Descrição de chapéu

Olhe os EUA para entender guerra de preço do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita

Manobra busca estrangular produção e empresas do setor de óleo de xisto, e pode comprometer mercado de crédito americano

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Roberto Dumas Damas

O que é mais uma flecha para São Sebastião? Depois da economia global sofrer com o coronavírus, agora se alastrando pela Europa e sem um contingenciamento a lá China, o vírus já toma dimensões mundiais.

Mas como desgraça pouca é bobagem, convém [tentar] explicar o que aconteceu com as bolsas ao redor do mundo, caindo mais de 10% no Brasil, com acionamento de circuit breaker e o câmbio flertando os R$ 4,80.

Na sexta passada (6/3) em uma reunião em Viena  com os principais países da Organização dos Países Produtores de Petróleo e seus aliados (Opep), buscava-se um acordo entre Rússia (não membro da Opep) e Arábia Saudita para cortarem a produção de petróleo, dado o choque de demanda resultado do coronavírus, que jogou o preço do barril lá para baixo.

Para surpresa geral, não apenas a Rússia recusou cortes na produção de petróleo (produção atual de 11mmbd –milhões de barris por dia), como, também, decidiu aumentar, juntamente com a Arábia Saudita (10mmbd). Esta ainda se comprometeu a somar à produção possivelmente em mais 2mmbd e vender a um preço bem mais baixo para refinarias. O estrago estava feito para as petrolíferas.

Mas por que o caos se, intuitivamente, menores preços de petróleo tenderiam a funcionar como um subsídio aos consumidores? Claro, ninguém esperaria dessa reunião um aumento do preço das ações das petrolíferas. Entretanto, por essa queda tão acentuada nas bolsas há o pânico generalizado?

Logo da Aramco, petrolífera estatal, em Riad, na Arábia Saudita - Ahmed Yosri/Reuters

Nitidamente a Rússia busca estrangular a produção de óleo de xisto dos EUA jogando o preço do produto lá embaixo. Enquanto o preço de equilíbrio (break even) do petróleo para a Arábia Saudita se situa entre US$ 20 e US$ 12/barril, a maioria das empresas produtoras de óleo de xisto dos EUA tem um break even de US$ 45/barril.

Ora, se o preço do petróleo continuar assim no médio prazo, várias empresas exploradoras de óleo de xisto norte-americanas passarão por um estresse financeiro, podendo até declarar falência, o que prejudicaria o crescimento econômico dos EUA.

Mas a estória não acaba por aqui. Dos aproximados US$ 13 trilhões de títulos corporativos (corporate bonds) emitidos por empresas norte-americanas, aproximadamente 20% são de empresas exploradoras do óleo de xisto. Com um preço menor, nada mais justo que essas empresas sofram um downgrade em seus ratings de crédito, tornando mais desafiador a rolagem ou o pagamento dessas dívidas.

Se o mercado de capitais, eventualmente, fechar para essas empresas (credit crunch) essas mesmas organizações deverão passar o chapéu junto aos bancos para aliviarem seus problemas de liquidez ou até solvência.

Acontece que quando um banco empresta dinheiro para empresas mais arriscadas, a instituição financeira credora precisará de mais capital para acomodar créditos mais arriscados. Aqui que mora o perigo: De onde esses bancos tomarão mais recursos para adequarem seus níveis de capital, dada uma maior probabilidade de default de seus clientes? 

Ora, do mercado interbancário norte-americano (repo market ou repurchase agreements), que fez com que o FED intervisse quase que diariamente desde setembro de 2019, injetando recursos da ordem de US$ 100 bilhões para enfrentar o problema de liquidez do sistema bancário norte-americano. 

Agora com maior necessidade de capital por parte dos bancos, do que o ano passado, para cobrir novas e prováveis perdas esperadas de empresas de óleo e gás, como será que o FED agirá para evitar um stress de liquidez no mercado?

Os agentes econômicos tem acompanhado o mercado de repôs diariamente receosos de que sem a intervenção do FED as taxas de juros interbancárias poderão atingir seis vezes mais do que as taxas do Federal Reserve FED funds.

De fato, o cenário para o mercado de crédito nos EUA deveria ser a maior preocupação da economia global hoje em dia, além do coronavirus.

Roberto Dumas Damas é professor de economia do Insper

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