Com insistência em tirar piso de educação e saúde, governo atrasa votação que destravaria auxílio emergencial

Votação da proposta fica adiada para a próxima semana, com sinalização de recuo do governo

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Brasília

A insistência do governo federal em manter a proposta de extinção dos mínimos constitucionais para saúde e educação resultou em um grande revés nesta quinta-feira (25), atrasando a votação que destravaria o auxílio emergencial.

Parlamentares governistas se depararam com o risco de atrasar em pelo menos duas semanas a tramitação da proposta e por isso agora sinalizam recuo na desvinculação.

A equipe econômica já admite uma derrota nessa disputa, mas prioriza a aprovação de outras medidas relacionadas ao ajuste das contas públicas.

Nesta terça-feira (23), após reunião de líderes, o Senado decidiu adiar a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, considerada fundamental pela equipe econômica para a concessão do benefício para a população.

O governo ainda precisou recuar da tentativa de apenas ler o relatório durante a sessão desta quinta-feira, pois havia o risco de a PEC ser retirada do plenário e passar a tramitar na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), o que atrasaria ainda mais a aprovação.

Os líderes acordaram adiar a votação para a próxima quarta-feira (3), deixando a sessão da tarde de hoje apenas para a leitura do relatório da PEC, elaborado pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC). A sessão da próxima terça-feira (2) também será usada para debates sobre a proposta.

A leitura do relatório marcaria o início da tramitação da proposta na Casa, mas acabou adiada por conta da grande resistência dos senadores, tanto oposição como governistas.

Ainda não há definição se os dois turnos da votação –para aprovar uma PEC são necessários dois turnos em cada casa legislativas e três quintos dos votos– acontecerão na quarta ou se será respeitado o interstício regimental, de cinco dias entre as votações.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que esperava um entendimento para votar os dois turnos na próxima quarta-feira (3).

Pacheco afirmou que não se tratou de um "adiamento" e que a votação na próxima quarta vai se dar no "tempo mais curto que enxergamos para poder compatibilizar a importância de votar a PEC com a necessidade de amadurecer o debate".

"Na verdade, o que eu vi foi uma grande reação à questão da desvinculação dos mínimos de educação e saúde, mas há aspectos remanescentes do parecer do relator Márcio Bittar que não houve tanta polêmica. Então vamos aguardar a leitura do parecer do senador Márcio Bittar", completou.

A PEC Emergencial prevê o acionamento de medidas em caso de crise nas contas públicas. O governo considera fundamental a sua aprovação antes de encaminhar ao Congresso a proposta para uma nova rodada de auxílio emergencial.

Os primeiros estudos do Ministério da Economia indicam que a nova rodada do auxílio emergencial deva atingir cerca de 40 milhões de pessoas, em situação de vulnerabilidade por conta da pandemia do novo coronavírus.

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Economia) durante cerimônia no Palácio do Planalto - Evaristo Sá - 19.ago.2020/AFP

Em seu relatório apresentado nesta semana, Márcio Bittar manteve no texto pontos polêmicos do projeto original de 2019, sendo o principal deles a extinção dos mínimos constitucionais para saúde e educação.

Líderes apontaram durante a reunião que havia o risco de não aprovação da PEC na sessão de quinta-feira, por conta justamente da desvinculação dos gastos com saúde e educação.

A tensão aumentou ainda mais durante a sessão plenária, marcada por uma série de tentativas da oposição de barrar a leitura do relatório, fazendo uso de instrumentos regimentais

“A população aguarda o auxílio emergencial e vacinas e o governo vem aqui fazer balões de ensaios. O governo está fazendo a versão 1.0, versão 2.0, versão 3.0 e versões não oficiais. Não podemos brincar com isto e fazer factoides aqui dentro”, disse o líder da minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN).

O governo esteve perto de sofrer uma grande derrota, com a provável aprovação do requerimento para tirar a proposta da pauta e encaminhá-la para a principal comissão da Casa. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), então, negociou acordo com a oposição para adiar a leitura do relatório, em troca da retirada do requerimento.

