Aos bancos cabe só 1 de suas 21 propostas para reduzir juros

Febraban condiciona redução do custo do crédito a mudanças regulatórias

Tássia Kastner
São Paulo

Com a afirmação de que “os bancos não vão baixar os juros sozinhos”, Octavio de Lazari, presidente do Bradesco, ecoou explicações da Febraban (federação de bancos) para as altas taxas cobradas de consumidores do país.

Em um livro de 164 páginas, a entidade lista suas explicações para os juros elevados e apresenta soluções que fariam com que caíssem.

Apenas 1 das 21 medidas está sob a alçada dos bancos, e apenas parcialmente. É a adoção do crediário com juros para diminuir o uso do parcelado sem juros. Segundo os bancos, há um subsídio cruzado no setor que faz com que os juros do rotativo sejam elevados.

Entre as demandas, estão medidas que reduziriam a cobrança de impostos, regras mais simples para análise e recuperação de crédito e liberdade para cobrar tarifas, que hoje são limitadas pelo Banco Central (veja ao fim da reportagem).

A ofensiva se concentra em tentar destravar regulações que poderiam reduzir custos do banco sem afetar resultados. As grandes instituições entregam retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) de cerca de 20% a seus acionistas.

“Para manter o ROE, os bancos não vão fazer mea-culpa e abrir mão de resultado presente por um mais consistente de longo prazo”, diz Wellington Lopes de Souza, professor de finanças do Ibmec-SP.

O spread é a receita bruta de um banco, a diferença entre o custo para captar dinheiro e o juro cobrado em um empréstimo concedido a um cliente.

No sistema bancário, a taxa média é de 24,6% ao ano, e o custo de captação, 6,6%. O spread, portanto, é de 18%, segundo dados do Banco Central referentes a outubro.

No ano passado, o BC fez o cálculo da divisão do spread e considerou que a margem financeira (receita líquida) é menos de 10% do spread.

“[O livro] É quase para justificar para a população que, na pizza de distribuição do spread, não se deve cobrar só dele [banco]. Uma parte vem de instrumentos em que o governo precisa atuar. Mas, sem dúvida, os bancos também têm sua parte. A Selic foi cortada, está faltando os bancos cortarem da parte deles”, afirma Michael Viriato, professor de finanças do Insper.

Lazzari afirmou na sexta-feira (14) que essa é a pequena parte que cabe aos bancos e que está sendo feita. “O que a gente pode fazer sozinho é muito pouco. Podemos reduzir as taxas de juros, e elas estão sendo reduzidas.”

Além da margem financeira, os bancos também são responsáveis por custos administrativos e pela inadimplência, dizem especialistas.

Os custos começam a ser cortados à medida que bancos fecham agências e digitalizam processos. O ritmo, porém, é lento e levanta comparação com fintechs (empresas que oferecem serviços financeiros inovadores).

“As fintechs já nascem digitais. O que os bancos estão fazendo? Reduzindo agência, tentando ter estrutura administrativa mais leve. E, em tese, eles começam a ter spread menor também”, diz Claudio Gallina, diretor da área de instituições financeiras da Fitch.

Bancos dizem que o problema do spread não é relacionado à falta de concorrência, mas o BC tem tentado estimular a entrada de novas instituições com novas regras para instituições de menor porte.

“Por que a Febraban começa a se movimentar agora? Estamos vivendo em um Brasil com mais concorrência”, diz Rafael Pereira, presidente da ABCD (Associação Brasileira de Crédito Digital), que congrega as fintechs de crédito.

Os quatro maiores bancos (Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Caixa) concentram quase 80% de todos os empréstimos do país, segundo o BC.

Eles absorvem também o maior número de calotes. Segundo a Serasa, 60 milhões de brasileiros estão com o nome sujo, e 30% das dívidas são com bancos e cartões.

Os bancos atribuem parte da inadimplência à ausência de cadastro positivo, um banco de dados de consumidores com registros de contas pagas, em dia ou em atraso.

