Quando uma empresa erra, rivais copiam, diz ex-presidente da CVM dos EUA
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Harvey Pitt, presidente da consultoria Kalorama Partners e ex-presidente da SEC (CVM dos EUA) |
Ex-presidente da SEC (CVM dos EUA, xerife do mercado de capitais), o advogado americano Harvey Pitt defende os mecanismos de "delação premiada" com redução expressiva das punições para as empresas que confessam delitos e que decidem colaborar com as investigações, como ocorre na Operação Lava Jato.
Pitt afirma que os EUA não teriam obtido sucesso em muitas das investigações de corrupção e de crime do colarinho branco sem os acordos de leniência, como são conhecidos. "Nossa experiência mostra que, quando uma empresa adota uma determinada prática [ilícita], todas as demais também fazem isso."
Pitt, que esteve no Brasil na semana passada, disse ainda que chamado "conselhinho", órgão brasileiro de recurso contra decisões administrativas da CVM, enfraquece o poder dos reguladores quando reverte as sentenças dos colegiados técnicos.
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Folha - Os acordos de leniência sempre permitem acelerar as investigações? O que aprendemos e ainda não sabemos sobre eles?
Harvey Pitt - Quando estava na SEC, instituímos os processos de cooperação em 2001 e as empresas foram encorajadas a ajudar nas investigações. Nossa experiência mostra que, quando uma empresa adota uma determinada prática [ilícita], todas as demais também fazem isso. Não teríamos obtido tanto sucesso sem esse tipo de colaboração.
Mesmo as melhores companhias estão sujeitas a erros. As companhias têm que ser ajudadas a reparar os erros que cometeram para se tornar mais fortes e minimizar o risco de novos equívocos.
Nesses acordos, é preciso um senso de proporcionalidade entre o delito, a punição e o perdão de parte das penalidades. Precisamos saber se há evidências claras dos equívocos cometidos, se essas empresas tomaram medidas para reparar os prejudicados e se adotaram medidas eficazes para que isso não aconteça novamente.
No Brasil, os acordos de leniência são criticados por permitir à empresa continuar sendo fornecedora do governo. Não é uma contradição liberar a empresa para participar de um mercado em que atuou de forma desleal?
Algumas pessoas defendem que essas empresas percam o direito de fazer negócios com o governo. Mas a saída de uma empresa do mercado reduz a competição, causa desemprego, prejudica o consumidor e o Estado.
A pergunta é: como fazer essa empresa se concentrar naquilo que faz melhor e parar com o que fez de errado? O objetivo das regras é fazer com que as leis sejam obedecidas, mas sem prejudicar os cidadãos e o país.
A empresa que faz acordo de leniência pode manter os executivos que foram responsáveis pelos delitos?
É difícil que alguns executivos tenham condições de se manter nos seus cargos. Se os eventos ocorridos não envolverem diretamente o presidente, ele pode continuar desde que a empresa tenha instâncias independentes de fiscalização e que tenha tomado as medidas para que isso não ocorra novamente.
Há um limite para o perdão de penas nos acordos de cooperação?
Em alguns casos, reduzir a punição em dois terços pode ser benevolente demais; mas também pode ser leve. Há que analisar caso a caso, saber quais são as evidências (e-mails, gravações telefônicas, conversas), quem foi envolvido e depois o que a empresa fez quando tomou conhecimento do caso.
A Petrobras está sendo processada pelos acionistas minoritários nos EUA por má governança. No Brasil, esse tipo de questionamento não tem tradição. O quanto é importante para o mercado de capitais brasileiro que esse tipo processo ocorresse no país?
Por que os estrangeiros vão a outro país para isso? Presumo que seja porque veem condições mais favoráveis de serem ouvidos do que em seus países. O Brasil deveria fazer uma reflexão para entender essa frustração e avaliar por que os seus remédios não são eficientes.
É mais difícil supervisionar o setor público ou o privado?
É muito mais difícil fazer a lei prevalecer contra pessoas do setor público. Parte do problema é que o governos são muito poderosos em todos os lugares.
Muitas decisões tomadas pela CVM são derrubadas pelo "conselhinho", sob alegação de inconsistência de provas, entre outros. Isso enfraquece o poder dos supervisores?
Nos EUA, depois que a SEC toma uma decisão final, a única forma de revisão é na Justiça. Se a revisão for feita porque houve um trabalho malfeito ou faltaram evidências materiais para embasar essa decisão, isso é uma coisa boa. Se a decisão for derrubada por razões políticas, é ruim.
O que mudou na supervisão dos mercados desde a crise de 2009? O que ainda precisa ser revisto?
Depois da crise financeira, passamos nos EUA a Lei Dodd Frank, um compilado de 2.313 páginas sobre como a indústria financeira deve se comportar. Quando Deus ditou as leis sobre como as pessoas devem se comportar, fez isso em dez mandamentos escritos em duas tábuas.
As regras têm que ser claras o suficiente para condenar os abusos em geral. Não podem ser muitos específicas para não permitir brechas sobre aquilo que não foi falado. Dodd Frank fechou a porteira do estábulo depois que todos os cavalos escaparam!
O que os reguladores não estão olhando e que podem motivar problemas no futuro?
Há inúmeros problemas que não foram endereçados. Primeiro, os membros independentes dos conselhos não são devidamente responsabilizados pelos problemas das empresas. Depois, falta criar leis mais inteligentes que evitem abusos. Algumas pessoas defendem mais regulação e outras, menos. Na minha opinião, estão ambos errados. Devemos é fazer regras mais inteligentes, que levem as pessoas a pensar naquilo que beneficiará a maioria. O terceiro problema é que precisamos de mais colaboração entre os países.
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RAIO X HARVEY PITT, 71
Trajetória: presidente da consultoria Kalorama Partners, ex-presidente da SEC (Securities and Exchange Commission, órgão dos EUA equivalente à CVM brasileria) entre 2001 e 2003 e funcionário de carreira da instituição
Formação: mestrado em direito pela St. John's University e graduação pelo Brooklyn College
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