Proposta de autonomia do BC diz que instituição deverá fomentar mercado de trabalho

Nova atribuição aproximaria autoridade monetária brasileira a modelo do banco central americano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O projeto de autonomia do Banco Central, que tem votação prevista para esta terça-feira (3) no Senado, inclui entre as obrigações da autoridade monetária fomentar o mercado de trabalho.

Hoje, a autarquia tem como objetivos principais garantir o poder de compra da moeda e assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Com a mudança, o BC atuaria também para baixar o nível de desocupação e para perseguir o pleno emprego.

O controle da inflação, no entanto, continuaria sendo a atribuição central da autoridade monetária.

O novo objetivo aproximaria a instituição brasileira ao modelo do Fed (Federal Reserve), o banco central americano, que, além de preços estáveis, busca também estimular a criação de empregos.

Projeto de autonomia do BC inclui fomentar o mercado de trabalho entre as obrigações da autoridade monetária
Projeto de autonomia do BC inclui fomentar o mercado de trabalho entre as obrigações da autoridade monetária - Charles Sholl - 21.nov.2019/Folhapress

O texto também inclui a atividade econômica no horizonte de atuação do BC.

"Sem prejuízo de seu objetivo fundamental [inflação], o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego", diz o projeto.

No novo contexto, a autoridade monetária teria de atuar em todas as frentes, priorizando a inflação.

Caso seja aprovada no Senado, a proposta será apensada a outra, que tramita na Câmara e é mais completa, para nova votação. Se passar nas duas Casas, vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A mudança das atribuições do BC não estava no texto original, mas foi apresentada por meio de emenda e acatada pelo relator do texto, Telmário Mota (PROS-RR), com o aval do governo e do presidente do BC, Roberto Campos Neto.

A alteração, no entanto, foi acrescentada sem conhecimento prévio do autor da proposta, o senador Plínio Valério (PSDB-AM).

"O projeto estava na pauta, o [Eduardo] Braga [(MDB-AM)] apresentou a emenda e houve uma queda de braço que eu acompanhei de longe. Essa questão de fomentar o emprego é controversa porque não é papel do BC fazer isso. Mas eles colocam que seria na medida do possível”, disse Valério.

Na quinta-feira (29), o senador se reuniu com o presidente do BC sobre as mudanças feitas na proposta, que tramita na Casa desde fevereiro de 2019.

Há poucas semanas, o projeto ganhou destaque na bancada governista com a intenção de acalmar o mercado financeiro em meio à grave crise da Covid-19.

"Com a atenção do governo, foram introduzidos tópicos do interesse deles e do Banco Central. Sei que meu projeto não passaria sem mudanças. Não mexeram na filosofia do projeto, mas colocaram outras questões de interesse próprio, e eu não posso fazer nada quanto a isso", disse Valério.

Como o texto ainda coloca o controle da inflação como objetivo principal, há divergências sobre se a nova atribuição caracterizaria o chamado mandato duplo (inflação e emprego), como no Fed.

Outro ponto semelhante ao modelo americano são as alterações nas regras para a demissão de presidente e diretores.

Pelo texto, quando a dispensa for ordenada pelo presidente da República, ela precisará do aval do Senado. A votação será secreta. O objetivo, segundo congressistas, é blindar a instituição de interferências políticas.

Além disso, a diretoria do Fed tem mandatos fixos (renováveis) com nomeações escalonadas, sistemática também prevista no projeto de autonomia do BC brasileiro.

As negociações do governo para viabilizar o projeto incluíram ainda outra mudança: a autoridade monetária passará a ser qualificada como "autarquia de natureza especial" e não ficará subordinada a nenhum ministério. Hoje, o BC é ligado ao Ministério da Economia.

"Essa novidade não passou por mim antes de ser incluída, mas o Campos Neto falou que não traz prejuízo em nada. Eu concordo, e o BC também", disse Valério.

A nova regra pode abrir margem para que o governo crie um novo ministério, que serviria para acomodar os novos aliados do centrão.

O movimento para acelerar a votação da autonomia do BC foi encabeçado pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), também da base aliada.

"O objetivo é dar segurança ao investidor local, externo, para pessoa saber o que pode fazer ou não. Essa segurança é dada pelo Banco Central, que é o encarregado de gerir a moeda. Então se você não blindar esse pessoal que é encarregado da política monetária, qual a segurança que haverá?", afirmou Valério.​

Caso a autonomia se concretize, o BC terá de lidar com consequências da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus, como nível alto de desocupação e atividade baixa.

O desemprego bateu novo recorde e chegou a 14,4% no trimestre encerrado em agosto, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O distanciamento social e o fechamento dos estabelecimentos comerciais também afetaram a atividade econômica e provocaram tombo recorde de 9,7% no segundo trimestre.

Para o fechamento do ano, as previsões mais otimistas apontam queda de pelo menos 4% no PIB (Produto Interno Bruto).

Embora a inflação esteja em 3,14% no acumulado dos últimos 12 meses, abaixo da meta fixada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), o BC reconheceu recentemente que existe movimento de aceleração da alta dos preços no curto prazo, especialmente de alimentos.

"A autonomia é benéfica, mas, para ganhar mais poderes, o BC precisa ter também mais obrigações", disse o economista-chefe da consultoria Análise Econômica, André Galhardo.

"Hoje, o Copom [Comitê de Política Monetária] já olha para a atividade e para o mercado de trabalho, mas, se tiver de escolher, fica com a inflação, que é atribuição legal", afirmou.

Por isso, Galhardo também defende um olhar da instituição voltado à atividade econômica e ao mercado de trabalho.


Autonomia do BC

COMO É

Objetivos
Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda (controlar inflação) e um sistema financeiro sólido e eficiente

Indicação do presidente e da diretoria 
O presidente da República é responsável pela indicação. É preciso que os nomes sejam aprovados pelo Senado Federal

Mandatos do presidente e da diretoria
Não são fixos e os membros podem ser trocados conforme decisão do presidente da República

Demissão 
O presidente pode demitir sem justificativa ou aval do Congresso

COMO PODE FICAR

Objetivos 
Assegurar a estabilidade do poder de compra, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego

Indicação do presidente e da diretoria 
Não muda

Mandatos do presidente e da diretoria 
Quatro anos, com possibilidade de uma recondução. O presidente do BC toma posse no terceiro ano do mandato do presidente da República e os diretores ingressam de forma escalonada

Demissão
Em casos de condenação criminal transitada em julgado ou pedido do próprio interessado ou por iniciativa do presidente da República e aprovada pelo Senado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.