Análise: O retorno dos barões da imprensa
Na escadaria do edifício do "Washington Post", em 1933, advogados que representavam o magnata da mídia William Randolph Hearst apresentaram uma oferta de US$ 800 mil para tomar o controle da publicação, em um leilão pela massa falida do jornal. Um rival anônimo ofereceu US$ 825 mil. Hearst, o epítome dos barões da era dourada da imprensa norte-americana, desistiu da disputa.
O martelo foi batido e o "Washington Post", que estava praticamente fechado, ficou sob o controle de Eugene Meyer - que havia faturado milhões de dólares em Wall Street e mais tarde se tornou chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), mas não tinha qualquer experiência na direção de um jornal.
Esta semana, o "Washington Post" foi adquirido por Jeff Bezos, da Amazon.com, outro homem rico e sem experiência com jornais. Os descendentes de Meyer jogaram a toalha depois de assistir ao declínio das receitas do jornal por sete anos consecutivos, admitindo que lhes faltavam ideias novas sobre como reformular a publicação e prepará-la para um futuro digital.
A família tentou retratar a venda como um retorno às raízes do "Washington Post", com Bezos no papel de um benfeitor, em uma nova era dourada do jornalismo que trará um futuro brilhante, na idade da Internet.
"É mais ou menos como meu bisavô, que comprou o jornal em 1933 com dinheiro pessoal, e por muito tempo perdeu dinheiro pessoal para mantê-lo aberto", diz Katherine Weymouth, publisher do "Washington Post". "Podemos estar retornando a uma era na qual haverá pessoas com muito dinheiro e muitos recursos dedicadas ao jornalismo".
Um bilionário dotado de senso profundo de dever cívico parece o personagem dos sonhos de um executivo de jornal. Quer essa visão seja irrealista, quer não, Bezos acaba de ser escalado para um papel principal, com a chegada de um novo grupo de magnatas das notícias.
O setor está passando por convulsões, com a partida dos herdeiros de grandes impérios do jornalismo norte-americano. Entre os vendedores estão os Chandler (que se despediram depois de controlar o "Los Angeles Times" por 114 anos) e os Bancroft (104 anos no controle da Dow Jones, dona do "Wall Street Journal"). Apenas umas poucas famílias - os Sulzberger do "New York Times" (117 anos no comando do jornal), os Hearst e os Newhouse - continuam mantendo vivas as tradições das dinastias familiares.
Além do magnata da mídia Rupert Murdoch, os compradores são um grupo bastante diversificado de pequenos operadores, pessoas interessadas no tráfico local de influências e interessados em adquirir influência nacional. Alan Mutter, analista do setor jornalístico, diz que "eu presumiria que todos eles têm grandes fortunas e que estão tentando diminui-las".
Os destroços de esforços anteriores de tentar extrair lucros em meio ao declínio da mídia impressa estão espalhados por todo lado. Depois de digerir o "Los Angeles Times", a companhia controladora do "Chicago Tribune" terminou ela mesma engolida, em uma desastrosa façanha de engenharia financeira engendrada pelo incorporador imobiliário Sam Zell, que terminou em concordata. A aquisição alavancada do "Philadelphia Inquirer" pelo executivo publicitário Brian Tierney sofreu o mesmo destino.
A chegada de Bezos, um homem dotado de amplos recursos --estimados em mais de US$ 25 bilhões pela revista "Forbes"-- foi recebida com grande alívio pelo setor jornalístico. Se alguém tem o dinheiro e o conhecimento digital para salvar o setor, dizem os otimistas, Bezos é o cara.
Comparado aos cautelosos proprietários que está substituindo, Bezos tem o olhar firmemente voltado ao futuro e estará preparado para tomar decisões mais radicais, prevê Michael Moritz, financista do Vale do Silício que investe em gigantes da nova mídia como o Google e o Yahoo. Suspender de vez a versão em papel do "Washington Post" e combinar suas operações digitais às do blog Politico são a espécie de jogada que pode vir a seguir, ele acrescenta.
MOTIVAÇÃO DE BEZOS
Mas existe um mistério por trás da transação anunciada na semana passada: por que, exatamente, Bezos decidiu entrar na liça do jornalismo? Seria demais esperar que isso represente um ressurgimento dos proprietários de jornal benfazejos, dotados de espírito cívico?
As respostas a essas perguntas determinarão até que ponto a famosa paciência de Bezos para investimentos de longo prazo se estenderá, bem como a medida da atenção pessoal que ele está preparado a dedicar para fazer do "Washington Post" um sucesso.
As motivações dos benfeitores ricos de jornais são variadas e nem sempre fáceis de discernir. Entre os potenciais compradores mencionados em rumores de aquisições no setor jornalístico estão os irmãos Koch, bilionários que bancam causas políticas conservadoras.
