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Maureen Dowd

O que as Redações de jornal perderam com o trabalho remoto

Colunista do New York Times escreve que ambiente instigante de fofocas, figuras lendárias e aprendizado pode desaparecer quando jornalistas trabalham de casa

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Maureen Dowd

Colunista do jornal New York Times, venceu o prêmio Pulitzer, o principal do jornalismo americano, em 1999. Escreve sobre política, cultura e assuntos internacionais.

The New York Times

[RESUMO] Colunista do New York Times lamenta que hoje, após impacto da Covid, jornalistas prefiram trabalhar em casa, o que deixou as Redações —antes ambientes dinâmicos e eletrizantes, repletos de pessoas excêntricas— vazias e sem graça. A falta de convívio, alerta ela, não apenas corrói o companheirismo e a verve sempre associados à profissão e difundidos pelo cinema, como também prejudica a formação de novos repórteres e o próprio exercício do jornalismo.

Não quero que este seja um daqueles textos que ficam lembrando como as coisas eram melhores no passado e que nunca mais voltarão a ser tão boas. No entanto, quando se trata das Redações de jornais, isso é verdade.

"Como seria um filme sobre um jornal, hoje em dia?", especulou meu colega do New York Times Jim Rutenberg. "Um bando de pessoas, cada uma em seu apartamento, cercadas de plantas murchas, usando Slack?"

Cena do filme "The Post - A Guerra Secreta" ("The Post"). Direção: Steven Spielberg. Elenco: Meryl Streep, Tom Hanks, Sarah Paulson.
Cena do filme "The Post - A Guerra Secreta" (2017), de Steven Spielberg, que retrata episódio histórico em que o jornal Washington Post publicou os Pentagon Papers, documentos secretos sobre o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã - Divulgação

Mike Isikoff, repórter investigativo do Yahoo que trabalhou comigo no The Washington Star nos anos 1970, concordou. "As Redações eram um núcleo instigante de fofocas, piadas, ansiedade e figuras hilárias e excêntricas. Hoje em dia ficamos sentados em casa, sozinhos, olhando para nossos computadores. Que tédio."

Meu amigo Mark Leibovich, redator da revista The Atlantic, destacou: "Não consigo pensar em uma única categoria de profissionais que dependam mais que os jornalistas da osmose e de simplesmente estar na companhia de outras pessoas. Há uma razão por que fizeram todos aqueles filmes sobre jornais —‘Todos os Homens do Presidente’, ‘Spotlight’, ‘O Jornal’".

"Há uma razão por que as pessoas visitam Redações de jornais. Ninguém vai querer visitar um escritório da H&R Block [empresa de consultoria de negócios e impostos] ."

Leibovich disse que hoje em dia participa da maioria das reuniões em casa, à distância. "Quando a ligação do Zoom termina, ninguém fala ‘ei, que tal sair para uma cerveja?’. Damos um clique e a reunião acaba. Não vaza mais nada depois. E a verdade é que dá para descobrir coisas interessantes nas minirreuniões depois das reuniões."

Quando Leibovich conseguiu seu primeiro emprego em jornal, atendendo ao telefone e separando correspondências no The Boston Phoenix, não demorou a descobrir que "a melhor escola de jornalismo é ouvir jornalistas fazendo seu trabalho".

Isikoff ainda se recorda de como ficou eletrizado quando ouviu o colega que se sentava ao seu lado no The Star, Robert Pear —o grande repórter já falecido que mais tarde trabalharia no New York Times—, localizar o financista foragido Robert Vesco em Cuba. "Alô, sr. Vesco", disse Pear em sua voz cochichada. "Aqui é Robert Pear do The Washington Star."

Com jornalistas reunidos em volta de Washington para o jantar anual dos correspondentes da Casa Branca e uma enxurrada de festas, agora parece ser um bom momento para escrever o obituário final da Redação de jornal americana.

A lendária trilha sonora de uma Redação de jornal nos anos 1940 foi muito bem descrita pelo czar de cultura do NYT Arthur Gelb em sua autobiografia "City Room": "Havia um clima tremendo de garra, propósito e dinamismo: o ritmo estalado das máquinas de escrever, o pulsar das grandes máquinas na sala de composição no piso superior, repórteres chamando copistas aos gritos para buscar suas matérias".

Havia também o cheiro penetrante do vício: o chão atapetado de bitucas de cigarro, assistentes de Redação que também faziam as vezes de corretores de apostas, jogos de dados, escarradeiras de latão e uma glamorosa amante de um astro de cinema perambulando pelo local. (O New York Times, porém, nunca foi tão longe quanto o editor interpretado por Cary Grant no filme "Jejum de Amor", de 1940, que incluiu até mesmo um batedor de carteiras na folha de pagamento.)

Os atores Cary Grant e Rosalind Russell em cena de "Jejum de Amor" (1940), comédia romântica do diretor Howard Hawks ambientada em um jornal
Os atores Cary Grant e Rosalind Russell em cena de "Jejum de Amor" (1940), comédia romântica do diretor Howard Hawks ambientada em um jornal - Divulgação

Quarenta anos mais tarde, quando comecei a trabalhar, a Redação do NYT ainda era um lugar elétrico e cheio de figuras excêntricas, mas viseiras verdes tinham desaparecido, e ninguém gritava "chapéu e casaco!" para mandar você sair à cata de notícias. E o nível de ruído baixou com a adoção dos computadores.

