Descrição de chapéu The New York Times

Desconfiança de passageiros em relação ao 737 MAX aumenta e desafia Boeing

Segundo pesquisa, 40% disseram não voariam no MAX; empresa traça estratégias e se desdobra para reconquistar público

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

David Gelles
The New York Times

Desde que o jato 737 MAX da Boeing foi proibido de voar, em março, depois que dois acidentes com ele mataram 346 pessoas, surgiu uma pergunta para a empresa: os passageiros teriam medo de viajar nesse modelo de avião quando ele voltar a voar?

Embora a Boeing continue trabalhando em reparos técnicos no avião, necessários para a aprovação regulatória, a companhia pesquisou repetidamente milhares de passageiros em todo o mundo para tentar descobrir a resposta. Segundo os últimos resultados, deste mês, 40% dos passageiros regulares disseram que não estariam dispostos a voar no MAX.

Assim, em uma série de teleconferências com companhias aéreas e em 40 páginas de materiais de apresentação que foram examinados pelo The New York Times, a Boeing estabeleceu estratégias para ajudar as companhias aéreas a reconquistar a confiança do público e convencer os passageiros de que o avião mais popular da empresa é seguro.

Aviões enfileirados em pátio
Impedidos de serem entregues às companhias aéreas, aviões 737 Max são estocados em pátio da Boeing em Seattle, no oeste dos EUA - Gary He/Reuters

Por exemplo, se um viajante não quiser voar depois de comprar uma passagem, ao chegar ao portão de embarque ou mesmo após embarcar no avião, a Boeing diz que a companhia aérea poderia lhe oferecer para remarcar o voo, fazer comissários de bordo ou pilotos conversarem com o passageiro, ou distribuir material impresso informando em detalhe por que o MAX é seguro.

"Toda interação com um passageiro nervoso, seja pessoalmente ou online, é uma oportunidade para demonstrar nosso cuidado e preocupação", afirma a apresentação. "Isso é tão simples quanto reconhecer o estado de espírito do passageiro. Pesquisas mostram que as emoções conduzem a tomada de decisões; portanto, uma conexão humana será mais eficaz do que apelos racionais."

Nos casos mais extremos, a Boeing sugere usar "técnicas relacionadas a uma emergência médica em voo para reduzir a tensão".

Os apelos e os documentos destacam os enormes desafios que a Boeing enfrentará nos próximos meses, tentando restaurar sua reputação. O MAX permanece em solo e não há cronograma para quando os reguladores consideram seguro que retorne a voar. Apenas na última semana e meia, a Boeing demitiu seu presidente e disse que fecharia temporariamente a fábrica que produz o MAX.

A Boeing consultou milhares de viajantes em todo o mundo quatro vezes desde maio e descobriu que a desconfiança em torno do MAX havia diminuído apenas ligeiramente. Entre os viajantes nos Estados Unidos, só 52% disseram que aceitariam voar no avião, de acordo com a pesquisa.

"A consciência geral sobre os problemas em torno do 737 MAX permanece muito alta em todos os países", escreveu a Boeing.

As teleconferências, que duraram cerca de 30 minutos cada e foram realizadas durante três dias na semana passada, fazem parte das tentativas da Boeing de reconquistar a confiança das companhias aéreas, que perderam bilhões de dólares e tiveram que cancelar milhares de voos por causa da suspensão do MAX. O esforço foi liderado por Bernard Choi, membro da equipe de comunicação da empresa.

Alguns executivos de companhias aéreas americanas se irritaram com a apresentação e os materiais, segundo quatro pessoas familiarizadas com o assunto, opinando que a Boeing perdeu credibilidade e que o envolvimento da empresa só prejudicaria seus esforços para reconquistar a confiança dos passageiros.

Mas dezenas de companhias aéreas de todo o mundo encomendaram o MAX, e muitas delas, especialmente as menores, poderão achar os materiais úteis.

"Nós nos envolvemos habitualmente com as equipes de comunicação com clientes das companhias aéreas para obter feedback e informá-los sobre nossos planos mais recentes", disse Gordon Johndroe, porta-voz da Boeing, em comunicado divulgado na segunda-feira (23). "Cada companhia aérea tem necessidades diferentes, por isso fornecemos uma ampla gama de documentos e assistência que eles podem optar por usar ou adaptar conforme entenderem."

A Boeing vacilou bastante em sua reação pública aos acidentes. O ex-presidente da empresa, Dennis A. Muilenburg, que foi demitido na segunda (23), fez várias projeções otimistas sobre quando o MAX poderia voltar ao serviço, incomodando reguladores e companhias aéreas. Ele atraiu a ira dos legisladores nas audiências do Congresso, onde as famílias das vítimas de acidentes estremeceram ao ouvir seu nome. A contratação das principais firmas de comunicação de crises, Sard Verbinnen e Edelman, pouco ajudou a melhorar a reputação da empresa.

