Mostra 'Diásporas Asiáticas' celebra artistas que fizeram do Brasil território de criação

Chen Kong Fang, próximo de Alfredo Volpi, tem obras exibidas no Tomie Ohtake ao lado de ceramistas e pintora coreana

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São Paulo

Se a natureza morta se firmou como um laboratório, ao longo dos séculos, para que artistas experimentassem seu olhar sobre seres inanimados, Chen Kong Fang fez da temática um estilo. Com seu traço descompromissado, deformou e reinterpretou uma série de mesas postas, às vezes deixando propositalmente uma xícara à beira de se espatifar no chão ou pintando um rosto sobre a toalha.

Sem título, de Chen Kong Fang - Divulgação

Fang nasceu na China e migrou para o Brasil logo após a revolução chinesa, em 1951. Por aqui, teve suas telas colecionadas por Theon Spanudis, junto de nomes como Alfredo Volpi e Eleonore Koch, e expostas em salões durante a década de 1980. Hoje, algumas de suas obras compõem acervos da Pinacoteca e do MAM.

Ainda assim, há pouca crítica sobre a obra de Fang. Pela primeira vez, uma grande retrospectiva será aberta no Tomie Ohtake, neste sábado, pelo projeto "Diásporas Asiáticas", que também inaugura outras duas exposições no mesmo dia —uma de cerâmicas nipo-brasileiras e outra da artista coreana Hee Sub Ahn, até agora desconhecida. O objetivo é levar ao público artistas de origem asiática que tenham causado impacto no circuito paulistano.

Fang também fez retratos, entre eles "Refúgio", a única tela que trouxe consigo da China. Na pintura, é visto um homem de cabelos grisalhos, segurando uma criança no colo, em um estilo de pinceladas moderno. "Naquele momento, a China também vivia uma negociação entre o seu repertório artístico tradicional, como a pintura milenar, e as matrizes da pintura europeia", diz Paulo Miyada, curador do instituto e um dos organizadores da mostra.

Em São Paulo, o pintor se aproximou do grupo Santa Helena, composto por modernistas que não tinham origens abastadas como aqueles da Semana de 1922, como o próprio Volpi. Não por acaso, algumas de suas pinturas dialogam com as criações do italiano, em especial aquelas que mostram os casebres das periferias. "Se na época já existia a Bienal, o Parque do Ibirapuera, os arranha-céus e outros símbolos da modernização, esses artistas se voltaram para às margens", diz Miyada.

Diferentemente de Volpi, no entanto, Fang não calcava sua prática na repetição, e o traço irregular é seu diferencial. "Talvez a pintura contemporânea hoje nos prepare para olhar de novo para as obras de Fang e ver esses detalhes como um valor. Naquela época, quem sabe, poderia ser entendido como falta de foco", conclui o curador.

Já Hee Sub Ahn, de 80 anos, que tem outra sala de "Diásporas Asiáticas" dedicada à sua obra, vive no Bom Retiro desde a década de 1980, quando veio de Seul, a capital coreana, com o marido e os dois filhos. As telas abstratas são do momento de sua chegada ao país.

Na sala ao lado, foram reunidas cerâmicas de artistas nipo-brasileiros, todos residentes no estado de São Paulo, onde encontraram, segundo as curadoras Rachel Hoshino e Ana Roman, um terreno fértil para a experimentação artística, visto que, no Japão, a cerâmica era tradicionalmente vinculada à cerimônia do chá —e deveria ser criada por mestres ceramistas, sempre homens. Às mulheres, era reservada a função de assistente, motivo pelo qual muitas delas se descobriram artistas no Brasil.

"Os japoneses dizem que a cerâmica está presente na vida deles assim como a língua. O primeiro objeto doméstico é a cuia, que representa a mão, em formato de concha, para beber água", explica Hoshino. Hideko Honma, uma das ceramistas que expõe dezenas de vasilhas. No início de seu ofício, ela contou, preicsou fazer mil delas, para seu professor creditar apenas três como "honestas". Alguns critérios são que a cuia precisa ser confortável para o apoio do lábio, e que seu pé deva impedir a mão de queimar com o calor do liquido.

Segundo Hoshino, no Japão, a separação entre arte e objetos diários só aconteceu no século 19, com a abertura do país ao ocidente. "Antes, a tijela tinha o mesmo valor que uma escultura do palácio imperial. Artesãos eram artistas."

Plantas brasileiras levaram a descoberta, quando queimadas, de novas cinzas para esmaltar as peças, desenvolvidas como arte paralelamente à produção de objetos. "Formas recorrentes são casulos e conchas, que apontam para a transição de identidade e habitação. Há uma união do método japonês de execução com a matéria-prima e o ambiente brasileiros", afirma Hoshino, a curadora. Fusão que, de certa forma, acompanha também as pinceladas de Fang e Ahn.

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