Descrição de chapéu Eleições 2018

Bolsonaro assume com aval do mercado, mas sob escrutínio da indústria

Representantes de setores empresariais afirmaram que estão otimistas com o novo governo

Raquel Landim Flavia Lima
São Paulo

Eleito com uma plataforma liberal, Jair Bolsonaro (PSL) assumirá a presidência com a missão de cumprir as promessas que fez ao mercado financeiro, mas ficará sob escrutínio da indústria que teme uma abertura unilateral da economia, nos moldes do que foi feito pelo ex-presidente Fernando Collor.

Representantes de setores empresariais ouvidos pela Folha afirmaram que estão otimistas com o novo governo, que chegará com o respaldo das urnas para promover as reformas previdenciária e tributária.

Ressaltam, todavia, que só apoiam uma maior inserção do Brasil no mercado externo por meio de acordos bilaterais.

Jair Bolsonaro acena em dia de 2º turno
Jair Bolsonaro acena em dia de 2º turno - Pilar Olivares/Reuters

Para José Velloso, presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) é urgente uma profunda reforma da Previdência, que reduza os benefícios concedidos aos servidores públicos. Na sua opinião, ajustar os gastos do governo é a única maneira de baixar juros e estimular o investimento.

Ele também apoia uma reforma tributária, que desonere o investimento e a exportação, mas é contra a abertura unilateral da economia que vem sendo ventilada por alguns assessores do presidente eleito. “Se fizermos isso, vamos repetir o mesmo erro do Collor e destruir empregos no Brasil”, afirmou.

Em relatório enviado a seus clientes, a XP Investimentos afirmou que o plano de governo de Bolsonaro aborda a “redução de muitas alíquotas de importação e das barreiras não-tarifárias, em paralelo com a constituição de novos acordos bilaterais internacionais“. Segundo a corretora, empresas de setores como siderurgia e industriais como a fabricante de motores WEG poderiam ser negativamente impactadas.

Na semana passada, representantes da indústria estiveram com Bolsonaro em encontro intermediado pelo deputado Onyx Lorenzoni, já indicado como futuro chefe da Casa Civil do novo governo. Na reunião, externaram sua preocupação com o tema e pediram que o então candidato desistisse, por exemplo, da ideia de fundir os ministérios da Fazenda e da Indústria –pleito que deve ser atendido.

“Nunca é bom concentrar muitos poderes em uma única pessoa”, explicou Fernando Pimentel, presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), referindo-se a promessa de Bolsonaro de transformar o economista Paulo Guedes num “super ministro”, que englobaria Fazenda, Planejamento e Indústria.

Conforme o empresário, a principal tarefa do novo presidente será pacificar o país e, em seguida, promover reformas estruturais, como previdência, tributária e política. 

Humberto Barbato, presidente da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) está “otimista” com o novo governo, que teria “autoridade” para implementar as reformas que o país necessita.

“Bolsonaro chega com grande respaldo popular, o que vai facilitar sua relação com o Congresso”. Ele, contudo, também se revela “preocupado” com a possibilidade de uma abertura unilateral da economia.

Economistas ouvidos pela reportagem dizem que, nos próximos dias, a bolsa deve encontrar fôlego para subir mais e o real deve seguir se valorizando em relação ao dólar, num período que deve ser de lua de mel entre o mercado financeiro e o governo.

Para a XP Investimentos, a perspectiva de um governo reformista e liberal poderia levar a Bolsa a atingir algo entre 90 e 100 mil pontos até o final do ano, o que representa alta de 10% a 20% sobre os níveis atuais, levando o dólar para o nível de R$ 3,50 a R$ 3,70.

Marcos Casarin, economista-chefe para a América Latina da Oxford Economics afirma que o otimismo do mercado com Bolsonaro é fundamentado. “Pela primeira vez em 12 anos, temos a chance de dar uma guinada na política econômica com certa garantia de pouca interferência do estado na política econômica”.

