Descrição de chapéu Independência, 200

'Sertões' e 'Grande Sertão' miram desigualdade, diz professora da USP

Walnice Nogueira Galvão e Wander Melo Miranda participaram do ciclo Perguntas sobre o Brasil

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Belo Horizonte

Em maio do ano passado, a Folha, a Associação Portugal Brasil 200 Anos (APBRA) e o Projeto República (núcleo de pesquisa da UFMG) lançaram o projeto 200 Anos, 200 Livros, que listou duas centenas de obras importantes para entender o país a partir da indicação de 169 intelectuais da língua portuguesa.

Entre os clássicos que integram o levantamento, estão "Grande Sertão: Veredas" (1956), de Guimarães Rosa, que recebeu 20 indicações e alcançou o segundo lugar da lista, e "Os Sertões" (1902), de Euclides da Cunha, com 12 recomendações, em 11º lugar.

set de filmagem
Filmagem de 'Grande Sertão: Veredas', clássico que está sendo adaptado para o cinema por Guel Arraes e Jorge Furtado - Helena Barreto/Divulgação

Nesta quarta (22), os dois livros estiveram no centro de um debate do ciclo Perguntas sobre o Brasil, promovido pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela APBRA e pela Folha. A 11ª edição da série foi realizada com o seguinte mote: "‘Grande Sertão’ e ‘Os Sertões’ - o que Guimarães e Euclides dizem sobre o Brasil atual?".

Participaram do evento Walnice Nogueira Galvão, ensaísta e professora emérita de teoria literária e literatura comparada da USP, e Wander Melo Miranda, professor emérito da Faculdade de Letras da UFMG.

"Os dois livros são certeiros ao mirar o problema fundamental e gravíssimo do Brasil, que gera todos os outros, que é a desigualdade", ela afirma. "Trazem para o centro da reflexão a plebe rural brasileira."

"Às vezes costumo ler ‘Grande Sertão’ como um trabalho de luto, da perda do que poderíamos ter sido e não fomos", afirmou Miranda durante o evento.

"Essa unidade amorosa impossível [refere-se à relação de Riobaldo e Diadorim] é, de certa forma, uma triste ou lúcida consciência de que a nossa heterogeneidade é impossível enquanto unidade. Nós não conseguimos nos constituir como uma nação", complementa o professor.

Autora de livros como "No Calor da Hora - A Guerra de Canudos nos Jornais" (2019) e "Mínima Mímica: Ensaios sobre Guimarães Rosa" (2008), Walnice lembra que, por ter nascido no Rio de Janeiro e estudado na Escola Militar da Praia Vermelha, Euclides cultivava uma visão otimista sobre o lema "ordem e progresso", estampado na bandeira nacional.

"Euclides não tinha noção do que o aguardava em Canudos e levou o choque da sua vida. Esse choque, que foi o contato com a desigualdade, de corpo presente, transformou sua carreira", afirmou a professora.

Diante do que o chamado "progresso" fazia para os miseráveis, o escritor se tornou, segundo ela, um "paladino dos pobres". "Na introdução do livro, Euclides escreve que ‘Os Sertões’ foi feito para denunciar um crime."

De acordo com Miranda, autor de livros como "Os Olhos de Diadorim e Outros Ensaios" (2019), "denunciar é traduzir numa forma narrativa o horror que não cessa".

O professor da UFMG retomou uma ideia do filósofo alemão Walter Benjamin para comentar os dois livros. Podem ser entendidos, disse, como "documentos de cultura e de barbárie".

"Tanto em Rosa quanto em Cunha, há a denúncia de uma modernização sem modernidade, de uma tentativa de avanços tecnológicos sem a necessária igualdade de todos perante a lei", afirmou.

A conversa foi transmitida de forma online e continua disponível, na íntegra, nos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube. Ela foi mediada pela escritora, roteirista e tradutora Leda Cartum e apresentada por Patrícia Dini, da programação do CPF. Assista aqui.

O ciclo de diálogos Perguntas sobre o Brasil toma como base os livros indicados pelo projeto 200 anos, 200 livros para discutir temas relevantes da contemporaneidade.

Até maio deste ano, estão programados mais cinco debates envolvendo questões sobre religiões de matriz africana, Machado de Assis, tropicalismo e o futuro da Amazônia. Veja a programação completa.

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