90 anos "em troca de redução da dívida". O Dresdner Bank, que acabou ficando com a obra, prosperou durante o regime de Hitler e ajudou a financiar a construção do campo de extermínio de Auschwitz, o que o banco reconheceu posteriormente em um relatório de 2006 de estudiosos que havia contratado.

Mas um especialista em pesquisa de procedência, que trabalhou para o MoMA por vários anos, disse em um livro de 2017 que escreveu sobre o papel do Dresdner Bank no mercado de arte que os registros disponíveis não continham nenhuma evidência de que o Chagall havia sido apreendido sob coação.

Em vez disso, o livro de Lynn Rother, "Art through Credit", relatou que a galeria havia entregado a pintura ao banco para ajudar a pagar um empréstimo após longas negociações. Essas negociações, segundo o livro, foram lideradas por um membro judeu do conselho do banco.

Mais recentemente, a Mondex apresentou evidências adicionais ao MoMA na tentativa de mostrar que a transação havia sido injusta. Palmer, o fundador da empresa, disse numa entrevista que o valor de mercado justo do Chagall e de outras obras de arte entregues pela galeria ao banco excedia em muito o valor pendente do empréstimo da galeria.

"Portanto, foi efetivamente uma desapropriação e, portanto, deve ser restituída", disse Palmer em entrevista. "Os nazistas se aproveitaram da situação", acrescentou.

Palmer defendeu o museu dizendo que ele deveria ser creditado por aceitar as evidências apresentadas durante as negociações, que foram mediadas por Kenneth Feinberg, o advogado responsável pela compensação às vítimas do 11 de Setembro.

Palmer disse que o acordo com o MoMA se assemelha a acordos em outros casos de restituição, nos quais herdeiros de uma obra saqueada concordaram em dividir os lucros da venda com os proprietários que a adquiriram inadvertidamente anos depois.

"Você tem um caso que não é preto e branco", disse ele. "Isso faz todo o sentido, dadas algumas das questões que não podem ser resolvidas."

Mas Raymond Dowd, um advogado que lidou com reivindicações de arte saqueada, incluindo um caso envolvendo o MoMA, disse que era incomum um museu fazer parte de um acordo em que recebesse um pagamento tão grande como parte do acordo de restituição. "É anômalo", disse ele.

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