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Com roteiro ágil, 31º Prêmio da Música Brasileira lembra programa de auditório

A dinâmica impediu que a premiação se tornasse maçante, mas a agilidade excessiva resultou em frieza

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Tito Guedes
Rio de Janeiro

O 31º Prêmio da Música Brasileira, que aconteceu na noite desta quarta-feira (12), no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, decorreu sem grandes surpresas. No ano em que homenageou Tim Maia, a premiação foi também uma celebração da "música preta brasileira", como anunciou Regina Casé logo no início da cerimônia.

A escolha de Casé, inclusive, mostrou-se –na maior parte do tempo– acertada para a estratégia de trazer dinâmica ao prêmio. Esses eventos, sobretudo os que seguem à risca o modelo americano de Oscars, Grammys, Emmys e afins, costumam tender para o enfadonho.

A imagem mostra uma mulher com um arranjo grande de flores na cabeça
Gaby Amarantos no Prêmio da Música Brasileira - Andre Duvivier/PMB/Andre Duvivier/PMB

Categorias infinitas, apresentadores sem graça e um entra e sai de gente no palco são os ingredientes que infestam essas cerimônias –e o PMB buscou se afastar disso. Casé emprestou leveza e fluência ao roteiro, intercalando as performances e as premiações com falas em que contava a história de Tim Maia com a informalidade e o bom humor que lhe são característicos, como se conversasse com o público, que respondia prontamente aos seus comandos (ela até pediu que aplaudissem com mais veemência durante o anúncio dos indicados aos prêmios).

O resultado foi um formato que ficou mais próximo de um programa de auditório do que de uma premiação comum. Para o bem e para o mal.

O roteiro privilegiou a agilidade. As categorias eram temáticas (como "Samba", "Pop/Rock", "MPB") e anunciadas de uma vez com suas subcategorias ("Intérprete", "Lançamento" e "Grupo"). Casé anunciava os indicados e logo em seguida os vencedores, que subiam juntos ao palco para receber o prêmio –sem direito a discursos de agradecimentos.

A dinâmica impediu que a premiação se tornasse maçante, mas a agilidade excessiva por vezes resultou fria ou confusa. Os artistas premiados não tinham tempo de comemorar a vitória e eram obrigados a sair às pressas do palco.

Zé Renato, que venceu na categoria "Grupo de MPB" com o Boca Livre, quebrou o protocolo e, antes de sair de cena, pediu a palavra apenas para dedicar o prêmio ao músico Zé Nogueira, morto em abril deste ano.

A imagem mostra uma mulher negra, com turbante e vestido brancos
A cantora Lia de Itamaracá durante a premiação - Andre Duvivier/PBM/Andre Duvivier/PBM

Depois de premiar os artistas que venceram na categoria "Regional", Casé deu sequência ao roteiro de forma tão abrupta que os vencedores permaneceram parados no centro do palco, sem saber o que fazer. A apresentadora pediu gentilmente que saíssem e depois emendou: "É que eles pedem para eu dar ritmo. Aí dou um ritmo frenético". Foi justamente esse o único pecado de sua apresentação: a agilidade por vezes descambou para uma velocidade "frenética" que descompassou a cadência da premiação.

Os grandes vencedores da noite não simbolizaram exatamente uma surpresa. O prêmio privilegiou os artistas já consagrados e de mais visibilidade em cada categoria.

Assim, Xande de Pilares foi o destaque da categoria "Samba" ao levar dois prêmios por seu álbum "Xande Canta Caetano" (2023); Ana Castela, a nova it girl do agro-pop, varreu as categorias de "Sertanejo"; Marisa Monte e Boca Livre figuraram entre os vencedores de "MPB" e Anitta foi premiada por "Lançamento em Língua Estrangeira" pelo EP "Favela Love Story" (2023).

As surpresas –justas ficaram por conta de Ana Frango Elétrico, que levou o prêmio de "Lançamento de MPB" pelo seu álbum "Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua" (2023) e Urias, que ganhou na categoria "Eletrônico" com o projeto "Her Mind" (2023).

O ponto mais baixo foram as categorias das premiações. Parece que falta coesão para definir de forma mais clara onde os artistas podem se encaixar. O que explica, por exemplo, que Wanderléa figure na categoria "MPB" e Marisa Monte em "Pop/Rock"? Não poderia ser o contrário? E o que é, afinal, "Canção Popular" (o grupo vencedor dessa categoria foi "É o Tchan!"). "Pop/Rock", "Samba" e "MPB" não são, também, canções populares?

Mais grave é a inadequação da categoria "Regional", que premiou, por exemplo, Alceu Valença e Lia de Itamaracá. O que faz com que esses artistas sejam considerados "regionais"? O fato de não serem do Rio de Janeiro? Trata-se de uma discussão já muito difundida e faria bem ao prêmio uma reformulação nesse sentido.

O grande destaque da noite, contudo, foram as performances, que homenagearam Tim Maia. É nelas que reside o que parece ser a grande marca do Prêmio da Música Brasileira. As apresentações seguiram a lógica dos "encontros", em alta atualmente nos festivais de música, em que artistas diferentes se unem ao palco para apresentações inusitadas que prometem ser catárticas. Isso funcionou em muitos momentos. Carlinhos Brown e Larissa Luz demonstraram entrosamento total no palco ao homenagear a fase disco music de Tim Maia com uma performance que animou o público. Iza, Melly e Rachel Reis saudaram a fase "Racional" de Tim e também causaram impacto.

Das duplas, Ney Matogrosso e Simone foram os vencedores no quesito "maior química". Os dois dividiram um medley de "Azul da Cor do Mar" e "Primavera" que se consagrou como uma das melhores performances da noite. Silva e Zélia Duncan uniram-se a Jaques Morelenbaum (homenageado com um troféu especial da UBC) para cantar "Um Dia de Domingo". Os dois refizeram o famoso dueto de Tim e Gal Costa também brincando com a diferença de graves e agudos. Mas se a versão original era um pop contagiante e meloso, nas mãos do trio virou música de concerto, à base de piano (tocado por Silva) e cello (tocado por Morelenbaum) —e funcionou. Foi uma grata surpresa.

Rico Dalasam e Cida Moreira prometiam uma apresentação impactante, mas foram prejudicados pelo que pareceu falta de sintonia ou poucos ensaios. Erraram entradas e a performance soou confusa. Marisa Monte também decepcionou ao cantar a romântica "Você" —aparentemente, estava com problemas na voz.

Nas premiações americanas, os destaques da noite são, invariavelmente, a nova geração da música. No Brasil, parece ser o contrário. Essas premiações costumam se transformar em celebrações de artistas lendários e pioneiros. No Prêmio da Música Brasileira não foi diferente. Prova disso é que um dos momentos mais impactantes da noite foi a presença de Tony Tornado, aos 94 anos.

Ele se juntou ao final da performance de Negra Li, Sandra de Sá e Sued Nunes para celebrar os bailes black dos anos 1980 com um medley de "Vale Tudo", "Você e Eu" e "Sossego". Foi ovacionado pela plateia e saudado por Regina Casé como "um dos maiores ícones da música preta no Brasil". De improviso, cantou uma versão piano e voz de "BR-3", seu maior sucesso. Antes de deixar o palco, bradou: "A luta continua viva e a vitória é certa. Tim vive!".

Entre erros e acertos, o 31º Prêmio da Música Brasileira firmou-se mais uma vez como plataforma importante de divulgação da música nacional. Apesar de algumas reformulações necessárias, cumpre um importante papel para o cenário atual da música brasileira sem parecer uma "festa da firma", como é a maioria das premiações do gênero.

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