Montagem mostra o futuro presidente da Boeing, David Calhoun (esq.) e o demitido Muilenburg (dir.)
Montagem mostra o novo presidente da Boeing, David Calhoun (esq.) e o demitido Muilenburg - Toru Yamanaka - 14.fev.2004 - Olivier Douliery - 30.out.2019/AFP

Na segunda-feira, a Boeing disse que Niel Golightly, diretor de comunicações da Fiat Chrysler Automobiles e ex-piloto de caça da Marinha, será seu chefe de comunicações no próximo ano.

Durante sua apresentação às companhias aéreas, a empresa também distribuiu um conjunto de infográficos, cartões de referência, vídeos e listas de perguntas frequentes.

Um dos vídeos foi uma explicação animada do novo software do MAX, chamado MCAS, que tinha o objetivo de tornar o avião mais previsível, mas teve um papel nos dois acidentes.

No vídeo, com marca d'água "Rascunho - Cópia avançada, certificação pendente", um narrador explica que, nos acidentes, o MCAS foi ativado repetidamente depois que um sensor na fuselagem do avião não funcionou corretamente, causando sua queda. O vídeo continua explicando as mudanças que a Boeing está fazendo no MCAS.

"A vida depende do trabalho que fazemos", diz Jim Webb, principal piloto comercial da Boeing, em outro vídeo. "Sabemos que quando você entra a bordo, deposita sua confiança em nós."

Às vezes, o material é surpreendentemente autocrítico. Em um rascunho do memorando que a Boeing preparou para as companhias aéreas distribuírem a funcionários, como comissários de bordo, a empresa sugere que as companhias aéreas digam: "A Boeing entende que ficou aquém e nos decepcionou, assim como aos passageiros, e se comprometeu com a melhora e o aprendizado contínuos".

Em outro memorando, a Boeing diz que as companhias aéreas podem dizer aos seus pilotos o seguinte: "Dissemos aos nossos parceiros da Boeing que eles não se comunicaram o suficiente sobre o MCAS --e eles nos ouviram. No futuro, se comprometem a fazer um trabalho melhor ao comunicar-se conosco".

A Boeing só informou totalmente aos pilotos sobre como o MCAS funcionava depois do primeiro acidente, na costa da Indonésia, em outubro de 2018.

 

Os materiais também mostram que a Boeing tentará reduzir a narrativa de que o MAX foi desenvolvido sob intensa pressão de prazo, enquanto a empresa enfrentava a concorrência acirrada de sua rival europeia, Airbus.

No rascunho de um documento de perguntas frequentes, destinado a ajudar as companhias aéreas a se comunicar com seus funcionários, a Boeing incluiu a pergunta: "É verdade que o 737 MAX foi posto em serviço às pressas?"

A Boeing sugere que as companhias aéreas respondam da seguinte maneira: "Não. Durante um período de seis anos, a Boeing passou por um processo disciplinado de desenvolvimento metódico que culminou com um programa de testes robusto que validou a segurança e o desempenho da aeronave".

Em uma parte da apresentação enfocada em redes sociais e marketing, a empresa disse que planejava "ampliar qualquer história positiva relatada" e que pretendia publicar anúncios para promover o retorno do avião à operação.

Ela afirmou que um site da empresa dedicado a atualizações do MAX está sendo projetado com "usabilidade aprimorada" e "aderência" para "incentivar mais tempo passado no site e visitas repetidas", frases comumente usadas nos negócios de comunicações.

A apresentação dizia que a "equipe digital e de mídia da Boeing" estaria "monitorando as conversas sociais 24 horas por dia".

A empresa também indicou que está preparando respostas no caso de um MAX ter dificuldade após o reinício do serviço, o que pode acontecer, pois mais de 500 já foram construídos e cerca de 5.000 foram encomendados.

As situações para as quais a Boeing estava se preparando incluem falhas no motor e fumaça na cabine e eventos "significativos" em voos da Lion Air ou da Ethiopian Airlines, que operavam os dois aviões que caíram.

Na apresentação, a Boeing promoveu sua capacidade de convencer analistas do setor e alguns pilotos a fazer declarações públicas animadoras sobre a empresa. Ela identificou dezenas de feiras aeroespaciais em 2020, nas quais pretende defender seu caso.

E prometeu trabalhar com as companhias aéreas durante os primeiros voos para aumentar a confiança do consumidor, incluindo a possibilidade de colocar executivos da Boeing a bordo.

"Sabemos que temos trabalho a fazer para restaurar a confiança na Boeing e no MAX", disse Johndroe.

"Estamos trabalhando em estreita colaboração com as companhias aéreas, seus pilotos e comissários de bordo para garantir que eles tenham as informações necessárias para fornecer ao público para garantir que, assim que o processo de certificação esteja concluído, o MAX seja um dos aviões mais seguros em operação atualmente."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.