Foi unânime a decisão de anunciar que estamos em recessão, diz economista do comitê que data ciclos no Brasil

Recessão que começou no primeiro trimestre deve ser a mais profunda da história

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A decisão de definir o primeiro trimestre de 2020 como início de um novo período de recessão da economia brasileira foi tomada por unanimidade e com base em dados que não mostram nenhuma divergência, de acordo com o professor do Insper Marco Bonomo, um dos oito economistas que fazem parte do Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos).

O comitê, ligado ao Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), divulgou nesta segunda-feira (29) a data do início de uma nova recessão que deverá ser a mais profunda da série histórica iniciada nos anos 1980, embora possa ser curta.

Segundo Bonomo, a economia brasileira já tinha começado o ano em ritmo lento e foi “atingida por um meteoro” em março que colocou imediatamente vários indicadores econômicos em terreno negativo.

“Não houve divergência. Está claro que a gente está em uma recessão”, afirmou em entrevista à Folha. “O impacto foi bem espalhado. Uma recessão cavalar dessas, de alguma forma, facilita nosso trabalho, infelizmente.”

Marco Bonomo, 62 anos. Professor titular de economia do Insper e um dos oito economistas que fazem parte do Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos). Doutor em Economia pela Princeton University e mestre e bacharel em Economia pela PUC-Rio. - Reprodução /Site do economista

Quais foram os dados mais importantes para que o comitê definisse o início de uma nova recessão no primeiro trimestre de 2020, quando os efeitos da pandemia ainda eram mais restritos e havia apenas um trimestre de queda na atividade?

Nos números de março você já vê o reflexo da pandemia. Em janeiro e fevereiro, a recuperação da economia andava meio de lado. Se tivesse tido uma recuperação mais forte naqueles dois meses, o trimestre inteiro não ia ter um resultado ruim assim. O monitor do PIB do Ibre indicou uma queda de 5,1% em março e crescimento de 0,3% em janeiro e 0,2% em fevereiro. Isso compõe uma queda do PIB já expressiva no primeiro trimestre.

Como os dados a partir de abril foram considerados na datação?

Os dados do monitor do PIB indicam uma queda de 9,1% em abril. Se a gente tivesse uma queda do PIB de 1,5% no primeiro trimestre [dado do IBGE], mas não soubesse que no segundo vai dar uma recessão enorme, não estaria datando [a recessão atual]. Como não há a menor dúvida de que vamos ter uma queda expressiva no segundo trimestre, a gente tem confiança para datar essa recessão desde o primeiro trimestre deste ano.

Quais os conceitos utilizados pelo Codace para definir recessão? Vocês destacariam algum dado na recessão atual?

A gente olhou os vários setores da economia, de forma desagregada. A gente olhou também massa salarial, consumo das famílias, formação bruta de capital, mas o cenário era tão claro que todos os indicadores convergiam para a mesma coisa. Dessa vez está muito claro, não há divergência de indicadores. Quando você tem um começo suave de recessão ela é mais difícil de datar. Agora não. Um meteoro bateu aqui em meados de março e causou destruição total. O impacto foi bem espalhado. Uma recessão cavalar dessas, de alguma forma, facilita nosso trabalho, infelizmente.

Houve alguma divergência na análise dos dados atuais pelos membros do comitê?

Não houve divergência. Está claro que a gente está em uma recessão. Para as pessoas que participaram dessa reunião não há a menor dúvida. A gente analisa tudo, inclusive algoritmos de datação, olhando o futuro também, mas a datação se baseia em informações que são robustas e que não dependem de previsões e coisas que ainda não aconteceram. A datação tem um caráter muito menos especulativo do que qualquer projeção.

Qual a magnitude da recessão atual até o momento?

A magnitude é sempre o dado do PIB [divulgado pelo IBGE]. Na hora de definir se tem uma recessão, a gente olha para um conjunto de indicadores da economia como um todo, mas a gente não dita qual é o PIB. Quando a gente coloca algum número, é simplesmente a evolução do PIB. Não é um número que a gente produz. A gente produz as datas.

Qual a perspectiva de duração da recessão atual? E qual seria a magnitude dela em termos históricos?

Nossa tarefa não é prever, é datar o que aconteceu. A recessão de 2008 e 2009 foi a mais profunda, apesar de ser curta [seis meses], com uma média anualizada por trimestre de -10,8% e acumulada de -5,5%. É muito provável que essa recessão agora, em termos de intensidade, mesmo que seja ela curta, seja a mais intensa da nossa história. Deve superar a de 2008 e 2009. A recessão 2014-2016 teve uma queda anualizada média de 3,2% por trimestre, acumulada de 8,6%.

Poderemos ter a recessão mais profunda da história também em termos de queda acumulada, considerando as projeções de retração de PIB em torno de 10% no segundo trimestre?

Sim.

Vocês divulgaram também novos dados sobre a última recessão, a mais longa da série histórica. Houve alguma revisão?

Havia uma dúvida em relação ao mês que ela teria começado. Os indicadores não são tão claros. A gente teve de se debruçar e chegou à conclusão de que março de 2014 foi quando se deu o início daquela recessão. O nosso hábito é primeiro datar primeiro por trimestre. Só agora, por exemplo, a gente fez a datação mensal da recessão de 2014-2016. A gente procura ser cauteloso e datar uma coisa em que haja consenso e com dados bem claros. Essa última, em termos de meses, foi a recessão mais longa que a gente já teve, com 33 meses.

Futuramente, é possível que vocês façam uma datação mensal para determinar em qual mês do primeiro trimestre de 2020 teve início a recessão atual?

A gente certamente vai fazer a datação mensal em algum momento. Mas vamos esperar um pouco mais para fazer isso.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.