Indústria volta a crescer, mas analistas se questionam se fôlego é temporário

Produção do setor tem primeiro avanço significativo após cinco trimestres de fraqueza

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São Paulo

Os dados do PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre de 2019 mostraram que a indústria brasileira voltou a crescer, depois de um período recessivo que se estendia desde o início de 2018.

A dúvida, segundo especialistas, é se o número representa saída definitiva da fase de contração —o que seria muito positivo para a economia— ou um fôlego temporário.

“A roda está girando de novo, a questão é se esse processo terá continuidade”, diz Rafael Cagnin, economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).

A produção somada dos segmentos de transformação de matérias-primas, extração de minerais, construção e eletricidade se expandiu 0,7% entre abril e junho, em relação ao primeiro trimestre deste ano.

Foi a primeira alta significativa após cinco trimestres de muita fraqueza, dos quais quatro tinham registrado contração da atividade industrial.

O crescimento no segundo trimestre —puxado pela indústria de transformação e pela construção— está longe de reverter a queda de 12,5% que o setor como um todo ainda carrega em relação a seu pico de produção recente, no terceiro trimestre de 2013.

Mas, somado a outros fatores, o resultado indica que o setor pode ter, pelo menos, estancado a sangria dos trimestres anteriores.

Um estudo novo feito pelo Iedi também aponta nessa direção. Segundo a análise, os setores da indústria de transformação de maior intensidade tecnológica melhoraram seu desempenho no segundo trimestre deste ano. A pesquisa segue uma metodologia desenvolvida pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

No caso da indústria de alta tecnologia —que inclui segmentos como o farmacêutico e o de equipamentos de informática—, a produção ficou estável em relação ao mesmo período de 2018.

Segundo Cagnin, essa estabilidade é positiva porque sucede dois trimestres consecutivos de queda, sendo que a última delas havia sido de 12,5%, entre janeiro e março deste ano.

Nos setores da indústria de tecnologia entre média e alta —como o automobilístico e o de equipamentos eletrônicos—, houve expansão de 5,3% no segundo trimestre, também em comparação ao mesmo período de 2018.

Cagnin ressalta que, em parte, o desempenho positivo recente da indústria de transformação se deve à paralisação dos caminhoneiros, em maio de 2018, que puxou a produção daquele período para baixo. Por um efeito estatístico, a base de comparação favorecia, portanto, resultados mais positivos no segundo trimestre deste ano.

Mas, para o analista, há outras mudanças em curso que podem estar por trás dos números recentes:
“A situação da indústria ainda inspira preocupação, mas o quadro já não é mais tão ruim quanto o do primeiro trimestre”, afirmou.

“Um fator que pode estar contribuindo para certa reação é o redimensionamento da produção para o nível de menor demanda na economia”, afirma o economista.

Ou seja, haveria se esgotado a necessidade de cortes de produção, levando à estabilidade ou a pequenos crescimentos do setor.

“A demanda ainda é fraca, mas pelo menos, nesse cenário, a produção estaria em patamar mais adequado.”

A queda de juros, na opinião do economista, também pode estar levando a um movimento ainda tímido de compra de bens, como carros e eletrodomésticos.

“A população de renda mais alta pode estar conseguindo recompor sua cesta de produtos duráveis, que sofrem depreciação e ficam defasados com o tempo.”

Com a renda ainda muito comprimida e enfrentando níveis altos de desemprego, os brasileiros de menor poder aquisitivo ainda demonstram cautela em consumir, inclusive produtos mais básicos.

Segundo Cagnin, isso explica o crescimento ainda tímido do segmento de baixa tecnologia, que inclui roupas e alimentos. A produção desse setor cresceu 2% no segundo trimestre em relação a abril e junho de 2018, após quatro quedas consecutivas.

Já a área que se situa entre a média e a baixa tecnologia, como borracha e minerais, registrou contração de 0,4%. Isso pode estar relacionado à fraqueza dos investimentos, que, embora tenham crescido no segundo trimestre, ainda se encontram em patamar historicamente baixo.

Paulo Morceiro, pesquisador do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (Nereus), afirma que a taxa de investimento como proporção do PIB de 15,9% no Brasil continua muito abaixo da média mundial de aproximadamente 25%.“Uma retomada mais vigorosa do investimento é fundamental, porque ele gera efeitos em cascata, que impulsionam o consumo e beneficiam setores cruciais, como a indústria”, diz.

Ele ressalta que, sem um ciclo mais forte de investimentos, dificilmente o país dará saltos importantes em inovação e desenvolvimento tecnológico.

Cagnin concorda com o diagnóstico. Para os dois economistas, no cenário de desemprego elevado e capacidade ociosa ainda alta nas fábricas, dificilmente o investimento privado reagirá sozinho: “Historicamente, é o investimento público que puxa o privado”, diz Morceiro, que defende a retomada de projetos com investimentos públicos em infraestrutura.

Mas essa análise não é consensual. O economista Luka Barbosa, do Itaú Unibanco, não vê, por exemplo, espaço para estímulo fiscal.

“A relação entre dívida e PIB no Brasil continua altíssima. A solução de investimentos públicos foi testada no passado, com efeitos muito negativos.”

Segundo ele, qualquer medida nessa direção pode acender o sinal vermelho em relação ao ajuste das contas públicas, levando a um aumento da percepção de risco em relação ao Brasil e, consequentemente, a outros efeitos negativos, como depreciação do câmbio e necessidade de elevação dos juros.

Barbosa concorda que os investimentos continuam em patamar muito baixo, mas acredita que a solução é o governo acelerar o processo de concessões de investimentos à iniciativa privada.

Sem uma retomada mais vigorosa dos investimentos em infraestrutura, a economia tende a continuar crescendo lentamente.

Esse cenário, segundo analistas, pode se tornar ainda mais complicado no atual contexto de deterioração do crescimento global e crise na Argentina.

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