Descrição de chapéu
Financial Times

Um miniacordo comercial com o Brasil seria um passo longo demais para Trump?

Presidente dos EUA corre o risco de enfurecer os congressistas democratas, dificultando a aprovação de acordos completos

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Aime Williams
Londres | Financial Times

Olá de Washington, onde os protestos provocados pelo assassinato de George Floyd em Minneapolis continuaram nesta semana —embora a Polícia de Parques dos Estados Unidos tenha dito que as cercas ao redor da Praça Lafayette, em frente à Casa Branca, serão removidas em breve.

Enquanto isso, os legisladores no Capitólio estão discutindo o mais recente estímulo econômico, com os republicanos argumentando que o relatório sobre o emprego melhor do que se esperava indica que a economia americana já está se recuperando.

Nossa reportagem principal hoje é sobre o flerte comercial EUA-Brasil, com pouca cobertura na mídia, que irritou os congressistas democratas na semana passada.

Nossa pessoa no noticiário é Ngozi Okonjo-Iweala, ex-ministro das Finanças da Nigéria e um dos três candidatos oficialmente nomeados para o cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, enquanto a seção Charted Waters analisa a queda nas importações dos EUA.

A ascensão do miniacordo

Donald Trump admira líderes fortes, mas poucos deles admiram tanto Trump quanto Jair Bolsonaro, também conhecido como o "Trump dos Trópicos". Bolsonaro, parte de uma nova onda de líderes conservadores que estão varrendo os presidentes de esquerda da América Latina, não tem medo de elogiar Trump, nem de imitar seu estilo e sua retórica. No ano passado, seu filho Eduardo foi flagrado usando um chapéu "Make Brasil Great Again", em homenagem aos bonés vermelhos "MAGA" de Trump [Make America Great Again].

Não é surpresa, portanto, que, como um pretendente à procura de um acordo comercial, Bolsonaro possa ter feito o suficiente para deixar Trump e seus aliados muito felizes. Mas também não é surpresa que os deputados democratas, fãs de Trump, não estejam interessados em lidar com o governo Bolsonaro.

No final da semana passada, os democratas influentes dedicados a questões comerciais no Capitólio alertaram que não aceitariam nenhum tipo de acordo comercial total com o Brasil, escrevendo ao representante comercial dos EUA Bob Lighthizer para enumerar a série de coisas ruins que Bolsonaro fez.

Os legisladores, todos democratas na Comissão de Formas e Meios da Câmara —que devem aprovar qualquer acordo comercial mais amplo—, citaram a "retórica e as ações repreensíveis" do governo Bolsonaro, incluindo "seu completo desrespeito pelos direitos humanos básicos, a necessidade de proteger a floresta amazônica, os direitos e a dignidade dos trabalhadores e um histórico de práticas econômicas anticompetitivas". Eles acrescentam que não pensam que Bolsonaro aceitaria um acordo semelhante ao obtido pelos democratas no acordo EUA-México-Canadá (USMCA), em que Washington exigiu o reforço dos direitos trabalhistas e das proteções ambientais.

O interessante nessa carta é a linha limite traçada: existem alguns governos com os quais os democratas não negociam. Mas ela também destaca outra tendência —a ascensão do miniacordo. Brasília e Washington, de fato, já estão tendo negociações comerciais, embora discretas e casuais. Em um evento recente em Washington, um diplomata brasileiro disse que os dois lados estão trabalhando em um acordo limitado para incluir comércio digital e práticas regulatórias, a ser concluído até o final do ano. Felizmente, disse Nestor Forster, encarregado de negócios da embaixada brasileira em Washington, um "acordo mais significativo" poderá ser feito "em algum momento no futuro próximo".

Há muita coisa que o governo Trump pode fazer sem ir ao Congresso, especialmente se o objetivo for afagar egos fazendo grande confusão sobre acordos de baixo impacto, que não alteram tarifas ou cotas.

O acordo EUA-China foi um miniacordo, assim como o acordo EUA-Japão, e o EUA-UE, se um dia se concretizar, também será.

O Congresso está cada vez mais insatisfeito com esses miniacordos, vendo-os como mais uma maneira de o governo Trump contornar os legisladores para tomar decisões unilaterais. O Congresso deveria exercer poder sobre o comércio com nações estrangeiras e sobre leis de aumento de impostos. Qualquer acordo que exija nova legislação —e isso inclui a alteração de tarifas— precisa passar pelo Congresso.

Mas, caso contrário, Trump é livre para fazer acordos comerciais politicamente convenientes com quem ele quiser, assim como encontrou maneiras de vender armas para quem ele quiser (ele claramente ignorou a dissidência do Congresso sobre a venda de armas para a Arábia Saudita no ano passado).

A questão é se lidar com Bolsonaro é ir longe demais. Corre o risco de enfurecer os legisladores democratas e dificultar para o governo obter acordos comerciais completos no futuro. O comércio bilateral entre os Estados Unidos e o Brasil vale apenas US$ 100 bilhões por ano, um sexto do comércio EUA-México, apesar de o Brasil ter uma economia muito maior.

Trump não pode deixar de ir ao Congresso para sempre --a Câmara controlada pelos democratas tem uma capacidade considerável de reter leis que ele quer aprovar, especialmente em acordos comerciais importantes que exijam mudança legislativa. E quando ele precisar deles poderá haver um acerto de contas. Estaremos vigiando.

Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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