Pandemia, emprego e fim do auxílio são desafios para o PIB de 2021

Segundo analistas, questão fiscal limita crescimento no próximo ano

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São Paulo e Rio de Janeiro

A evolução da pandemia, o fim do auxílio emergencial, a recuperação do emprego e a possibilidade de alta de juros, inflação e dólar estão entre os principais desafios para que a economia brasileira consiga voltar ao patamar pré-crise, segundo economistas ouvidos pela Folha.

A economia brasileira teve no terceiro trimestre deste ano crescimento recorde de 7,7% em relação ao trimestre anterior, quando foi registrada contração inédita da atividade de 9,6%.

O número do trimestre veio abaixo das projeções do mercado e do governo, que atribuíram o resultado menor a uma questão técnica, a revisão dos dados dos trimestres anteriores para cima, e mantiveram suas projeções de crescimento menor neste quarto trimestre e recuperação ainda parcial das perdas da crise em 2021.

Os dados do PIB (Produto Interno Bruto) foram divulgados nesta quinta-feira (3) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Segundo o instituto, o país ainda precisa crescer 4,1% para recuperar todas as perdas deste ano e 7,3% para que a economia volte ao pico registrado no início de 2014.

Indústria e comércio, que foram menos afetados pelo distanciamento social, já recuperaram as perdas do ano. Os serviços, principalmente aqueles dependem de aglomerações, ainda estão longe da recuperação, segundo Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.

“A gente ainda não voltou ao patamar pré-crise principalmente por causa dos serviços, mas não é só isso. A construção cresceu ante o trimestre anterior. A parte imobiliária se recuperou bastante, mas a parte de infraestrutura, até por causa dos gastos do governo, continua puxando para baixo”, disse Rebeca.

O consumo das famílias, segundo ela, se beneficiou pelo aumento do crédito às pessoas físicas, pelos programas de apoio do governo, como o auxílio emergencial, e pelas taxas de juros baixas.

Para Maurício Oreng, superintendente de Pesquisa Macroeconômica do Santander Brasil, a manutenção de juros e inflação baixos depende de o governo encerrar os programas de auxílio com impacto nas contas públicas ou mantê-los sem estourar o teto de gastos.

Segundo ele, o fim do auxílio é compatível com um cenário de crescimento de 3,4% no próximo ano. O estouro do teto, por outro lado, levaria a uma sequência de eventos que provocaria contração na atividade.

Já o risco de uma segunda onda do vírus tem como contrapartida a expectativa de início da vacinação da população.

Para Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do FGV Ibre, falta ao país uma política econômica que vá além da questão fiscal.

“Com esse mantra de que tudo é o fiscal, as pessoas esqueceram das palavras crescimento e emprego. Não digo só o governo. Todo mundo no mercado só fala de ajuste fiscal. Não se discute estratégia de crescimento. E temos agora desemprego aumentando. Sem o auxílio emergencial, não sei como vai ser a demanda para estimular a economia no próximo ano. Estamos em uma situação em que o crescimento não virá espontaneamente”, afirma.

Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que o dado do quarto trimestre vai mostrar desaceleração do crescimento por causa da piora no mercado de trabalho e da redução dos estímulos fiscais.

“Para o ano que vem, vejo três grandes desafios. A recuperação do mercado de trabalho, que está muito em função do setor de serviços. A recuperação do crédito, que já está crescendo muito. E a consolidação fiscal. Neste ano, economia foi movida a estímulos fiscais e monetários. Não dá para manter isso para o ano que vem.”

Segundo Gutierrez, para o crédito continuar funcionando, é preciso que as condições financeiras, como câmbio, juros futuros e expectativas de inflação, estejam em boas condições. “O desafio é retirar os estímulos, mas não de forma abrupta. Manter algo para os mais vulneráveis, mas sem perder a estabilidade da dívida pública. Se a ação do governo for percebida como farra fiscal, as condições financeiras ficarão deterioradas, o que vai dificultar a recuperação.”

O economista do Itaú Unibanco Luka Barbosa afirma que os riscos para 2021 são uma aceleração da pandemia e um atraso na vacinação, e os riscos de problemas fiscais. “Você vai tirar os auxílios, é importante que tire para a dinâmica de dívida não ficar explosiva. Se mantiver, vai ter mais dinheiro na mão das pessoas, mas os juros podem subir e aí você mata o principal motor de crescimento econômico.”

Vitor Vidal, economista da XP, diz que o acúmulo de poupança nos últimos trimestres pode fazer com que o Brasil consiga superar o impacto da retirada do auxílio no primeiro trimestre de 2021, algo que é necessário para reduzir a incerteza na área fiscal.

“A gente depende desse cenário fiscal/político para tentar inferir algum crescimento maior que 3,4% para 2021. Você tem alguns elementos que apontam para um crescimento acima de 4% no ano que vem. Há elementos que poderiam fazer a economia voltar mais forte, porque o Brasil gastou muito, foi bem-sucedido no combate à recessão econômica, mas, para colher os frutos desse impulso fiscal, vai ter de revisar as despesas.”

Segundo José Márcio Camargo, da Genial Investimentos, indicadores antecedentes apontam continuidade da retomada da atividade em outubro e no novembro, mas em ritmo mais lento. Para ele, com a retomada forte do comércio e indústria, o desempenho do PIB nos próximos trimestres depende essencialmente do setor de serviços. “Com a perspectiva de início da vacinação a partir do primeiro trimestre de 2021, devemos ter um retorno mais homogêneo entre as atividades do setor de serviços.”

O economista Marcos Ferrari, ex-secretário do Ministério do Planejamento e atual presidente Conexis Brasil Digital (associação das empresas de telefonia), afirma que o crescimento do PIB abaixo das projeções surpreendeu e reflete questões como o aumento do desemprego. Ele também considera que as estimativas de crescimento em torno de 3,5% em 2021 podem ser frustradas.

“Vai ser melhor que 2020, não tem como ser pior, mas não sei se o lado fiscal vai permitir ter um desempenho tal como esperado pelo mercado”, afirma Ferrari. “Com o auxílio temos o risco fiscal. Sem o auxílio, tem o problema de renda”.

Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo, afirma que 2020 pode fechar com uma queda do PIB de em torno de 3%. "É de se esperar que em 2021 possamos recuperar um pouco deste resultado negativo e tenhamos números positivos em torno de 4%. Sempre levando em conta que a base de 2020 é fraca."

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