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Débora Freire

Dados mostram que auxílio era necessário para arrefecer recessão

Em uma crise dessas proporções, o consumo das famílias foi a força motriz da melhora do PIB no 3º trimestre

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Débora Freire

Doutora em economia, é professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG

O PIB cresceu 7,7% no terceiro trimestre de 2020 frente ao anterior. É uma boa notícia, mas que deve ser avaliada com cautela, pois precisamos ser capazes de ler e entender esse resultado para além dos números, aproveitando a sinalização que ele nos dá.

Em primeiro lugar, o crescimento trimestral recorde de 7,7% parte de uma base muito baixa, o segundo trimestre de 2020, que registrou queda também recorde de 9,6% em relação ao trimestre anterior. Notadamente, o crescimento observado no terceiro trimestre não foi suficiente para compensar a queda acumulada até aqui e voltarmos aos níveis pré-crise. Comparado com o mesmo trimestre de 2019, o PIB recuou 3,9%. No acumulado do ano até o terceiro trimestre de 2020, o PIB caiu 5,0% em relação a igual período de 2019.

Em termos setoriais, os resultados foram heterogêneos. Agropecuária vai bem no acumulado do ano. Indústria e Comércio tiveram crescimento importante em comparação com o segundo trimestre de 2020, voltando ao patamar do primeiro trimestre do ano, mas, serviços em geral, setor com maior peso no PIB, ainda não recuperou o patamar pré-pandemia.

Serviços prestados às famílias, como alojamento, alimentação, academias tiveram melhora, mas ainda não recuperaram da enorme queda do segundo trimestre, exatamente pelo comportamento mais cauteloso de parte das famílias, que ainda têm evitado contato social mais amplo.

Pela ótica dos agregados macroeconômicos, o destaque é para o consumo das famílias, que cresceu 7,6% em comparação com o trimestre anterior, em que havia caído 11,3%. O Investimento também cresceu (11%), mas frente uma base de comparação com o segundo trimestre pior, em que havia caído 16,5%.

A taxa de crescimento do consumo das famílias é relevante pois este agregado representa 65% do PIB. O resultado proeminente da indústria de transformação (que cresceu 23,7% em relação ao trimestre anterior) —especialmente bens duráveis e bens alimentícios, está associado em boa parte a esse aumento do consumo das famílias.

O importante a avaliar é que, em uma crise dessas proporções, o consumo das famílias foi a força motriz do PIB. Em uma crise que acentuou o desemprego, que fez com que os informais não pudessem prestar seus serviços e que reduziu a renda do trabalho dessas pessoas à zero, o consumo das famílias foi força motriz deste ensaio de recuperação que observamos no terceiro trimestre. A fonte deste resultado tem nome e sobrenome: Auxílio Emergencial. Não fosse essa fonte, o agregado que detém 65% do PIB não teria mostrado essa recuperação.

No início da pandemia, realizamos no Nemea, grupo de estudos do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, um estudo de projeção que antevia os impactos macroeconômicos do auxílio: uma política de transferência dessa magnitude teria impacto proeminente no consumo das famílias. O amortecimento na queda do consumo faria com que a produção e, consequentemente, o emprego de fatores, trabalho e capital, e suas remunerações, salários e lucros, caíssem menos do que em um cenário sem o auxílio, amortecendo a queda na economia. Com queda menor no nível de atividade econômica, o tombo na própria arrecadação do governo seria menor.

O resultado do PIB desse trimestre mostra claramente o potencial dinamizador desse tipo de política em momentos de crise e elevado desemprego. Não fossem as transferências, os setores mais afetados, como serviços, teriam registrado contração ainda maior; a indústria não voltaria a se dinamizar em tal magnitude. Parece ter ficado claro aquilo que chamamos atenção no estudo: o auxílio emergencial era necessário não apenas pelo seu caráter social imprescindível, para evitar a fome e o desamparo, mas também pela sua capacidade de arrefecer a recessão e auxiliar a recuperação econômica, dados seus impactos indiretos na economia.

O mesmo bom resultado do PIB no terceiro trimestre, no entanto, acende a luz amarela para o próximo trimestre e a luz vermelha para o próximo ano. O auxílio emergencial foi reduzido para 300 reais no quarto trimestre, o que já arrefece seu efeito. Para o ano de 2021, após idas e vindas, e voltas, não temos nenhum tipo de programa para além do Bolsa família previsto. Sem essa força motriz em um momento em que ainda não há economia aquecida o suficiente para gerar empregos, e que, inclusive, apresenta sinais de piora nos indicadores sanitários relacionados à pandemia, receio que não haverá muitos motivos para comemorar recuperação mais adiante, muito pelo contrário.

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