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Criminalizar não pagamento de ICMS abre margem à perseguição de empresários

Não há dúvidas de que a criminalização do calote de impostos rebaixará o país ainda mais em ranking do Banco Mundial

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Ariane Guimarães

O STF (Supremo Tribunal Federal) está na iminência de criminalizar o não pagamento de imposto destacado em nota fiscal. As consequências são inúmeras e as mais preocupantes são o encarceramento e, em alguns casos, até a morte da galinha dos ovos de ouro.

A Corte criminalizou o “devedor contumaz” e, assim, não se considerará crime a mera inadimplência. As autoridades terão de comprovar a inadimplência reiterada; venda de produtos abaixo do preço de custo; criação de obstáculos ao fisco; utilização de laranjas; encerramento irregular com abertura de outras empresas.

Essa ressalva não traz segurança jurídica para o mercado, mas, ao contrário, produz uma série de incertezas e provoca inúmeras inquietações, pois da forma que está, a decisão dá sinal verde para a instauração de milhares de inquéritos policiais contra empresários que tenham declarado, e não quitado, seus impostos.

O “custo Brasil” já é elevadíssimo e quem afirma é o Banco Mundial. De acordo com o relatório Doing Business 2020, o Brasil caiu para o 124° no ranking dos países no mundo. A queda de posição se deve à burocracia e ao cenário de pagamento de impostos. Não há dúvidas de que a criminalização do não pagamento de impostos rebaixará, ainda mais, o Brasil.

Cédulas de real
Cédulas de real - Gabriel Cabral - 27.fev.2019/Folhapress

Outro ponto é a morosidade do sistema investigatório e ju dicial brasileiro. O STF não impediu, expressamente, que inquéritos e ações penais sejam propostos sem provas. Ou, se fez, isso não está claro. Significa dizer que os empresários poderão sofrer persecução penal sem provas da prática de ilícito, ficando expostos e vulneráveis a procedimentos investigatórios. Só aquele que já respondeu a um inquérito policial ou a uma ação penal sabe da angústia diária dessa circunstância. Considerando o tempo de duração dessas ações, pergunta-se: quem irá arcar com os custos de defesa do procedimento penal durante o seu curso, mesmo que resulte em absolvição ou ausência de elementos para oferecimento de denúncia?

O STF também tolhe o direito de questionamento administrativo ou de acesso ao judiciário quanto a tributos. A existência de inquérito ou ação penal fará, no trade-off, com que o empresário, mesmo inocente (inadimplente eventual, por exemplo) ou que discuta a legitimidade de uma regra tributária, seja forçado ao pagamento do tributo, mesmo indevido, para preservar sua liberdade. Não se esqueça que é mais do que comum o contribuinte aguardar anos por definições dos Tribunais Superiores sobre exigência de tributos, sendo que não são poucas as vezes em que há ganho de causa aos contribuintes.

Além disso, criminalizar o não recolhimento de imposto declarado quando houver venda abaixo do preço de custo de aquisição, é interferir na condução normal nos negócios. É muito comum, no comércio, por exemplo, a liquidação das mercadorias, seja pela falta de demanda, seja pelo produto “fora de moda”. A conhecida “Black Friday” é o melhor exemplo desta prática. O STF vai, mesmo, criminalizar no Brasil, uma prática mundial do mercado de varejo?

A preocupação da Corte em apenar o sonegador contumaz, que claramente é mau empresário é louvável. No entanto, esta diretriz poderá impactar a economia e a livre concorrência, pois pode provocar duas situações: o devedor contumaz buscará, certamente, outros meios de burlar o fisco e abandonará a formalidade e, por outro lado, o ético e pequeno empresário, que não migrará para a informalidade, deixará de empreender na iniciativa privada e somará o banco dos desempregados. Se estiver discutindo tributos judicialmente, o que é legítimo, e estiver temporariamente sem causa de suspensão da exigibilidade, não poderá fazer liquidação de produtos encalhados, para não correr risco de perder sua liberdade?
 
A criminalização do devedor estratégico e contumaz deveria ser discutida no Parlamento. E é verdade que esta deliberação já começou, como, por exemplo, na Câmara o PL 1.646/2019, que define quem é este devedor.

Se, mesmo assim, o STF insistir na criação de um tipo penal pela via judicial, deverá, obrigatoriamente, deixar claro os critérios mínimos para instauração do inquérito; caso procedimentos sejam instaurados sem embasamento, responsabilizar agentes públicos de acordo com a Lei do Abuso de Autoridade e criminalizar a autoridade fiscal que cobrar tributo indevido, considerando tratamento simétrico entre contribuinte e autoridade fiscal.

Ainda há tempo para ajustes da decisão! Que a prudência e a coerência pairem sobre a Suprema Corte, evitando mais desincentivos ao ambiente de negócios, ou seja, o encarceramento e a morte da galinha dos ovos de ouro!

Ariane Guimarães é sócia do escritório Mattos Filho

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