Por fim a PEC foi retirada da pauta desta quinta-feira, encerrando a sessão.

O próprio Bezerra havia afirmado em plenário que o relator Márcio Bittar apresentaria uma nova versão do seu relatório na segunda-feira, quando pretendia uma nova sessão de debates.

A perspectiva de um novo relatório a ser apresentado na próxima segunda-feira iniciou rumores no Senado de que o governo poderia enfim retirar a polêmica desvinculação da PEC Emergencial. Bittar saiu irritado do plenário com a impossibilidade de ler o seu relatório e disse que iria decidir sobre esse ponto de seu texto apenas na segunda-feira.

Questionado se o item será retirado, Bittar respondeu: "pergunta para o líder do governo". Bezerra foi quem negociou o adiamento da leitura do relatório e sinalizou a manutenção do piso para saúde e educação.

Embora os líderes governistas neguem, senadores apontam que a inclusão da desvinculação seria parte da estratégia para não haver questionamento sobre outros pontos. Oposicionistas, durante a reunião, já manifestaram interesse em construir um texto de consenso para a PEC Emergencial, cedendo em alguns pontos de ajuste fiscal, desde que a extinção do mínimo constitucional para saúde e educação fique de fora.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, por sua vez, aposta na aprovação da PEC Emergencial para destravar a pauta liberal apresentada ao Congresso e, a aliados, indicou que esse projeto pode definir a permanência ou não do ministro no governo.

A proposta, no entanto, vem sendo desidratada pelo Congresso, o que vem sendo apontado como uma derrota do ministro da Economia. Além disso, a questão dos prazos é vista como um entrave para a equipe econômica. O governo mantém a pretensão de começar a pagar a nova rodada do auxílio emergencial em março, mas garante que só encaminha a proposta com a aprovação da PEC Emergencial nas duas casas.

No entanto, caso não haja acordo para a votação na nova data programada ou para a retirada do interstício, parlamentares governistas avaliam que há o risco de que a PEC não seja aprovada em tempo hábil no Senado e na Câmara dos Deputados.

Inicialmente, a equipe econômica queria autorização para cortar temporariamente a jornada e os salários de servidores públicos, o que provoca uma redução imediata nos gastos. Guedes já cedeu nesse ponto e a versão mais atual do relatório de Bittar não prevê esse dispositivo.

O texto atualmente debatido no Senado prevê medidas como barreiras à criação de novas despesas obrigatórias, a reajustes a servidores e a concursos públicos.

O governo já admite que deve ser derrotado na disputa sobre o fim do piso constitucional para saúde e educação, mas quer preservar os demais pontos do pacote de Guedes. Ou seja, não quer deixar que o Senado aprove simplesmente uma nova rodada do auxílio emergencial, sem prever ajustes nas contas para o futuro.

Com o adiamento, a votação da proposta deve ocorrer na próxima semana. Apesar de já reconhecer a derrota sobre o fim do gasto mínimo para saúde e educação, o governo ainda avalia qual a melhor estratégia: retirar logo esse trecho e destravar a análise do texto ou deixar que o plenário do Senado retire, por maioria, a medida.

Desde 2018, o cálculo do piso para saúde e educação para a União é com base no valor desembolsado em 2017 corrigido pela inflação do período. Para 2021, estima-se R$ 123,8 bilhões para a saúde e R$ 55,6 bilhões para educação.

O projeto de Orçamento de 2021 prevê a aplicação de R$ 98,9 bilhões em manutenção e desenvolvimento do ensino, e R$ 124,6 bilhões em ações e serviços públicos de saúde, segundo cálculos da Consultoria de Orçamento da Câmara.

Para estados e municípios, o piso constitucional varia. Para educação, estados e municípios precisam investir 25% da receita. No caso dos serviços de saúde, é de 12%, para estados, e 15% para prefeituras.

O governo argumenta que o fim do piso deixaria o Orçamento mais livre e caberia aos gestores decidirem onde aplicar os recursos. Prefeitos e governadores, porém, são contra a medida.

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