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Falta de recursos leva mundo da dança a buscar formatos alternativos

Festivais se reinventam para sobreviver e até geografia e geopolítica influenciam a escolha dos países convidados

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Há pelo menos dois anos, a frase "programação mais enxuta" se repete em títulos de reportagens sobre festivais e temporadas de dança no Brasil. Sua oração subordinada é "corte de verbas".

Com a chegada do segundo semestre (época em que se concentra essa programação) num ano em que tudo já foi cortado ou enxugado, o problema não é nem repetir o título, mas, no melhor dos casos, saber quais são as perspectivas dos festivais.

Cena de "'Entre Tu y Yo", do grupo paraguaio Tercer Espacio, que se apresenta na mostra Dança à Deriva, em São Paulo
Cena de "'Entre Tu y Yo", do grupo paraguaio Tercer Espacio, que se apresenta na mostra Dança à Deriva, em São Paulo - Manuel Alviso/Divulgação

No ano passado, a questão da simples sobrevivência deu o tom: o Festival Contemporâneo de Dança de São Paulo, realizado com um décimo do orçamento previsto, foi considerado por seus organizadores um ato de resistência.

A Mostra do Fomento à Dança de São Paulo de 2017, ano em que o programa municipal de incentivo à área sofreu drástica redução, só foi realizada em cima da hora —a organização teve três semanas para montar o evento, quase sem recursos.

A crise não acabou com os festivais, mas está dando uma cara nova para eles. A tendência é trabalhar de forma cada vez mais colaborativa: grupos abrem mão do cachê, mas participam de aulas e residências com artistas locais; espaços cedem equipamento e técnicos para as apresentações, como fez o Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo.

Festivais independentes desde sempre chegam na frente com o know-how de fazer o evento acontecer sem um grande patrocinador.

É o caso da Dança à Deriva "" Mostra Latino-Americana de Dança Contemporânea, que começou sua quinta edição no dia 23/7.

Os grupos ficam praticamente acampados em hostels, ou até hospedados em casas de profissionais brasileiros. Em troca, convivem o tempo inteiro entre si, armam intercâmbios e aprendem/ensinam em oficinas e palestras.

Ampliar e dar mais sentido à programação com esses eventos paralelos é outra tendência dos festivais de dança, que se estende às temporadas comerciais, como a do Teatro Alfa, que começa no próximo dia 2/8 com o Grupo Corpo e segue até o começo de dezembro.

O Alfa trará algumas atrações de peso, como o grupo da alemã Pina Bausch (1940-2009) e o grupo francês de Philippe Decouflé. A intenção é organizar atividades para além do espetáculo, como oficinas ou palestras, envolvendo os artistas internacionais, os nacionais e o público.

O mesmo vai acontecer com o Festival Contemporâneo de Dança de São Paulo, que realiza sua 11ª edição em outubro e, a partir daí, torna-se bienal, programado para se alternar com os anos em que ocorre a Bienal Sesc de Dança, em Campinas (SP).

O trabalho colaborativo também envolve conversar com outras organizações. Quem vem para um festival preferencialmente se apresenta também em outro lugar (em geral, um dos teatros do Sesc), o que ajuda a dividir as despesas de transporte e aumenta o número de exibições de cada grupo.

A época de festivais curtos e oportunidades únicas de assistir aos espetáculos (um ou dois dias), como no finado Boticário na Dança, passou. As curadorias têm se virado com um quebra-cabeças de agendas e parcerias para ampliar as chances de o público assistir a toda a programação.

Isso resulta no aproveitamento de espaços menores e alternativos. Uma escolha condicionada por questões financeiras, mas não só. Espalhar as atividades pela cidade e ser mais acessível, pelo menos em termos geográficos, é a regra para muitos festivais de dança de países europeus, como Itália e Portugal.

A geografia e a geopolítica também influenciam a escolha dos países convidados. A participação de latino-americanos aumentou, mesmo sem levar em conta o Dança à Deriva, por definição já voltado a essa parte do mundo.

A América Latina teve, por exemplo, presença marcante na Bienal Sesc de Dança do ano passado. O Festival Contemporâneo está negociando a vinda de pelo menos um grupo de um país da região —o México. Mesmo fora da linguagem contemporânea, há exemplos como o Ballet de Santiago (Chile), que se apresenta no Teatro Alfa em agosto.

Além de reduzir os custos e se aproximar da produção dos vizinhos, nos festivais independentes a escolha desses países é uma forma de tratar temas quentes do momento, como desigualdade e exclusão. Nessa linha, juntam-se artistas da África e do Oriente Médio —no festival contemporâneo de outubro, um bailarino sírio fará um espetáculo baseado nas questões dos refugiados. O mesmo tema foi tratado por um coreógrafo de Burquina Faso na bienal do Sesc.

É uma estratégia para atrair um público mais amplo, fora da bolha da dança, e criar certo impacto político para os festivais nacionais —o que pode aumentar sua relevância no cenário e na agenda internacional e suas chances de sobrevivência.

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