Fusão de ministérios coloca em alerta principais setores da economia

Falta de clareza e informações desencontradas deixam setores da economia em suspenso

Brasília e São Paulo

As propostas de reestruturação de ministérios do governo eleito de Jair Bolsonaro (PSL) colocou em alerta os principais setores da economia. 

Executivos de áreas tão diversas quanto agricultura, mineração, construção, energia, transportes, aviação, saneamento e boa parte dos segmentos da indústria passaram esta quarta-feira (31) tentando sanar dúvidas sobre o pouco que já foi anunciado e desvendar especulações sobre o que ainda está por vir.

A junção dos ministérios de Integração Nacional, Cidades e Turismo é um dos enigmas. Não houve anúncio formal sobre a união, mas a simples cogitação já preocupa.

A proposta de extinguir a pasta das Cidades levantou dúvidas sobre como será a partilha dos recursos. O ministério é responsável pela condução de políticas públicas importantes, como o Minha Casa Minha Vida na área de habitação e a expansão do saneamento básico, bem como de projetos de mobilidade e desenvolvimento urbano.

O receio é agravado por uma declaração de Bolsonaro, antes das eleições, de que as verbas atualmente gerenciadas pela pasta deveriam ser encaminhadas às prefeituras.

Especialistas do setor de construção ouvidos pela Folha disseram que faltam esclarecimentos sobre como esse novo ministério funcionaria.

“Os municípios têm arrecadação limitada e precisam dos recursos federais por meio de programas específicos”, diz Luciano Guimarães, presidente do CAU-BR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil).

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O general Augusto Heleno ao lado do ministro Gustavo Rocha no Planalto  - Pedro Ladeira/Folhapress

“Ainda está muito prematuro, é muita conversa daqui e de lá”, afirmou Flavio Amary, presidente do Secovi-SP (sindicato do setor imobiliário).

“Se a gente pensar de maneira muito específica, setorial e até egoística, claro que [a extinção] atrapalharia”, disse ele.

Amary pondera, porém, que o setor deve colaborar com o intuito do governo de diminuir o tamanho do Estado.

No setor de saneamento básico, também há muita incerteza. A equipe de Bolsonaro não participou, durante a campanha eleitoral, de debates promovidos pelo setor.

A possível junção de pastas até pode ser positiva, afirma Roberto Tavares, presidente da Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento).

Hoje, as verbas destinadas a saneamento estão divididas nos orçamentos dos ministérios de Saúde, Cidades, Integração Nacional e Turismo. “Desde que a política do setor fique centralizada, acho positivo”, diz Tavares.

A área de infraestrutura está em compasso de espera. Apesar de o próprio vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, ter declarado que descartaram a ideia de um superministério, executivos dos setores aguardam o anúncio oficial. 

Pelo desenho mencionado por Mourão, o ministérios de Minas e Energia permanece independente. O Ministério dos Transportes, que abarca Portos e Aviação Civil, pela proposta, passaria a compor a pasta de Infraestrutura. 

Ainda está em discussão, porém, a possibilidade de a nova pasta abrigar Comunicações, hoje em Ciência e Tecnologia.

Enquanto não vem a definição, há uma disputa entre alas políticas e de militares pela distribuição de cargos.

A fusão dos Ministérios de Meio Ambiente e Agricultura conseguiu desagradar a praticamente todos os envolvidos. 

“O novo ministério que surgiria com a fusão do MMA [Ambiente] e de Agricultura teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas”, disse o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, em nota.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, também se posicionou contra. “Lamento a decisão do presidente eleito por entender que isso trará prejuízos incalculáveis ao agronegócio brasileiro!”, disse, em suas redes sociais.

Maggi também destacou que a pasta do Meio Ambiente não acompanha apenas os impactos do agronegócio. É de sua responsabilidade avaliar questões ambientais em projetos de atividades tão distintas quanto mineração, energia e petróleo. Seria dificílimo conciliar áreas tão diferentes sob o guarda-chuva da Agricultura.

A fusão poderia atrapalhar o já complexo processo regulatório na área ambiental, afastando investidores. Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), por exemplo, há “bilhões de dólares em capital privado” aguardando normas relativas a unidades de conservação, áreas de preservação permanente e reservas legais.

A fusão dos ministérios poderia retardar ainda mais definições na área. 

Nesta quarta, porém, o presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Luiz Antonio Nabhan Garcia, colocou mais indefinição no cenário ao declarar publicamente que a decisão de fundir Agricultura e Meio Ambiente não foi tomada em definitivo e uma reviravolta poderia ocorrer.

“Não tem nada confirmado sobre a união dos ministérios. Existe a possibilidade de os dois ministérios seguirem separados, como existe a possibilidade da fusão. Não tem nada definido. Pelo menos foi isso que o presidente me disse”, afirmou Nabhan após encontro com Bolsonaro.

De acordo com o ruralista, aliado do presidente eleito, a questão só será definida “ao longo de muita conversa, de ouvir os segmentos, ouvir as instituições”. “Esta é a qualidade que eu sempre admirei nele: ter a humildade de ouvir todo o mundo.”

Nabhan também desconversou sobre a possibilidade de ele ser o indicado ao ministério e disse que levou a Bolsonaro a sugestão do nome do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) para a Agricultura.

No setor da indústria, as atenções estão voltadas para o destino do Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços). 

Sua já anunciada fusão com Fazenda e Planejamento, para formar o superministério da Economia, tem alimentado descontentamentos e ceticismo.

Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior entre 2007 e 2010, lembra que a fusão já foi tentada no governo de Fernando Collor e não deu certo. “O tema da Fazenda é o funcionamento do Estado. E o Ministério da Indústria trata do setor privado”, afirma. 

Fontes do próprio governo consideram difícil a tarefa de fundir a pasta em particular com a Fazenda. Alegam que a agenda prioritária hoje na Fazenda é o ajuste fiscal, a redução de despesas —que não tem correlação com a principal agenda do Mdic, que é dar suporte a setores exportadores.

A informação mais precisa divulgada nesta quarta foi a lista da equipe econômica que participará do processo de transição do governo de Michel Temer para o de Jair Bolsonaro. 

O grupo com 12 integrantes inclui economistas e especialistas que já vinham trabalhando na campanha e ajudaram no programa de governo.

Talita Fernandes, Luís Costa , Anaïs Fernandes , Mariana Carneiro e Taís Hirata

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