Barreira tributária limita gim artesanal a estados de origem

Bebida conquista paladar do brasileiro, mas ICMS trava expansão de marcas

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São Paulo

De remédio caseiro misturado com zimbro para a peste negra, no século 11, para os balcões de coquetelarias e copos de plásticos carregados de gelo, limão ou pepino em bares, o gim se consolidou como bebida brasileira nos últimos anos e destronou a vodca no quesito popularidade.

O Brasil seguiu um fluxo tardio da bebida à base de zimbro, que voltou ao radar da coquetelaria na Espanha em meados dos anos 2000. Por lá, pequenas produções artesanais do destilado começaram a proliferar, e sua versatilidade para coquetéis fez sucesso no calor europeu. 

“Eles começaram a usar a base de gim clássica com botânicos locais”, diz Alexandre Mazza, sócio da Amázzoni, uma das primeiras destilarias de gim artesanal brasileiro.

Segundo o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), 2017 foi o ápice de destilarias autorizadas para produção da bebida, incluindo alambiques que produziam outros destilados.

Ao todo, foram 23 autorizações expedidas pelo ministério. Já em 2018, o número caiu para 13. Hoje, são 70 destilarias em funcionamento, sendo o estado de São Paulo o maior produtor do país.

A composição básica do gim é álcool neutro e zimbro —adicionar outros botânicos como coentro, louro ou até maxixe fica por conta de quem faz a receita. O uso de álcool neutro na fórmula facilita a produção da bebida, e muitas cachaçarias investiram na produção para aumentar a renda. Em dezembro, a marca de vinhos Salton lançou sua versão.

“O brasileiro começou a viajar mais, dando início a esse boom de gim-tônica. É até mais fácil de fazer do que uma caipirinha, é refrescante, e aqui é calor quase o ano inteiro”, diz Mazza.

“O gim sempre esteve aí, mas há anos as garrafas apodreciam na prateleira. O público gosta de descobrir coisa nova, houve refinamento no paladar, e também temos hoje a ideia de ‘influenciar’, compartilhar aquilo que está consumindo”, diz Tony Harion, embaixador da marca Bacardi no Brasil. 

Na esteira do maior poder de consumo, o gosto do brasileiro mudou. Os anos 1990 foram marcados pelas batidas com leite condensado e pouca oferta de bebidas importadas. Já em 2000 chegaram os clássicos como martíni e drinques que tinham como base a vodca, diz Harion.

A partir de 2005, bares e coquetelarias começaram a pipocar em cidades como São Paulo e Rio. “O que houve foi um gosto pelo premium, unido a curiosidade de bartenders que queriam fazer drinques com mais qualidade e empreendedores interessados no setor”, diz. “E é claro que existe um recorte social aqui.”

A Amázzoni, que tem como fundadores o italiano Arturo Isola e Mazza, foi uma das primeiras destilarias que apostaram na produção apenas de gim. “Começamos a produzir em 2015 e só lançamos em 2017. Nossa ideia era vender 3.000 garrafas no primeiro ano e acabamos vendendo 50 mil”, diz Isola. A receita da marca conquistou o prêmio de melhor gim artesanal em 2018 no World Gin Awards, uma espécie de Oscar do destilado.

Os impostos estaduais, como o ICMS, são uma barreira para que produtores consigam colocar suas garrafas em prateleiras de outros estados. 

“Poucos produtores conseguem sair dos estados devido aos impostos, o que acaba fazendo do gim brasileiro algo de consumo local, bem semelhante ao que aconteceu com as cervejas artesanais. Existe o gim de Curitiba, o de Belo Horizonte, e eles não conseguem sair de lá”, diz Mazza. Hoje, a destilaria consegue mandar o produto para 13 estados.

Cada estado é responsável por delimitar o valor do imposto, que é o resultado do preço do produto multiplicado pela alíquota do estado de origem. No caso de bebidas e cigarros, a taxa pode ser superior comparada a outros produtos, o que pode deixar o produto até 70% mais caro dependendo do estado.

“No Brasil temos um preço que compete com os industriais importados. Mas, na Europa, nosso gim custa € 37 (R$ 170), assim como os artesanais de lá. Aqui é o inverso em razão de posicionamento da marca, senão ninguém compraria”, diz Mazza. O preço do gim industrial importado no país parte de R$ 100. Já o Amázzoni custa R$ 120.

Marcas buscam tirar ar ‘botequeiro’ de cachaça

Acompanhando o ritmo de crescimento do gim, a cachaça mira o mercado nacional e internacional, tentando tirar o estigma de bebida de boteco rumo à premiunização.

“O brasileiro sempre consumiu muita cachaça em versão ‘standard’, mais barata. O que vemos agora é o aumento de cachaças com maior valor agregado”, diz Felipe Jannuzzi, criador do Mapa da Cachaça e produtor do gim Virga.

Para o especialista, isso se deve a um investimento maior das marcas na produção da bebida e ao cuidado com o produto final. “As marcas estão investindo mais em qualidade e marketing, com um rótulo bonito e uma identidade”, diz.

É caso da 51, uma das cachaças mais populares. Mirando o mercado premium, a marca apostou em rótulos envelhecidos, e em 2017 e 2018 ganhou prêmios do Instituto Internacional de Sabor e Qualidade (iTQi), de Bruxelas.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que foi publicado anteriormente, o gim era usado com zimbro para a peste negra, no século 11, e não com quinino. O texto foi corrigido.

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