Eu tinha sentido um gostinho do velho glamour dissoluto no The Washington Star. Quando comecei ali, era auxiliar de Redação no turno das 21h; depois do trabalho íamos ao Tune Inn, o único bar no Capitólio que servia coquetéis Bloody Mary até o sol raiar.

Meu trabalho consistia em datilografar matérias na minha máquina de escrever Royal, com papel carbono, ditadas ao telefone por repórteres que ligavam dos lugares em que as histórias estavam acontecendo, incluindo o tribunal onde os invasores do edifício Watergate eram julgados. As coisas podiam ficar turbulentas, e não apenas por conta dos ratos que às vezes passavam correndo sobre nossos teclados.

Um editor me mandou sair para comprar uma cerveja na hora do fechamento da edição, e então quase me despediu quando voltei trazendo uma Miller Lite. Jornalistas tinham acessos de fúria, jogando máquinas de escrever ou terminais de computador no chão.

Havia um ambiente incrível de companheirismo e verve, quer estivéssemos fazendo reportagens sobre homicídios, política ou as dificuldades reprodutivas dos pandas do zoológico nacional.

"A troca de ideias e a competição convertiam as Redações de jornal em incubadoras de grandes ideias", comentou meu amigo David Israel, que aos 25 anos, quando eu o conheci, já era colunista esportivo imperdível no The Star.

Escrevo isto em uma sala de Redação deserta no escritório do NYT em Washington. Depois de trabalhar de casa por dois anos durante a Covid, eu estava animadíssima para voltar à Redação, para poder andar por aí e ficar a par das últimas novidades.

Mas neste último ano, cada vez que estou aqui, vejo apenas um punhado de pessoas. Há filas e mais filas de mesas vazias. De vez em quando, um grupo maior é atraído para a Redação para uma reunião com uma travessa de bagels.

O trabalho à distância é uma das grandes prioridades nas negociações contratuais do sindicato dos profissionais do Times, que defende que os funcionários não sejam obrigados a vir ao escritório mais que dois dias por semana neste ano e três dias por semana a partir do ano que vem.

A direção da empresa diz que se preocupa que jovens comecem a estagnar e a enxergar a instituição como abstração se trabalharem à distância muito frequentemente. Ela se comprometeu com uma política de três dias semanais de trabalho presencial neste ano, mas quer se reservar o direito de ampliar isso no futuro.

Receio que o glamour, a alquimia, tenham desaparecido. A partir do momento em que as pessoas se deram conta do fato espantoso de que podiam produzir um grande jornal trabalhando em casa, decidiram: por que não?

Aprecio os prazeres e a conveniência de trabalhar de casa. Posso acender a lareira, colocar Miles Davis para tocar e escrever na mesa do jantar enquanto faço coisas pela casa.

Minha ex-assistente Ashley Parker, que virou uma estrela ganhadora de um Prêmio Pulitzer no The Washington Post, geralmente vai à Redação —"nos dias de notícias importantes não há nada melhor"—, mas também curte a flexibilidade do trabalho de casa (especialmente porque acaba de ter uma bebê, Nell).

"Sejamos francas", ela disse. "Os repórteres políticos sempre trabalharam de qualquer lugar, a qualquer momento e hora, desde que estivessem produzindo boas matérias."

É claro que as Redações de jornais vêm encolhendo e desaparecendo há muito tempo, devido às transformações na economia e à revolução digital.

No entanto, agora estou à procura de um sinal de vida em um navio fantasma esdrúxulo. De quando em quando, ouço um repórter tentando convencer ou pressionar alguma fonte relutante pelo telefone, mas mesmo isso é silenciado porque muitos jornalistas mais jovens preferem comunicar-se com suas fontes por email ou mensagens de texto.

"Um problema disso", falou Jane Mayer, da The New Yorker, que começou comigo no The Star, "é que, se você entrevista alguém por escrito, a pessoa tem tempo de refletir e editar suas respostas. É o fim das frases espontâneas, inesperadas, imprudentes e divertidas."

Fico espantada quando ouço que tantos de nossos assistentes de Redação de 20 e poucos anos preferem trabalhar de casa. Naquela idade, eu teria tido dificuldade em encontrar mentores, amigos ou namorados se não tivesse estado na Redação. E nunca teria topado com tantas notícias quentes se não tivesse levantado a mão e dito "eu vou".

A famosa colunista liberal ferrenha Mary McGrory nunca teria me conhecido no The Star, e eu nunca teria recebido convites dela anos mais tarde, como este: "Vamos ver Yasser Arafat na Casa Branca e fazer umas compras!".

Como recordou-se Jane Mayer, quando o Star estava dando um furo importante: "Podíamos ver a história acontecendo. As pessoas se aglomeravam em volta da mesa do repórter, se amontoavam na sala do chefe e às vezes estouravam em discussões em voz altíssima. Havia figuras bizarras nas Redações, às vezes pessoas que eram exemplos fantásticos para nós, e havia todo o espírito de se fazer parte de um bando heterogêneo. Hoje é apenas você e aquele pequeno cursor na sua tela."

Tradução de Clara Allain

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