Outros incluem Warren Buffett, um investidor sensato que normalmente não busca autopromoção e gastou centenas de milhões de dólares na aquisição de 30 jornais de pequenas cidades, enquanto a disputa pelo futuro do "Los Angeles Times" supostamente atraiu os interesses de muitos líderes locais de negócios, entre os quais David Geffen. Ron Burkle e Eli Broad. (Michael Bloomberg, bilionário fundador da agência de notícias e informações financeiras que leva seu nome e atual prefeito de Nova York, foi mencionado em boatos quanto a seu suposto interesse pelo "Financial Times" e "New York Times".)
Sigiloso, ambicioso e impiedoso em suas transações de negócios: o fundador da Amazon tem muitos dos atributos dos barões do jornalismo de uma era passada. Embora alguns destes tivessem ambições nuas de exercer influência política, as motivações de Bezos são mais opacas.
Alguns dos motivos que podem ter motivado a aquisição - satisfação do ego pura e simples é um exemplo, ou senso filantrópico de dever cívico, ou o desejo de promover uma agenda política - não são características que tenham sido reveladas em passados negócios de Bezos.
E o "Washington Post" não faria muita diferença para o império de mídia digital que ele vem construindo na Amazon. Seu material representaria uma gota no oceano de conteúdo digital que a companhia oferece. Isso despertou as suspeita de que Bezos se deixou atrair aos jornais porque isso lhe oferece uma oportunidade de promover seus interesses.
"Os cínicos diriam que ele está comprando a melhor ferramenta de lobby de Washington, e não creio que isso esteja longe da verdade", diz Roger McNamee, investidor do Vale do Silício que também tentou reconstruir uma publicação tradicional de mídia imprensa na era digital, comprando uma participação acionária na "Forbes".
Se exercer maior influência é de fato a jogada de Bezos, o que poderia ser melhor do que adquirir o órgão consultado a cada manhã pela elite política do país?
Lorde Northcliffe, barão britânico do jornalismo que morreu quase um século atrás, tinha praticamente a mesma opinião ao opinar que "de todos os jornais norte-americanos, eu preferiria ter o 'Washington Post', porque está nas mesas de café da manhã dos congressistas".
O "Washington Post" já não é tão lido quanto costumava, nas mesas de café da manhã norte-americanas. Perdeu mais de 40% de sua circulação, ante o pico atingido 20 anos atrás, um declínio que acompanha o do setor jornalístico dos Estados Unidos como um todo. Nas suas atividades online, o jornal foi criticado por permitir que o Politico se tornasse uma força na cobertura de política, o esporte predileto de sua cidade natal e o segmento que embasa seu prestígio.
Mas o papel do jornal como veículo norte-americano das revelações de Edward Snowden sobre as operações de vigilância dos serviços secretos dos Estados Unidos é um lembrete de que sua influência continua grande.
Se Bezos acredita que vale a pena pagar para ser ouvido em Washington, não seria o único empreendedor tecnológico da costa oeste a fazê-lo. Este ano, executivos de tecnologia e Internet do Vale do Silício liderados por Mark Zuckerberg, do Facebook, foram convidados a investir cada qual US$ 1 milhão na formação do Fwd.us, um ambicioso grupo de lobby.
Os US$ 250 milhões que Bezos investiu no "Washington Post" seriam pagamento de entrada muito maior. Mas é provável que sua riqueza esteja cada vez mais sujeita a caprichos políticos e regulatórios, à medida que a influência da Amazon.com sobre a economia digital passa a atrair escrutínio mais severo.
Os anos de disputa entre a empresa e os governos estaduais quanto ao pagamento de impostos estaduais de venda pelos compradores de produtos online são só o começo do que pode se transformar em uma batalha muito maior.
Como os gigantescos trustes que dominaram a primeira era dourada da economia e imprensa norte-americana, algumas poucas empresas de tecnologia, entre as quais a Amazon, acumularam um grau de riqueza e poder que seria quase impensável uma geração atrás.
Da mesma forma que a Standard Oil, de John Rockefeller, foi demonizada como um polvo estendendo seus tentáculos a todas as facetas da economia norte-americana, a influência dessas novas empresas deve se expandir à medida que mais aspectos dos negócios e da vida pessoal são atraídos ao reino digital.
No caso da Amazon, isso inclui sua influência sobre o varejo e seus efeitos sobre as condições locais de emprego nos Estados em que a empresa vem estabelecendo armazéns. A companhia de Bezos também está lutando para exercer poder cada vez maior sobre áreas da mídia digital, especialmente a publicação de livros.
E, como uma das maiores participantes no mercado de computação em nuvem, tem importante papel na infraestrutura de comunicações e computação - posição que deve atrair ainda mais interesse para ela nos círculos da segurança nacional.
Como a maioria dos proprietários de mídia, Bezos se apressou a negar a intenção de empregar sua nova posição para promover os interesses de suas empresas. "Ele deixou muito, muito claro que não tinha intenção de interferir, um com a integridade do jornal, e dois com sua página editorial", disse Weymouth.
Mas mesmo que ele cumpra a promessa, o novo proprietário do venerável "Washington Post" certamente será ouvido com mais atenção quando for à capital dos Estados Unidos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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