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Grupos com origem nas periferias têm cada vez mais espaço na dança

Companhias criam performances com base em suas histórias de vida

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Uma nova agenda movimenta os circuitos oficiais da dança. 

Neste domingo (20), a companhia Nave Gris, com sua pesquisa sobre culturas afro-brasileiras e ameríndias, apresenta “A-Vós” na galeria Olido, região central de São Paulo. No mesmo dia, não longe dali, na Casa do Povo, a ColetivA Ocupação dança sua revolução por meio dos corpos dos secundaristas que participaram das manifestações contra a reforma escolar no final de 2015.

Comum a esses grupos, além do trabalho no limiar entre dança, teatro e performance, é a origem nas periferias e o desenvolvimento de pesquisa e criações centradas em suas lutas e histórias de vida.
A Nave Gris, fundada em 2012, evidencia as questões do corpo negro na dança, põe butô no samba e reorganiza memórias ancestrais em novos movimentos. 

Mais jovem, a ColetivA Ocupação surgiu dentro de escolas ocupadas. Com menos tempo de pesquisa, mas muita potência corporal, os artistas-ativistas revivem os acontecimentos de 2015/2016 trazendo para a cena questões sobre identidade, sexualidade e repressão.

São corpos políticos. Como escreveu André Lepecki em “Exaurir a Dança” (Annablume, 2017), considerar as relações entre dança e política como literais e metonímicas virou requisito para tratar as dinâmicas coreográficas dos movimentos sociais, a despeito destes se manifestarem num palco ou nas ruas.

Os dois espetáculos deste fim de semana não são exceções na atual programação de dança. No último domingo (13), a Cia. Sansacroma, nascida na periferia sul da capital, encerrou as comemorações de seus 15 anos com a “Sociedade dos Improdutivos”, uma investigação sobre a loucura, no Sesc Belenzinho.

Na próxima quarta (23), a companhia Treme Terra leva sua “Macumba Jam” para a Ação Educativa, na Vila Buarque. E no dia 30, a Diversidança apresenta, no mesmo local, “Manifesto para Outros Manifestos”. Ambas fazem parte da mostra “Estéticas da Periferia”.

Tais estéticas não estão mais restritas aos bairros. A dança de corpos periféricos, negros, ativistas ou excluídos está ocupando um lugar central na cena contemporânea. 

É a dança nas bordas, como diz o nome da mostra realizada em janeiro pela Diversidança, do bairro Capão Redondo, e a Cooperativa Paulista de Dança.

Muitos desses grupos já atuam há mais de uma década. A Diversidança, por exemplo, foi criada em 2006, mas foi no ano passado que recebeu o Prêmio Denilto Gomes da cooperativa paulista, como “revelação de ação continuada em dança”.

Também em 2017 a Sansacroma, que há oito anos realiza ininterruptamente o Circuito Vozes do Corpo, festival de dança contemporânea na periferia de São Paulo, foi premiada pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte); a Treme Terra abriu a Mostra de Dança do Itaú Cultural e a Nave Gris conseguiu realizar o 2º Encontro de Mulheres Negras na Dança.

É recente a visibilidade e o acesso consistente a espaços fora de suas áreas originais de atuação. Por muito tempo, esses grupos se viram excluídos das programações e patrocínios à dança contemporânea.
Por trás do atual cronograma de espetáculos e eventos, há uma agenda artístico-política em que questões raciais, de gênero e de representação social são o tema da vez nas artes.

Esse espírito do tempo contaminou até os grandes grupos, que não precisam brigar por espaço em teatros ou circuitos internacionais nem por legitimação da crítica.

As duas companhias particulares mais famosas da dança brasileira, o Grupo Corpo, do coreógrafo Rodrigo Pederneiras, e a Cia. de Dança Deborah Colker entraram nesta seara temática em suas estreias no ano passado.

É mais que coincidência que “Gira”, do Corpo, seja um espetáculo guiado por Exu —divindade do candomblé e da umbanda— e a primeira incursão de Pederneiras nos terreiros das tradições afro-brasileiras.

Por sua vez, Colker, que vinha numa sequência de obras inspiradas na literatura —“Tatyana” e “Belle”, baseadas em obras de Púchkin e Joseph Kessel, respectivamente—, criou sua nova coreografia a partir de “Cão Sem Plumas”, de João Cabral de Melo Neto, e mergulhou na lama dos mangues e em ritmos como maracatu, coco, jongo ou kuduro.

Quanto aos grupos que agora conquistam espaços centrais na dança, apesar de continuarem trabalhando, física e tematicamente, nas periferias, eles não só dançam questões que estão na ordem do dia como também chegaram a um amadurecimento artístico que sustenta o seu destaque atual. 

Juntam forma e conteúdo em seus próprios corpos. Essas histórias e questões são suas, e eles querem contá-las com sua própria voz —ou, mais especificamente, com seus movimentos. 


Iara Biderman, 57, jornalista, é autora do blog Deu Baile.

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