O documento da Febraban pede também autorização formal para processar outras informações, como dados do governo sobre mercado de trabalho e da Receita Federal. Essas informações são atualmente acessadas por fintechs.

Octavio de Lazari, presidente do Bradesco - Paulo Whitaker/Reuters

Mas bancos pedem ainda acesso a registros dos programas de notas fiscais estaduais. Com isso, passariam a saber não só onde o potencial cliente fez uma compra, mas também o que comprou.

“Acho que, mais que a questão do sigilo, a gente tem uma discussão de finalidade”, diz a advogada Larissa Arruy, sócia do escritório Mattos Filho.

Ela lembra que a Lei de Proteção de Dados prevê que o uso de informações pessoais depende de anuência e de razão legítima para coleta. “O que a gente vai ter ainda nos tribunais é o que é a razão legítima e o que ultrapassa”, diz.

Pereira, da ABCD, diz que a avaliação de risco de crédito faz parte da tarefa do banco e que a inadimplência reflete a ineficiência. “Eu acho que a inadimplência é consequência [do juro alto], e não causa.”

Especialistas dizem, porém, que boa parte dos problemas apontados é legítima, como custos judiciais e imposto sobre lucros maior que o praticado sobre outras empresas.

O ponto mais repetido foi a cobrança de IOF sobre operações de crédito, que não compõe o spread, mas encarece o custo final do empréstimo.

A metáfora é simples: o cliente pede R$ 1.000, mas recebe R$ 950 —R$ 50 foram para o governo.

O imposto surgiu para punir investimentos de curto prazo em períodos de hiperinflação, mas virou arrecadatório —só em outubro, foram R$ 3 bilhões gerados por esse tributo, que incide também sobre seguros, investimentos e operações cambiais.

Há concordância também de que bancos tendem a sofrer mais condenações na Justiça em ações trabalhistas. As condenações superam os R$ 7 bilhões, segundo a Febraban.

“Não é que existam só bonzinhos do lado do banco e maus do lado dos trabalhadores, mas existe uma predisposição de condenar porque tem dinheiro”, afirma o advogado Domingos Fortunato, sócio da área trabalhista do Mattos Filho.

Questionado, o Sindicato dos Bancários de São Paulo não respondeu à pergunta sobre ações trabalhistas. Disse, porém, que a maioria das medidas serviria apenas para elevar margens de lucro do setor.

A Febraban lançou campanha na mídia sobre o livro “Como Fazer os Juros Serem Mais Baixos no Brasil”. O exemplar está disponível na internet. Procurada, a entidade não disponibilizou porta-voz.

Sugestões dos bancos para a queda das taxas de juros

1) Cadastro positivo
Projeto no Congresso quer tornar automática a inclusão de consumidores no cadastro de bons pagadores. Atualmente, apenas o cadastro de devedores é obrigatório

2) Ampliar acesso à informação de renda
Bancos querem anuência legal para usar dados públicos de trabalho e renda e também informações dos programas de nota fiscal estaduais para avaliar tomadores de crédito
- Fintechs já usam dados de trabalho e da Receita. Já o acesso a dados de nota fiscal daria a bancos informações detalhadas sobre o que cada consumidor compra, onde e quanto gasta

3) Cobrança extrajudicial
Se fosse aprovado, projeto de lei em tramitação no Congresso facilitaria a retomada de bens financiados, como imóveis e carros, que ficam em alienação fiduciária até o pagamento total

4) Duplicata eletrônica
Bancos pedem versão digital do documento, que é uma espécie de comprovante do valor a receber a que tem direito o fornecedor. Serve de garantia em empréstimos de empresários

5) Dedução de Imposto de Renda da perda em Provisão para Devedores Duvidosos
Bancos querem abater integralmente do cálculo de Imposto de Renda os valores lançados como perda nas operações de crédito

6) Aprovar nova Lei de Falências
Medida restringiria a recuperação judicial a empresas consideradas viáveis. Além disso, o prazo de suspensão da cobrança de dívidas dessas empresas deveria ser limitado e os créditos deveriam sofrer correção monetária

