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Catarina Rochamonte

Ao contrário de Lula e Bolsonaro, nunca estimulei culto à personalidade, diz Moro

A colunista da Folha, ex-juiz e presidenciável, que lança livro, defende Lava Jato e explica por que deixou de ser ministro

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Catarina Rochamonte

Doutora em filosofia, pós-doutoranda em direito internacional e autora do livro 'Um Olhar Liberal Conservador sobre os Dias Atuais'

[RESUMO] Em conversa com colunista da Folha sobre seu livro "Contra o Sistema da Corrupção" (ed. Primeira Pessoa), que chega agora às livrarias, o ex-juiz e presidenciável Sergio Moro defende o legado da Lava Jato, diz que a operação atraiu mais inimigos do que poderia suportar, conta que seus projetos anticorrupção foram sabotados pelo governo e busca se diferenciar de Lula e Bolsonaro.

Com as qualidades da clareza e da objetividade, o livro de Sergio Moro "Contra o Sistema da Corrupção" percorre corajosamente o campo minado da batalha travada enquanto ele era juiz da 13ª Vara de Curitiba, responsável pela Operação Lava Jato.

Expondo personagens e esquemas poderosos, o livro oferece ao leitor a possibilidade de confrontar e julgar duas narrativas opostas: a do autor, resumida no livro, e a dos seus adversários, bastante difundida no ambiente político e midiático atual, em larga medida mobilizados contra o ex-juiz e atual pré-candidato a presidente da República.

Logo na introdução, o autor mostra que não se propôs a redigir diplomacia, amenizando o tom, mas decidiu elevá-lo, contrariando um perfil discreto que muitos chegaram a apontar como omissão. "A impunidade é a regra para a grande corrupção no Brasil. Os escândalos se sucedem sem maiores consequências. A Operação Lava Jato, enquanto durou, mudou o jogo" (p. 11).

Perguntei ao autor se esse sistema de corrupção por ele descrito não seria intrínseco à existência do Estado e se, por mais longe que tenha ido a Lava Jato, o fato de o sistema ter reagido contra ela, praticamente liquidando-a, não mostraria a impossibilidade de se acabar com a corrupção enquanto houvesse um Estado grande como o nosso. Eis a resposta:

"O problema do sistema de corrupção e da impunidade desse sistema faz parte de uma fraqueza institucional e cultural. [...] É possível combater a corrupção e a Lava Jato é a prova viva disso, independentemente dos reveses posteriores. Os reveses apenas ilustram que o preço para o avanço institucional envolve uma permanente vigilância. Em relação à estrutura do Estado, o que se pode dizer é que se combate a corrupção não apenas com o mecanismo da repressão, mas também com a transparência, a autonomia dos órgãos de controle e prevenção etc. Embora uma eventual redução do Estado possa reduzir a corrupção, essa redução não pode ser pensada exclusivamente sob esse viés. A gente tem que pensar esses temas pragmaticamente, se é ou não mais eficiente tirar o Estado de determinada atividade e deixá-la entregue inteiramente à iniciativa privada. Na educação, na saúde e na segurança, por exemplo, vemos a presença do Estado como necessária, sem prejuízo de haver também uma atuação privada nessas áreas."

Embora a corrupção exista em diferentes partidos, foi nos governos petistas que atingiu suas culminâncias. Algumas passagens do livro repisam ainda a obviedade de que Lula jamais foi um preso político, mas sim um político preso pelos crimes de corrupção que cometeu.

A respeito de Lula e das narrativas falaciosas urdidas pelos militantes e advogados petistas, o ex-juiz fez comentários incisivos na entrevista.

"Quem roubou a população tem que ser punido. Não é uma questão de vingança ou espirito de punição; é uma questão de justiça evitar que tais coisas se repitam, porque isso prejudica as pessoas. [...] Todo mundo tem direito à sua opinião, mas é preciso olhar os fatos. Por isso a importância de escrever um livro para contar o que aconteceu. É inegável que a Petrobras foi saqueada durante o governo do Partido dos Trabalhadores; também é inegável que a Lava Jato representou uma ruptura com esse modelo de corrupção e, pela primeira vez, pessoas poderosas responderam às consequências dos seus atos."

O primeiro capítulo traz por título o lema "faça a coisa certa, sempre", que aponta para a importância de não transigir com o desvio ético na administração pública. Aqui Moro destaca o valor da pretensão de correção a despeito da falibilidade humana.

Questionado sobre os momentos em que fazer a coisa certa exigiu dose maior de sacrifício, Moro respondeu: "Durante a Operação Lava Jato, teria sido muito fácil virar o rosto e não avançar em processos de corrupção envolvendo figuras poderosas porque isso traria muito desgaste; por ter avançado, eu sofro retaliações até hoje".

Ao refletir sobre os ataques crescentes à Lava Jato, o autor se refere à coalizão dos interesses contrariados que se articularam contra ela e a enfraqueceram. "Olhando agora, concluo que a Lava Jato atraiu para si mais inimigos do que poderia suportar. Ao atingir, progressivamente, todos os grupos políticos mais poderosos envolvidos em corrupção, começaram a faltar aliados para proteger a operação da coalizão pró-corrupção e pró-impunidade" (p. 118).

