Descrição de chapéu

Podemos produzir vinhos a qualquer custo, mas devemos?

Mesmo com boa intenção, clima tropical é o mais difícil para as videiras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alexandra Corvo
São Paulo

A vontade de produzir vinhos no Brasil parte de uma boa intenção, mas não poderia existir clima mais difícil para uma Vitis vinífera crescer do que o tropical. A planta se desenvolveu especificamente na Europa, no clima de estações bem definidas, principalmente inverno e verão.

Por ser perene, pode durar anos. Uma planta saudável dura em torno de 50 a 70 anos. E para que tenha vida saudável, as estações devem ser definidas –com um descanso de inverno de cerca de 60 dias de temperaturas constantes abaixo de 10 graus, escreve Robert Weaver em "Grape Growing".

É o momento de dormência, para que a brotação seja regular. Na primavera folhas brotarão e cachos se formarão –o clima deve ser suave. No verão, para que os cachos amadureçam bem, a vinha precisará de 3 meses de muita luz, calor, sol e tempo seco.

Estes fatores farão com que no final do verão as uvas tenham concentrado açúcares, matéria colorante e aromas e equilibrado o excesso de acidez.

No Brasil, nem o verão nem o inverno são assim. O calor úmido constante faz com que a vinha brote sem parar e irregularmente. Há métodos para coordenar esse crescimento desenfreado, mas são trabalhosos e potencialmente danosos para a saúde da vinha no longo prazo, explicam Glen e Leroy Creasy em seu livro "Grapes".

Plantação de uva da vinícola Maria Maria, em Boa Esperança (MG) - Eduardo Anizelli/Folhapress

Na serra da Mantiqueira o inverno é seco, morninho e ensolarado, parecendo (para a vinha) um verão fresco cheio de luz. É assim que os produtores dão uma "enganadinha" na planta –eles colhem os frutos produzidos no inverno. Mas há um porém: a dormência natural não ocorre. A planta não descansa, pois não há frio suficiente, e raramente há uma primavera fresca e sem fungos. Não há ciclo.

Colherão no inverno e farão vinhos. E serão bons. Mas e a planta, suas necessidades orgânicas, a construção saudável de suas partes lenhosas, reservas e açúcares que produzirão qualidade e estabilidade no vinhedo ao longo de décadas?

É conhecida a consistência na qualidade de uvas que vêm de vinhas velhas, que produzem menos e melhor. Essas plantas ali talvez não atinjam essa velhice saudável.

Vinho não é álcool. Não precisamos de tanto e a qualquer custo. O vinho verdadeiro vem da mais harmônica e respeitosa interação do ser humano com a natureza.

Uva não é soja. Dizer "boa safra" para uvas não significa produzir toneladas, mas sim ter um clima generoso em cada estação, bem marcada, com descanso, brotação, frutificação e, depois, mais repouso.

Não estamos todos em um momento de resgate do nativo? Não queremos uma boa agricultura, orgânica, de pequenos artesãos que respeitam o que cultivam? Por que com o vinho seria diferente?

Por melhor que o vinho seja, "o campo não é uma usina, as plantas e os animais não são robôs", afirmam os maiores experts em biologia dos solos, Lydia e Claude Bourguignon, em " Le sol, la terre et les champs" (O solo, a terra e os campos).

O futuro da agricultura precisa se basear nesse olhar generoso e amoroso com a natureza das coisas. Podemos buscar a glória das medalhas? Sim. Podemos fazer vinho a qualquer custo? Podemos... mas devemos?

Colunista de vinhos da Bandnews FM, é proprietária e educadora no Ciclo das Vinhas - Escola do Vinho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.