7) Reforçar segurança jurídica de operações eletrônicas
Aprovação de projeto de lei que reforçaria a segurança legal de assinatura eletrônica por senha e biometria na contratação de serviços bancários, com força equivalente à assinatura presencial

8) Isonomia tributária entre bancos e outras empresas
Bancos pagam atualmente 20% de CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido), enquanto empresas não financeiras pagam 9%

9) Eliminar IOF sobre crédito e zerar PIS/Cofins sobre receitas financeiras
Sobre todas as operações de crédito há cobrança de IOF e há recolhimento de PIS/Cofins sobre as receitas geradas por empresas financeiras e não financeiras
- IOF surgiu como imposto punitivo, para evitar investimentos de curto prazo em períodos de juros altos e inflação. Agora virou arrecadatório e consome parte do valor que o consumidor pede de empréstimo

10) Reduzir compulsório e aplicações obrigatórias
Parte do dinheiro captado pelos bancos (depósitos em conta-corrente, por exemplo) precisa ficar no Banco Central e não pode ser usada para emprestar a clientes. Além disso, alguns recursos são carimbados, como parte do dinheiro da poupança, destinada a financiamento imobiliário
- Bancos dizem que, com mais dinheiro para emprestar e sem a obrigação de realizar empréstimos a juros controlados ou subsidiados, as taxas poderiam cair

11) Eliminar responsabilidade solidária e objetiva
Bancos afirmam sofrer ações judiciais por responsabilidade solidária em causas ambientais por terem financiado obras

12) Implementação efetiva da reforma trabalhista
Observância das novas regras pode reduzir o número de ações trabalhistas sofridas pelos bancos, diz a Febraban

13) Liberdade tarifária
Bancos pedem liberdade para a cobrança de tarifas, que atualmente segue regras do BC
Fintechs prestam de forma gratuita serviços que bancos cobram atualmente

14) Reduzir a litigiosidade judicial
Bancos pedem avaliação socioeconômica de quem entra com a ação na Justiça e pede acesso à Justiça gratuita. Isso reduziria o número de ações sem fundamento

15) Recolhimento centralizado e padronizado de ISS 
O ISS é um imposto municipal e pode ter regras distintas em cada local. A padronização poderia reduzir o custo dos bancos
- Debate atende também a empresas de outros setores que atuam em diversos municípios e ilustra o chamado custo Brasil

16) Federalizar competência para legislar sobre assuntos bancários
Bancos reclamam que estados e municípios criam regras distintas para o setor, como imposição de assentos nas agências e cartazes que precisam ser afixados nas paredes

17) Padronizar segurança nas agências
Tramita na Câmara projeto que impõe regras de segurança no setor e unifica e coloca a fiscalização sob responsabilidade da Polícia Federal

18) Simplificar a abertura de cadastro do consumidor
O tema é a inclusão do consumidor na lista de devedores dos birôs de crédito. É preciso notificar o consumidor por escrito, e bancos pedem que comunicação possa ser eletrônica
Notificação evita inclusão indevida no cadastro de devedores

19) Desestimular o uso do dinheiro em espécie
Teto para saques poderia reduzir custos com transporte de dinheiro e fraudes por lavagem de dinheiro
Operações com cartões de crédito e débito também geram receita para os bancos, que ganham um percentual a cada compra passada na maquininha

20) Criar ambiente competitivo para fintechs
Bancos defendem regulamentação simplificada para novas empresas do setor, contanto que a legislação não sirva para criar arbitragem regulatória (quando as regras distorcem a igualdade de competições no mercado)
- Banco Central já criou regulações específicas para enquadrar fintechs

21) Resolver subsídio cruzado no mercado de crédito (a medida que cabe aos bancos)
Bancos dizem que juros do rotativo são caros porque financiam quem usa o cartão como meio de pagamento. A criação do crediário com juros pelos bancos ajudaria reduzir esse subsídio

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