[SOBRE O TEXTO] O trecho nesta página é parte do romance em versos “Eugênio Onêguin”, obra-prima de Púchkin a respeito da vida tediosa e dos desencontros amorosos do personagem-título. A Ateliê Editorial lança a nova tradução da obra em março.
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— Mas não fui feito pra alegria;
O meu espírito é avesso;
Sua perfeição é sem valia;
De modo algum eu a mereço.
Creia (a consciência é que diz isso),
Bodas seriam um suplício.
Eu, mesmo tendo amor de fato,
Se afeito, iria esfriar no ato;
Você, chorar; suas copiosas
Lágrimas, sem me comover,
Iriam só me enfurecer.
Pondere, pois, sobre que rosas
Himeneu a nós dois apronta,
E —vai saber— pra dias sem conta.
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— O que no mundo é pior de fato
Que um lar com a pobre da mulher
Aflita com o marido ingrato
E dias e noites sem o ver?
Onde anda amuado, a vendo linda
(Mas maldizendo a sorte ainda),
De cara feia, sem um pio,
Zangado e com um ciúme frio?
Sou desse jeito. E é isso enfim
O que buscava, pura e ardente,
Tão despojada e inteligente,
No instante em que escreveu pra mim?
Quinhão igual pode ser seu
Por obra de um destino cruel?
Alexander Púchkin, escritor russo (1799-1837), é considerado o precursor da fase de ouro da literatura de seu país no século 19.
Tradução de Alípio Correia de Franca Neto, poeta com pós-doutorado em teoria da tradução pela USP; e Elena Vássina, doutora em história e teoria da arte e professora da literatura e cultura russa na USP.
Ilustração de Irena Freitas, ilustradora formada em design e jornalismo pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas)
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