No capítulo 8 (O convite), Moro explica por que aceitou assumir o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública no governo Bolsonaro: o então juiz achava que em tal função teria melhores condições de enfrentar os inimigos da Lava Jato e avançar na missão em que porfiara por todo o seu tempo na magistratura, especialmente a luta contra a grande corrupção e contra o crime organizado.

"Aceitei o cargo porque sabia que a reação aos avanços anticorrupção da Lava Jato era iminente e, como ministro, acreditava que poderia atuar de maneira mais eficaz para impedi-la, além de construir políticas públicas consistentes contra a corrupção, o crime organizado e a criminalidade violenta. Admito que faltou da minha parte um salutar ceticismo quanto às promessas efetuadas pelo presidente eleito e quanto à própria boa vontade de Brasília para avançar no combate à corrupção. Mas eu não era um político treinado, e sim um juiz. Não estava acostumado à quebra de palavra", escreveu no livro (p. 133-134).

O ex-ministro passa então a tratar da sabotagem sistemática de Bolsonaro contra o combate à sua agenda anticorrupção e inicia o capítulo 11 (Coaf, o pecado original) com uma afirmação aparentemente paradoxal.

"Ingressei no governo federal motivado por meus princípios e com a intenção de consolidar a agenda anticorrupção inaugurada pela Lava Jato; deixei o governo federal motivado por meus princípios e com a intenção de proteger o legado da Lava Jato e a agenda anticorrupção" (p. 165).

Para justificar a assertiva acima, Sergio Moro passa a narrar um "longo e tortuoso processo". São as sucessivas ações do governo cujo objetivo era blindar Flávio Bolsonaro das investigações de que era alvo. Ações essas que começaram pela retirada do Coaf do ministério da Justiça, pressão do Planalto para substituição do seu presidente e acordo que culminou na suspensão (por intermédio de decisão do ministro do STF Dias Toffoli) do inquérito que apurava as transações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro.

Depois sobreveio a descaracterização do pacote anticrime no Congresso por meio do acréscimo de jabutis que tinham o "propósito de inviabilizar novas grandes operações de investigação contra a corrupção" (p. 185). Moro chama de "traição injustificável" o fato de Bolsonaro não ter atendido aos seus rogos para que vetasse as partes mais problemáticas.

"Com aquela recusa do presidente em realizar os vetos solicitados, minhas ilusões quanto ao real compromisso dele com o combate ao crime e à corrupção se desfizeram por completo." (p. 190), explica Moro.

O clímax dessa história, como sabemos, foi o avanço de Bolsonaro sobre a PF, tratado com pormenor no capítulo 13. A propósito disso e de sua saída do governo, Moro também me respondeu na entrevista.

"No que concerne ao combate à corrupção, é preciso agir de maneira coerente. Não se pode proteger pessoas de investigações por conta da posição delas dentro de uma estrutura de poder. Quando o meu projeto passou a ser paulatinamente sabotado dentro do governo e quando eu percebi que não havia verdade nas afirmações do presidente de que se alguém se envolvesse em corrupção isso deveria ser investigado e extraídas as consequências, eu me retirei. Eu me retirei porque tinha uma fidelidade maior não à minha biografia (como às vezes se coloca erroneamente), mas aos meus princípios e valores, que são os princípios e valores da população brasileira: honestidade e integridade. E fazia parte disso o combate à corrupção contra quem está dentro do governo ou fora dele. O combate à corrupção não pode fazer esse tipo de discriminação e a minha percepção era a de que o presidente queria que essa discriminação fosse realizada."

Sergio Moro afirma no livro que um dos problemas da política brasileira é o culto à personalidade. Perguntei como seus apoiadores poderiam evitar esse erro e que linha separava o fanatismo da admiração. Qual seria a diferença entre bolsonaristas, lulistas e moristas?

"Eu nunca estimulei o culto à personalidade", respondeu. "Quando falo da Operação Lava Jato sempre ressalto, e fiz isso no livro, que foi uma conquista institucional coletiva. [...] Eu me coloco de uma maneira muito diferente dessas pessoas que você mencionou, que se apresentam como se fossem algo sobre-humano. Um acha que é uma ideia; o outro acha que é um mito. Eu nunca reclamei esses rótulos pra mim e, no fundo, o meu discurso apela muito mais à racionalidade do que a esse aspecto emocional."

O livro aborda ainda uma gama de outros temas importantes correlatos à Lava Jato, a exemplo do episódio dos hackers que invadiram celulares de vários membros da operação, com o material colhido sendo utilizado pelo site The Intercept Brasil e depois utilizado por ministros do STF no julgamento da suspeição do ex-juiz.

O STF é tratado no livro com a devida vênia, mas sem meias palavras. A mudança de entendimento acerca da execução da pena em segunda instância e outras decisões foram criticadas, incluindo, obviamente, a anulação da condenação de Lula.

Moro chega a enumerar, no capítulo 18, várias decisões do Supremo Tribunal Federal que, no seu entender, tiveram o efeito prático de minar o combate à corrupção.

Sendo este um livro de coragem e embate, nada mais natural que o autor o termine com um apelo de mobilização: "a luta contra o sistema de corrupção nunca poderá prescindir de bons combatentes, entre eles você". A busca pelo livro dará uma estimativa dessa mobilização pretendida.

Contra o sistema da corrupção

  • Preço R$ 49,90 (288 págs.)
  • Autor Sergio Moro
  • Editora Primeira Pessoa
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