Pesquisa aponta 62,6% das cidades brasileiras como 'desertos de notícias'

Coordenador prevê 'quadro aterrador' de desinformação nas eleições municipais do ano que vem

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São Paulo

O Atlas da Notícia, levantamento anual de jornalismo local no país, afirma que 3.487 municípios brasileiros, 62,6% do total, são hoje "desertos de notícias".

Não têm um veículo sequer, seja jornal, site ou emissora de rádio e TV com programação propriamente jornalística. A cobertura que seus moradores recebem se restringe ao noticiário dos órgãos nacionais, sem foco no que faz o poder público local —que passa por eleição no ano que vem.

Outros 1.074, 19,2%, são o que a pesquisa chama de "quase desertos", com no máximo dois veículos.

Financiado pelo Facebook, o Atlas da Notícia é realizado pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) em parceira com Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) e 22 escolas de jornalismo.

Ao todo, o levantamento contou 11.833 veículos no país, inclusive os maiores jornais —os 90 integrantes da ANJ (Associação Nacional de Jornais), 50 deles auditados pelo IVC Brasil (Instituto Verificador de Comunicação).

Banca de jornal na região central de São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

Apesar de estar na terceira edição, os números de 2019 não podem ser comparados com os anteriores devido a mudanças de amostra e designação do que é noticioso. Foram retiradas do levantamento, por exemplo, as emissoras vinculadas a prefeituras, consideradas não jornalísticas.

"A partir deste ano, para a frente, todos os dados vão começar a ser comparáveis, porque a gente unificou a plataforma e estabilizou a metodologia", diz Sérgio Spagnuolo, editor da agência de jornalismo de dados Volt Data Lab, responsável por pesquisa, análise e mapeamento do novo Atlas.

O levantamento também identificou o fechamento de 331 veículos, 195 deles impressos, mas sublinha que não foi possível confirmar as datas —alguns deles teriam parado de circular há mais de uma década.

"As pessoas desapareceram, a gente não encontra mais registro nenhum", diz Sérgio Lüdtke, coordenador nacional dos 193 colaboradores voluntários do Atlas, estudantes de jornalismo distribuídos pelas cinco regiões do país.

Para Lüdtke, que é também editor-chefe do Projeto Comprova, coalizão de veículos brasileiros para checagem de notícias, inclusive a Folha, o levantamento apresenta um "quadro aterrador para 2020", ano de campanha para prefeituras e câmaras municipais.

 

"Os grupos vão bombardear", prevê. "Já na eleição presidencial, mais gente usou Facebook e WhatsApp do que votou."

O analista e consultor americano Ken Doctor, especialista em jornalismo local do Nieman Lab (Harvard), também teme pela eleição brasileira, dizendo que "as forças da desinformação entendem muito bem que as crateras abertas na imprensa ampliam suas oportunidades de estrago".

"O jornalismo, a reportagem factual produzida em escala e pela qual os leitores pagam, é o único antídoto", diz.

Ele comenta que os "quase desertos" apontados pelo Atlas indicam a reprodução de um fenômeno observado nos EUA: "jornais fantasmas", veículos locais que sobrevivem, mas reproduzindo noticiário de agências nacionais e internacionais e "quase esterilizados de informação da cidade".

Os três, Spagnuolo, Lüdtke e Doctor, apontam o estímulo ao jornalismo sem fins lucrativos como um dos caminhos para reanimar uma cobertura que "fiscalize o poder local". Mas acrescentam que há obstáculos, como a falta de tradição filantrópica no Brasil.

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