Protecionismo kirchnerista afetará comércio com Brasil, dizem especialistas

Analistas de comércio exterior temem também trava em negociação de novos acordos comerciais

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São Paulo

A volta de um governo peronista na Argentina não é boa notícia para as exportações brasileiras ao país, segundo especialistas em comércio exterior.

Na noite desta segunda-feira (12), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não vai cortar relações com os argentinos, mesmo com a eventual vitória dos kirchneristas. 

"A gente vai ver como é que fica a situação [entre os dois países]. Ninguém quer... Eu [não quero] romper unilateralmente [a relação]. Mas ele mesmo, o candidato [Alberto Fernández], cujo partido ganhou as prévias, falou que quer rever o Mercosul. O primeiro sinalizador é que vai ser uma situação bastante conflituosa", disse Bolsonaro.

Os analistas, no entanto, não veem um cenário promissor pela frente.

"A experiência do Brasil com governos peronistas nunca foi muito boa. Apesar da proximidade política, na parte comercial, eles sempre foram muito protecionistas", disse Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior (2007-2011) nos governos Lula e Dilma.

Nas primárias presidenciais argentinas, realizadas no domingo (11), a chapa de oposição liderada por Alberto Fernández, que tem a ex-mandatária Cristina Kirchner como vice, venceu com larga vantagem.
O cenário derrubou a Bolsa argentina, que despencou 37,35% nesta segunda-feira, e o peso, que desvalorizou 17%.

A preocupação com o retorno de um governo peronista estaria na volta também de medidas populistas, segundo Barral, que afirmou ter vivido um período difícil com os argentinos quando estava na Secretaria de Comércio Exterior.

 

"Eles acabam adotando medidas populistas de proteção do mercado interno que atrapalham muito a evolução do comércio intra-Mercosul." 

A luz vermelha acendeu para setores brasileiros que têm a Argentina como um principal destino de seus produtos.

Para Heitor Klein, diretor-executivo da Abicalçados (associação do setor calçadista), o cenário, já ruim, deve piorar.

"Tivemos um primeiro semestre em 2018 muito bom, mas o segundo semestre foi péssimo, com queda de demanda e dificuldade de pagamento [dos distribuidores], e isso continua até hoje", disse.

"No início, ele [Macri] teve uma posição conservadora, mas depois fez com que tivéssemos um crescimento. Isso trazia uma expectativa de continuidade. Portanto, se as eleições confirmarem o que a prévia mostrou, do nosso ponto de vista é um retrocesso."

Para o presidente da Aprosoja (associação dos produtores de soja e milho), Bartolomeu Braz, o Brasil até pode ser impactado com um governo protecionista, mas quem sofre mais são os argentinos.

"Eles [Kirchner] tiram a competitividade dos produtores argentinos", afirmou.

Na avaliação do professor de economia da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) Fernando Botelho, o problema não está só no fato de a Argentina voltar a ser protecionista, mas também no de passar por uma recessão.

"É um governo de esquerda que vai pegar uma economia muito fragilizada. Se ele [Alberto] levar à frente as promessas de campanha, ele vai agravar a situação, e a Argentina vai entrar em colapso."

A situação no país vizinho começou a piorar no ano passado após o aumento da taxa de juros nos EUA e o início da guerra comercial entre Donald Trump e Xi Jinping.

Ao ver a economia ruir, Macri foi obrigado a pedir socorro ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e fazer um congelamento de preços. Hoje a inflação está em alta, e a economia deve registrar o segundo ano seguido de contração.

"Se o mercado para onde vendemos produtos como carros e linha branca entrar em colapso, nós vamos deixar de exportar naturalmente", afirmou Botelho.

Outro ponto que pode trazer polêmica na questão comercial é a diferença ideológica entre os governos. Para o professor de economia, a tendência é que, com essas mudanças, o Brasil chegue até a optar pela saída do bloco com os países vizinhos.

"Vai ser a sentença de morte do Mercosul. A tendência é o Brasil buscar uma política comercial independente."

Na mesma linha, a diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento) Sandra Rios considerou que a boa relação entre Macri e Bolsonaro reforça a dificuldade de uma parceria com os kirchneristas.

"Vai ser uma relação mais difícil porque são governos de orientações políticas distintas. O governo brasileiro manifestou claramente seu apoio à reeleição do Macri e fez certas críticas a gestão Kirchner, então o ambiente político não será dos melhores."

Embora Rios tenha afirmado que Cristina Kirchner tentou avançar no acordo Mercosul-União Europeia, ela disse que a resolução fechada em junho dificilmente teria ocorrido em um governo peronista.
"Uma coisa é mostrar interesse. Outra coisa é fazer concessões suficientes para que o acordo possa ser assinado." 

 

Rios disse também não ver preocupação em uma rescisão do acordo com os europeus.

"O risco maior é o de não aprovação no Parlamento dos países europeus, e não aqui no Mercosul."

Mesmo que haja algum entrave com a Argentina na resolução com a UE, os brasileiros não devem ser afetados, segundo Barral. Ele lembra que os países agora independem uns dos outros para colocar o pacto em vigor.

"Cada país do Mercosul vai ratificar individualmente. O fato de a ratificação atrasar na Argentina, a princípio, não vai atrapalha o Brasil."

De acordo com o ex-ministro, o maior entrave estaria no acerto de novos acordos, como aquele discutido com os americanos.

"Com europeus não vejo problema, mas com todo o resto eu vejo. Porque hoje a regra é que o Mercosul negocie em conjunto. Então o Brasil dependeria da Argentina para fazer uma proposta."

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