Descrição de chapéu The New York Times

'Sonhos desfeitos': crescem cemitérios de táxis em Londres

Motoristas devolveram mais carros durante pandemia; setor já trava guerra anterior com aplicativos de transporte

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Epping (Inglaterra) | The New York Times

Depois de passar por uma floresta desfolhada e por um simpático mercado de rua nesta cidade a cerca de 30 quilômetros a nordeste de Londres, aparece uma visão surpreendente: centenas de táxis pretos londrinos estacionados lado a lado em um campo enlameado, cercados por colmeias de abelhas e um galpão onde se criam pombos.

É um verdadeiro monumento à devastação econômica causada pela pandemia de coronavírus. Os táxis foram devolvidos pelos motoristas a uma locadora devido ao colapso dos negócios desde que o Reino Unido entrou em lockdown, em março. Conforme o número de táxis ociosos se acumulava, a companhia ficou sem espaço em sua garagem e fez um acordo com um agricultor local para guardar cerca de 200 carros junto de suas abelhas e pombos.

Táxis em um campo perto de Epping, no sudeste da Inglaterra - Andrew Testa - 26.nov.2020/The New York Times

"Chamo isso de 'o campo dos sonhos desfeitos'", disse Steve McNamara, secretário-geral da Associação de Motoristas de Táxi Licenciados, que representa cerca da metade dos mais de 21.500 taxistas licenciados da capital britânica. "É horrível, e está piorando."

Na quarta-feira (2), a Inglaterra saiu de seu segundo lockdown, mas restrições rígidas continuam em vigor, e todo mundo se pergunta quando as ruas centrais desertas de Londres ficarão novamente cheias de trabalhadores, frequentadores de teatros e turistas.

Hoje, nem um quinto dos táxis de Londres estão em operação, disse McNamara, e os motoristas que ainda trabalham ganham em média 25% do que faturavam antes da pandemia. A cidade calcula que 3.500 táxis deixaram as ruas desde junho. Eles estão amontoados em estacionamentos, armazéns, garagens e campos ao redor da capital.

Para McNamara, que lutou pelos motoristas de táxi contra a concorrência da Uber e outros serviços de transporte por aplicativo, a pandemia é uma ameaça existencial ainda maior. A menos que o governo ofereça mais ajuda financeira, disse ele, Londres poderá perder um de seus símbolos mais famosos —que no imaginário dos turistas equivale aos ônibus de dois andares, as cabines telefônicas vermelhas e policiais com capacetes ovalados.

Um taxista espera passageiros do lado de fora da estação Waterloo, em Londres - Andrew Testa/The New York Times

"Os ônibus não são mais vermelhos, as cabines de telefone sumiram e os policiais hoje circulam em BMWs com submetralhadoras", disse McNamara, usando uma frase que sem dúvida já decorou. "Somos o único ícone de Londres que resta, e sinceramente temo que não existiremos mais dentro de três anos."

Para alguns que assistiram à guerra entre os táxis pretos e a Uber, os taxistas nem sempre foram as figuras mais simpáticas. Por um lado, seus serviços eram e ainda são mais caros. Predominantemente brancos, homens e ingleses, os taxistas apresentam uma visão antiquada da Grã-Bretanha, ao lado dos imigrantes de diversas etnias e outros batalhadores que se sentam atrás do volante e colam um adesivo do Uber no vidro.

Com os problemas de serviço ao cliente e imagem do Uber, entretanto, as linhas de batalha não são mais tão claras. Além disso, segundo McNamara, os táxis incrementaram seu serviço com software de pagamento por telefone, apps como o do Uber que permitem que as pessoas peçam um carro e veículos elétricos que não poluem. Se a pandemia não tivesse ocorrido, disse ele, 85% a 90% da frota seria elétrica até o final de 2024.

Não há dúvida de que os lockdowns no Reino Unido devastaram o setor. Ryan Spedding, que dirige um táxi há quase nove anos, lembra-se claramente de quando o primeiro-ministro Boris Johnson foi à televisão em março e declarou: "A partir desta noite, devo dar à população britânica uma instrução muito simples: vocês têm de ficar em casa".

