Brasileiro é um dos curadores do novo museu da Academia do Oscar

Local terá exposições históricas e filmes em uma esfera de 36 metros

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[RESUMO]  Brasileiro será responsável pela programação dos cinemas do novo museu da Academia do Oscar, que abrigará   que abrigará exposições históricas e um cinema de mil lugares dentro de uma esfera de 36 metros. ​

O brasileiro Bernardo Rondeau está num canteiro de obras de Los Angeles, de colete verde fluorescente e capacete de segurança. Mas não é um capacete de peão qualquer. O dele é quase de luxo: todo preto e estampado com a imagem dourada da estatueta do Oscar.

Ele aponta para o alto, onde a poucos metros de sua cabeça vê-se uma gigantesca construção esférica feita de cimento, vidro e aço, sustentada por quatro pilares antissísmicos. “Será um cinema com uma tela maior que a de Cannes”, diz o carioca de 40 anos, que mora na cidade americana desde os oito.

Com 36 metros de altura, a esfera guarda um cinema de mil lugares e será o coração do novo Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. No topo, há um terraço com vista para as montanhas de Hollywood e seu famigerado letreiro. As obras começaram em 2015 e, após anos de atraso, a promessa é que a inauguração aconteça até o final de 2019.

Desenhada pelo arquiteto italiano Renzo Piano, a construção esférica parece flutuar na esquina movimentada das ruas Wilshire e Fairfax. Uma das inspirações veio dos dirigíveis que pousavam no bairro nos anos 1920, no campo de pouso Cecil B. DeMille. “Lembra a história dos zepelins e dá uma ideia do cinema como um balão mágico. Você vai com o grande telão para outro lugar”, comenta Rondeau.

A sala terá capacidade de exibir os mais diversos formatos, desde projeções a laser até filmes antigos de nitrato de celulose. É o sonho de qualquer programador de cinema. E, no caso, o programador-chefe será Rondeau. 

O brasileiro será responsável também pela programação de um cinema menor, de 288 lugares, no subsolo do prédio principal do museu, chamado Saban. Construído nos anos 1930 para abrigar uma loja de departamentos, o edifício passou por uma minuciosa restauração para receber a nova instituição. Quatro dos seus seis andares serão dedicados a mostras temporárias e à exposição do acervo de peças históricas e de última geração, como as primeiras câmeras do cinema e a popular “steadicam” de hoje.

Entre os figurinos, estarão os sapatinhos vermelhos de Dorothy em “O Mágico de Oz” (1939) e o vestido usado por Salma Hayek em “Frida” (2002). Dos cenários originais, pedaços de “Psicose” (1960) e uma cabeça de “Alien, o Oitavo Passageiro” (1979).

O orçamento do museu, de US$ 388 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão), vem sendo angariado com doações. A atriz italiana Sophia Loren, por exemplo, doou US$ 1 milhão em troca de batizar com seu nome uma das colunas do edifício.

Num tour pelas obras, uma das diretoras do museu, Katharine DeShaw, mostrou uma foto no celular com a atriz abraçando seu pilar de cimento. “Ela ficou um tempão falando em italiano com seu filho até se decidir. Escolheu a coluna mais ao leste, mais perto da Itália”, conta DeShaw.

Já a paixão de Rondeau por programar filmes começou cedo. Aos 19 anos, foi programador na faculdade de cinema que cursava em Nova York e, quando fez pós-graduação na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), continuou na atividade. Depois, passou sete anos como curador-assistente da programação de filmes do Los Angeles County Museum of Art (Lacma), um dos pontos de encontro preferidos dos cinéfilos da cidade.

Foi quando organizou as primeiras retrospectivas do húngaro Béla Tarr, do coreano Bong Joon-ho e do armênio Sergei Parajanov (1924-1990) em Los Angeles. Em 2014, foi trabalhar na Academia e, um ano e meio depois, passou à equipe do museu.

Entre seus cineastas favoritos, cita os franceses Jean-Luc Godard e Agnès Varda (1928-2019), o russo Andrei Tarkóvski (1932-1986) e o iraniano Abbas Kiarostami (1940-2016). Dos nacionais, cita Kleber Mendonça Filho, Gabriel Mascaro e Eduardo Coutinho (1933-2014). 

“Conheci tarde o cinema brasileiro, foi quando estava na faculdade. Assistir a ‘Terra em Transe’ foi um choque. Glauber Rocha abriu tudo de cinema brasileiro para mim”, diz o programador-chefe, elegantemente vestido de camiseta preta e jaqueta cinza, por baixo do colete de segurança fluorescente. Ele não tem sotaque carioca e fala português perfeito, embora às vezes troque algumas palavras pelo inglês.

Rondeau chegou criança aos Estados Unidos, com os pais jornalistas que vieram cobrir cinema e música. Ele é filho do crítico e produtor musical José Emilio Rondeau e de Ana Maria Bahiana, membro da Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, que organiza o Globo de Ouro, premiação anual para qual costuma levar o filho. “Lembro bem o meu primeiro Globo de Ouro. Bono estava lá, Daniel Day-Lewis também. Foi impressionante”, recorda Rondeau, casado com uma americana e pai de duas meninas.

Seu escritório atual, antes da abertura do museu, fica no 19º andar de um prédio vizinho, com vista para a Esfera, para o Lacma e para a fachada futurística do Petersen Automotive Museum. Curiosamente, Los Angeles tem há 25 anos um museu do carro e só agora ganha um museu de cinema da Academia, um desejo registrado em cartas por seus membros desde 1929.

Além de programador-chefe, Rondeau é curador associado e ajudou na elaboração das exposições. As duas mostras temporárias de estreia serão uma retrospectiva do mestre de cinema de animação japonês Hayao Miyazaki e uma exposição sobre o cinema afro-americano feito de 1900 a 1970.

Como parte do trabalho de pesquisa, ele passou meses vasculhando o arquivo e a biblioteca da Academia, que guardam mais de 190 mil filmes e vídeos, 12 milhões de fotografias, 80 mil roteiros, 61 mil pôsteres e 100 mil objetos de produção.

“Queríamos achar momentos e figuras que normalmente não são apreciados na história do cinema”, conta. Como o destaque na exposição permanente para a obra de três diretoras do cinema mudo pouco conhecidas: a francesa Alice Guy-Blaché (1873-1968) e as americanas Lois Weber (1879-1939) e Mabel Normand (1892-1930), primeira mulher no país a ter seu próprio estúdio.

Ele não revela nada da programação dos dois cinemas, mas adianta que terá colaboração de arquivos do mundo todo, inclusive do Brasil. Com viagem marcada para o Rio de Janeiro, comenta que andou conversando com a Cinemateca Brasileira. “O cinema brasileiro tem obras fascinantes, mas muito mal conhecidas por aqui”, afirma. 


Fernanda Ezabella é jornalista, mora em Los Angeles.

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