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Riken Yamamoto vence o Pritzker com arquitetura que dignifica o cotidiano

Japonês leva o Nobel da área com conjunto de obras de viés comunitário, mirando estruturas simples e moduláveis

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São Paulo

O prêmio Pritzker de 2024 foi concedido ao arquiteto Riken Yamamoto, o nono japonês a ser agraciado com a notória láurea conferida a arquitetos. Com poucas publicações em jornais e revistas ocidentais, raras participações em exposições internacionais de arquitetura e parcas aparições em eventos de universidades nos Estados Unidos e Europa, o nome do arquiteto não aparecia em listas de favoritos do ano para a principal premiação mundial de arquitetura.

O arquiteto Riken Yamamoto
O arquiteto Riken Yamamoto - Reprodução

A surpreendente escolha por Yamamoto escancara tendências sutilmente delineadas nos prêmios precedentes concedidos pelo júri do Pritzker: uma fuga do culto à celebridade arquitetônica —os "starchitects"—, um repúdio aos modismos que se propagam em histriônicas imagens compartilhadas por jovens arquitetos em redes sociais, além de certo distanciamento dos debates que protagonizaram eventos recentes, como a Bienal de Arquitetura de Veneza de 2023, que enalteceu culturas de matriz africana e edificações do Sul Global.

Trazendo à tona um arquiteto com uma sólida carreira de cinco décadas dedicadas a projetos localizados em grande maioria no seu próprio país, o Pritzker mantém-se circunscrito a valores atemporalmente consagrados da disciplina arquitetônica.

Analisando desde a pequena casa Fujii, de 1982, até o imenso campus da Universidade de Saitama, de 1999, concebidos por Yamamoto, constata-se que o interesse dos jurados permanece em projetos desenhados primorosamente e construídos com excelência.

"Yamamoto é um arquiteto insuspeito que traz dignidade à vida cotidiana. A normalidade torna-se extraordinária. A calma leva ao esplendor" afirmou Alejandro Aravena, arquiteto chileno vencedor do Pritzker em 2016 e atual presidente do júri.

Sua declaração prossegue: "Uma das coisas que mais precisamos no futuro das cidades é criar condições através da arquitetura que multipliquem as oportunidades para as pessoas se reunirem e interagirem. Ao cuidadosamente esmaecer a fronteira entre o público e o privado, Yamamoto contribui positivamente para além de encomendas para estimular as comunidades."

As motivações para tal dissolução dos limites entre os âmbitos público e privado encontram-se na biografia de Riken Yamamoto. Nascido em Pequim no ano de 1945, ele mudou-se para Yokohama ainda bebê, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, e, desde então, segue residindo na mesma cidade do Japão.

Uma de suas mais vívidas memórias de infância é o fato de ter habitado em uma machiya: tradicional tipo de edificação japonesa que funciona tanto como loja quanto moradia, sendo constituída por divisórias que proporcionam uma gradação muito sutil entre o dentro e o fora —entre o que é íntimo e o que é urbano.

A machiya da mãe de Yamamoto era concomitantemente uma casa e uma farmácia, o que conferiu uma síntese para o arquiteto de sua postura profissional: "A soleira de um lado era para a família e do outro para a comunidade. Sentei-me no meio."

Coerente com tal fundamentação, Yamamoto projetou sua própria casa —a residência Gazebo, de 1986— com diversos terraços nos quatro andares e nas quatro fachadas da edificação. A multiplicidade de espaços ao ar livre foi candidamente justificada pelo arquiteto como espaços a proporcionar seus rituais matinais de saudar as anciãs da vizinhança enquanto elas regavam as plantas ou lavavam as varandas de seus apartamentos.

Não há na fala de Yamamoto qualquer traço de voyeurismo: é um discurso puramente laudatório em prol de relações comunitárias mesmo em ambientes íntimos residenciais.

O arquiteto japonês reproduziu e multiplicou tal dinâmica social no conjunto habitacional Pangyo, projetado em 2010, na cidade de Seongnam, na Coreia do Sul. É um complexo residencial constituído por dezenas de moradias pulverizadas em edificações de três ou quatro níveis interligadas por jardins, pontes, varandas, pátios e terraços para recreação e encontros dos vizinhos.

Outro desdobramento do viés comunitário de Yamamoto é a busca pela transparência em edifícios mesmo que a função a priori não possua tal propósito: por exemplo, o Corpo de Bombeiros de Hiroshima Nishi, de 2000, tem fachadas com persianas de vidro e paredes internas do mesmo material. Assim, as atividades internas dos bombeiros, públicas por princípio, tornaram-se visíveis aos moradores da cidade de Hiroshima.

Ao longo das décadas, as arquiteturas de Riken Yamamoto passaram por mudanças estéticas. Estas resultam, em certa medida, das diferenças nas técnicas construtivas e nos materiais de catálogo disponíveis nas diferentes épocas. Contudo, não se pode negligenciar a presença de questões estilísticas em tais cambiamentos.

O rótulo mais comum imputado a Yamamoto é o de minimalista. Todavia, o interesse no high-tech dos britânicos Norman Foster e Richard Rogers é evidente no projeto do edifício multiuso intitulado Rotonda, de 1987, na cidade de Yokohama.

Há momentos mais próximos à arquitetura vernacular japonesa, como na residência-ateliê Studio Steps, de 1978, destinada a um casal de um escultor e uma pintora. E, em projetos mais antigos como a Casa Mihira, de 1976, e a loja Minamidenen, de 1986, há um flerte com um pós-modernismo historicizante e um tanto caricato, mas que demonstra um olhar atento às produções de Robert Venturi e Aldo Rossi.

O júri do Pritzker, que contou com o diplomata brasileiro André Corrêa do Lago, preferiu enfatizar o valor "da estrutura modular e da simplicidade de suas formas." E prosseguiu a ata justificativa da premiação analisando que a arquitetura de Yamamoto "não dita atividades, permitindo que as pessoas moldem as suas próprias vidas dentro dos seus edifícios."

Tais questões convergiram no projeto da Escola Primária Koyasu, de 2018, cujas fachadas parecem uma imensa grelha quadriculada que sustenta largos corredores para os alunos exacerbarem sua energia para além das salas de aulas e das hierarquias de idade. São tão amplos esses corredores que é impossível determinar todas as funções possíveis para aquele espaço.

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