O economista conta que os investidores com os quais conversa não estão preocupados com temas como segurança, minorias, liberdade e eventuais retrocessos sociais, mas focados em questões econômicas.

"Olhando por um prisma muito restrito, como condição de financiamento de investimento e valorização no preço de ativos, o Bolsonaro é superior ao Haddad [Fernando Haddad, candidato derrotado do PT].”

Bolsonaro assume com aval do mercado, mas sob escrutínio da indústria
Representantes de setores empresariais afirmaram que estão otimistas com o novo governo - Arte/Reprodução

Para Casarin, Bolsonaro representa uma continuidade à plataforma do Temer que, para a economia, foi “sensacional, ao menos até o escândalo do Joesley [Batista, empresário do grupo JBS que fez delações implicando o presidente na operação Lava Jato]”.

“O Brasil estava um ritmo de aprovação dificilmente visto. O fato de Bolsonaro continuar com a ponte para o futuro dá ao mercado base para comemorar”, afirma.

Para ele, a lua de mel do mercado com Bolsonaro perdura por ao menos um ano.

Destaca ainda que um dos fatores que poderiam antecipar uma crise de relacionamento seria algum choque externo. “Se estourar uma crise americana, a equipe do Bolsonaro pode ter uma resposta titubeante. Mas isso aconteceria com qualquer equipe. Não sabemos quem serão os atores do governo e como vão reagir no caso de uma crise externa”, ressaltou.

Segundo ele, em caso de crise, o governo do PT seria “mais kamikaze, enquanto o Paulo Guedes dificilmente abriria mão da austeridade fiscal por um choque externo”.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, também prevê que, após o período de euforia do mercado, os questionamentos devem começar a aparecer em breve. “Ainda não há sinais muito claros e convincentes sobre o que o próximo governo vai querer fazer e de que forma”, diz Gonçalves. 

É consenso entre os analistas que a reforma da Previdência é condição necessária, embora não suficiente, para equacionar o rombo das contas públicas. Para Ramos, do Goldman Sachs, a proposta terá que estar pronta em fevereiro para que seja votada, no máximo, até o terceiro trimestre de 2019. 

Em um prazo mais longo, no entanto, a percepção é que os desafios são imensos e devem se impor.

“Bolsonaro vai enfrentar uma economia com crescimento fraco, desemprego alto e contas públicas muito deterioradas, tendo que encontrar rapidamente apoio político para avançar na parte fiscal”, diz Alberto Ramos,diretor de pesquisas para América Latina do Goldman Sachs. 

O economista avalia, no entanto, que a vitória de Bolsonaro com uma diferença de dois dígitos com relação a Fernando Haddad (PT) pode facilitar a composição política num Congresso bastante fragmentado e menos experiente no processo legislativo. 

Para a economista-chefe da XP, Zeina Latif, o cenário para 2019 é binário e o divisor de águas é a aprovação de uma boa reforma da Previdência, de preferência aquela proposta pelo Presidente Temer e aprovada nas comissões da Câmara em 2017. Em relatório, a XP lembra que a Previdência é a principal despesa do governo, representando em torno de 60% do Orçamento federal. 

A perspectiva de que o economista Paulo Guedes vai assumir a Fazenda também é elogiada por Carlos Hardenberg, sócio da gestora Mobius Capital Partners. “Ele é um economista conhecido com forte apoio a políticas ortodoxas e amigáveis ao mercado que têm grande apelo aos investidores. Por isso, se Bolsonaro nomeá-lo ministro da Fazenda, como disse que faria, seria um sinal positivo parar a comunidade investidora”, afirmou.

Ele vê, no entanto, um cenário ainda muito incerto, propiciado por declarações divergentes dentro do círculo de Bolsonaro e uma investigação do Ministério Público Federal contra Paulo Guedes por supostos “crimes de gestão fraudulenta ou temerária” e “emissão e negociação de títulos sem lastros ou garantias”.

Ele afirma que o Brasil continuará no foco da estratégia de investimento da gestora. “Nós começamos recentemente a nos posicionar em uma empresa brasileira.”

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