Senso de missão e indignação motivam o engajamento de empresários na política

Nomes que não aderiram a esse movimento têm apoiado agremiações e candidatos novos

Joana Cunha Raquel Landim
São Paulo

Romeu Zema, presidente do conselho de administração do Grupo Zema —um conglomerado que inclui redes de lojas de eletrodomésticos, concessionárias de veículos e postos de gasolina—, passou a ter insônia ao ser convidado pelo Partido Novo para, em meados de 2017, concorrer ao governo de Minas Gerais.

Zema pensava nas centenas de trabalhadores que teve de demitir na recessão, provocada pela crise. Ele sempre pregou que seu grupo ficasse longe da política e dos políticos, mas, naquele momento, se sentiu culpado.

“Se deixamos a política apenas para as pessoas sem ética que estão aí, também somos responsáveis”, diz.

Sua consciência só se acalmou após se afastar do conselho de administração da empresa e começar a percorrer Minas em busca de votos.

Zema não é o único com esse sentimento.

Entre os motivos para a mudança radical, empresários ouvidos pela Folha citam falta de opção de candidatos, os efeitos da crise econômica sobre os negócios e até idealismo.

Nas palavras de Flávio Rocha, dono da Riachuelo que chegou a se filiar ao PRB para disputar a Presidência da República, mas depois desistiu, existe uma espécie de “senso de missão” entre seus pares, provocada pela indignação contra a corrupção explicitada pela Lava Jato.

Há ainda um certo pragmatismo, detonado pela recessão e pela percepção de que políticos tradicionais podem destruir a economia se deixados sozinhos no comando do país.

Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, chegou a ser cotado para vice de Jair Bolsonaro (PSL) no início deste ano, mas se recolheu. Na sexta-feira (17), decidiu apoiar abertamente o candidato.

“Eu sempre me perguntava por que os empresários não se engajam. E a política no Brasil acabou terceirizada nas mãos de pessoas incompetentes.”

Hang não considera Bolsonaro um radical, como dizem. Radical, diz, é ele próprio, por resistir a condições econômicas adversas como empresário.

Para Christian Lohbauer, cientista político, ex-executivo de empresas e candidato à Vice-Presidência pelo Novo, não são só os grandes empresários que se veem tentados a entrar na política nestas eleições. Há
pequenos e médios.

Segundo ele, esse grupo deixou de se sentir representado na cena política após as federações empresariais perderem espaço e só “campeões nacionais” conseguirem acesso ao Congresso Nacional ou ao Poder Executivo.

Um exemplo desse novo perfil é Alexandre Guerra, herdeiro da rede de restaurantes Giraffas e candidato ao governo do Distrito Federal também pelo Partido Novo, a agremiação que mais reúne empresários.

“Se houvesse pessoas competentes liderando o poder público, talvez não tivéssemos a necessidade de nos colocar à disposição para ter um governo mais eficiente. Quem dera estivesse tudo bem. Eu não precisaria estar me submetendo a isso. Poderíamos focar as nossas empresas. A motivação vem de um sistema político falido”, diz.

Renato Feder, presidente da fabricante de eletrônicos Multilaser, que faturou cerca de R$ 2 bilhões em 2017 e se prepara para abrir capital na Bolsa, também se engajou.

Ele não se candidatou, mas se envolveu na política quando percebeu que não conseguia escolher um candidato a deputado federal para votar.

O empresário decidiu fundar o site Ranking dos Políticos, de orientação liberal, para “ajudar as pessoas a escolher seus candidatos”.

Desde 2010, o ranking organiza informações públicas sobre o perfil dos parlamentares.

“Percebemos na campanha que há um monte de gente do setor privado disposta a colaborar, independentemente se é candidato ou não”, diz.

Até o brasileiro mais rico, Jorge Paulo Lemann, resolveu incentivar os ex-bolsistas de sua Fundação Estudar que são hoje candidatos.

No evento anual da instituição, realizado há duas semanas, Lemann promoveu um debate entre eles para uma plateia de centenas de estudantes.

Mesmo quem faz a opção de ficar fora desse movimento aplaude.

Presente ao evento, Rodrigo Galindo, presidente da Kroton, a maior empresa de ensino superior privado do país, disse à Folha que considera a iniciativa dos candidatos um desprendimento.

“A Kroton é apartidária. Falo na pessoa física. Vejo como altruísta a pessoa que tem uma carreira promissora na iniciativa privada e abre mão disso para construir um Brasil melhor. E é provável que todos os ex-bolsistas da fundação tenham uma carreira promissora, porque são muito bem formados”, afirma Galindo.

O setor privado chegou a ter dois representantes entre os pré-candidatos à Presidência —Amoêdo, ex-membro do conselho de administração do Itaú Unibanco, e Rocha, da Riachuelo— e dois que se envolveram em conversas para à Vice-Presidência —Josué Gomes da Silva, dono da Coteminas, e Benjamin Steinbruch, da siderúrgica CSN.

Assim como Rocha, Josué e Steinbruch desistiram, mas foram nomes cobiçados para compor chapas que se destacam, respectivamente, a do ex-presidente Lula (PT) —ou alguém indicado por ele— e Ciro Gomes (PDT).

Amoêdo, que permanece, conta que sentiu o chamado da política, mas não se identificou como nenhuma agremiação. Fundou o Partido Novo em 2010, decisão que mudou sua vida.

“A política é malvista, e a pessoa tem de sair de sua atividade privada para se expor. É por isso que a renovação é tão baixa, acaba atraindo quem já tem histórico”, diz o candidato.

O Novo lança também cinco candidatos a governo de estado neste ano, todos igualmente vindos da iniciativa privada.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.