No dia seguinte, Spedding, 44, dirigiu seu táxi Mercedes por Londres e descobriu uma cidade fantasma, com lojas e bares escuros, torres de escritórios desertas e estações ferroviárias vazias. Espaços normalmente agitados como Piccadilly Circus e Leicester Square só precisariam de capim rolando ao vento para completar o retrato da desolação urbana.

A normalmente movimentada City of London, o distrito financeiro da capital, em novembro - Andrew Testa - 5.nov.2020/The New York Times

"Você podia dirigir por duas ou três horas sem encontrar uma pessoa na rua", disse ele. "Você passa do trabalho normal diário constante para algo que parece o filme '28 Days Later'" (sobre um vírus mortal que transforma Londres em uma paisagem desolada, pós-apocalíptica).

Spedding paga 280 libras (cerca de R$ 1.900) por semana pelo aluguel do táxi. Assim, ele não viu alternativa além de devolver o carro à companhia locadora, GB Taxi Services. Como trabalhador autônomo, Spedding pôde pedir ajuda do Estado, que o compensou por cerca de dois terços de sua renda média.

Ele e sua mulher, cuja firma de passeio com cães foi prejudicada por férias canceladas e clientes que hoje trabalham em casa e passeiam com seus cachorros, também tiveram de suspender as prestações da hipoteca. Mas Spedding disse que usou sua poupança e se endividou no cartão de crédito para não afundar.

Principalmente, ele está "muito entediado", segundo disse. Como todos os taxistas licenciados, ele passou por um teste rigoroso sobre as ruas de Londres, chamado "Conhecimento", processo que lhe custou três anos e meio. Depois de investir grande parte da vida para ser motorista, afirmou, "não posso nem pensar em fazer outra coisa".

Nesta semana, Spedding disse que pretendia levar seu táxi para uma volta pós-lockdown, para ver se apareceriam clientes.

"Uma grande parte de mim acha que não", disse ele.

Para compensar os negócios perdidos, alguns motoristas, como Dale Forwood, decidiram oferecer passeios para ver a iluminação de Natal na Regent Street. Poucos turistas se inscrevem, mas os moradores, cansados após semanas de lockdown, parecem ávidos para passear. Forwood, 54, também dirige um furgão de entregas para uma rede de supermercados.

Enquanto percorria as ruas quase vazias numa noite recente, ela falou com esperança sobre como Londres no Natal normalmente ficava lotada de compradores do mundo todo. Com o retorno desses visitantes ainda dependendo de um futuro garantido por vacinas, os moradores continuam sendo o salva-vida dos motoristas.

"Enquanto as pessoas nos usarem, estaremos aqui", disse ela.

Para motoristas como Jim Ward, que são donos de seus carros, a seca é mais suportável. Ele disse que está fazendo cerca de quatro corridas por dia, ganhando em média 60 libras (R$ 414), comparadas com aproximadamente 150 libras nos bons tempos. Mas ele comprou seu táxi, o famoso modelo quadrado feito pela London Taxi Co. —depois rebatizada de London Electric Vehicle Co.— de segunda-mão há alguns anos, e seus custos são modestos.

Desde janeiro de 2018, todos os táxis recém-licenciados em Londres devem ser elétricos. Um novo modelo elétrico custa cerca de 65 mil libras (R$ 448 mil); muitos motoristas financiam a compra, o que lhes dá prestações mensais pesadas.

"Os jovens que têm financiamento hoje não conseguem pagar", disse Ward.

O motorista de 67 anos, que dirige há 46, comenta que a profissão percorre as ruas de Londres desde que Oliver Cromwell licenciou os condutores de carruagens no século 17, para reduzir os roubos (um exemplo das preciosidades históricas contadas pelos motoristas de táxis pretos).

Enquanto eles esperam ociosos diante de estações de trem sonolentas ou de hotéis vazios, os motoristas trocam histórias de horror (um deles esperou 22 horas e meia por uma corrida no Aeroporto de Heathrow). E jogam um jogo triste do que poderia ser. Howard Taylor, 60 anos e motorista há 33, pensava em vender seu táxi de três anos antes da pandemia. Agora ele acha que perderia pelo menos um terço do valor.

"A pessoa teria de ser idiota para comprar", disse ele, "porque agora ser taxista não é uma profissão viável."

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