Descrição de chapéu The New York Times

Entenda por que o canal de Suez é tão importante

Levaram 10 anos e 1,5 milhão de trabalhadores para construí-lo no século XIX, e um dia e um enorme navio para bloqueá-lo

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Rick Gladstone
The New York Times

A via marítima artificial de 193 quilômetros de comprimento conhecida como Canal de Suez é um potencial ponto de conflagração para conflitos geopolíticos desde sua abertura, em 1869. Agora o canal, uma passagem vital para a navegação internacional, está no noticiário por motivos diferentes: um navio porta-contêineres de propriedade japonesa e quase 400 metros de comprimento, que navegava da China para a Europa, encalhou no canal há dias, bloqueando mais de 100 embarcações e causando tremores no mundo do comércio marítimo.

Abaixo algumas informações básicas sobre a história do canal, a maneira pela qual ele opera, como o navio encalhou, e o que isso significa.

Onde fica o Canal de Suez?
O canal fica no Egito, e conecta Port Said, no Mediterrâneo, ao Oceano Índico, passando pela cidade de Suez, na costa egípcia do Mar Vermelho. A passagem permite navegação mais direta entre a Europa e a Ásia, eliminando a necessidade de contornar a África, reduzindo o tempo de percurso em dias ou semanas.

O canal é a mais longa via marítima artificial do planeta desprovida de eclusas, que conectam corpos de água localizados em altitudes diferentes. Sem eclusas para interromper o tráfego, o trânsito de uma ponta à outra da via demora entre 13 e 15 horas, de acordo com uma descrição do canal pela GlobalSecurity.org.

Quem construiu o canal de Suez, e quando?
O canal, originalmente propriedade de investidores franceses, foi concebido quando o Egito estava sob o controle do Império Otomano, na metade do século 19. A construção começou na área de Port Said em 1859, a escavação demorou 10 anos, e o projeto requereu um total estimado em 1,5 milhão de trabalhadores.

De acordo com a Suez Canal Authority, a agência do governo egípcio que opera a via marítima, 20 mil camponeses eram convocados a cada 10 meses a fim de ajudar a construir o projeto, “um trabalho fatigante e muito mal remunerado”. Muitos trabalhadores morreram, de cólera e de outras doenças.

O tumulto político no Egito contra as potências coloniais, Reino Unido e França, retardou o progresso na construção do canal, e o custo final foi de mais que o dobro que os US$ 50 milhões inicialmente projetados.

Que país controla o canal hoje?
As forças britânicas que controlavam o canal durante as duas primeiras guerras mundiais se retiraram da região em 1956, depois de anos de negociação como Egito, e na prática transferiram a autoridade sobre a via ao governo egípcio liderado pelo presidente Gamal Abdel Nasser.

O que foi a “crise de Suez”, que quase causou uma guerra?
A crise começou em 1956, quando o presidente do Egito nacionalizou o canal depois da partida das forças britânicas. Ele tomou outras medidas que foram classificadas como ameaças de segurança por Israel e seus aliados ocidentais, o que resultou em uma intervenção por forças militares de Israel, França e Reino Unido.

A crise resultou no fechamento temporário do canal e gerou risco de envolvimento da União Soviética e dos Estados Unidos. A crise se encerrou no começo de 1957, sob um acordo supervisionado pela ONU, que enviou sua primeira força de paz para a região. O resultado foi visto como triunfo para o nacionalismo egípcio, mas seu legado foi uma das subcorrentes da guerra fria.

A crise de Suez também foi tema do primeiro episódio da segunda temporada da série “The Crown”, da Netflix, sobre a família real britânica, com o primeiro-ministro da época, Anthony Eden, enfrentando dificuldades sobre como reagir à crise.

O canal já foi fechado, depois disso?
O Egito fechou o canal por quase uma década, depois da guerra entre árabes e israelenses em 1967, e a via marítima se tornou uma linha de frente entre as forças do Egito e de Israel. Catorze navios de carga, que vieram a ser conhecidos como “a frota amarela”, ficaram aprisionados no canal até sua reabertura, em 1975, pelo sucessor de Nasser, Anwar Sadat.

Alguns incidentes de encalhe de navios resultaram em fechamentos do canal, desde então. O mais notável, até esta semana, havia sido um fechamento de três dias em 2004, quando um petroleiro russo encalhou.

O Canal de Suez foi projetado para receber navios imensos como o que encalhou?
O navio encalhado, o Ever Given, operado pela companhia de navegação Evergreen Shipping, é um dos maiores navios porta-contêineres do planeta, e seu comprimento praticamente equivale à altura do Empire State Building.

Ainda que o projeto original do canal se destinasse ao seu uso por navios muito menores, ele foi alargado e aprofundado numerosas vezes, a mais recente das quais há oito anos, a um custo de mais de US$ 8 bilhões.

O que levou ao encalhe do navio, e o que está sendo feito a esse respeito agora?
Má visibilidade e ventos fortes, que levaram os contêineres empilhados sobre o convés do Ever Given a funcionar como velas, o que, acredita-se, tenha desviado o navio de seu curso e levado ao encalhe.

Os especialistas em salvamento marítimo já tentaram diversas soluções: arrastar o navio com rebocadores, dragar o piso do canal por sob o casco, e usar uma escavadeira para aplainar a margem leste, onde a proa do navio está presa. Mas o tamanho e peso do navio, 200 mil toneladas, haviam frustrado as equipes de salvamento, até a noite de quinta-feira.

Alguns especialistas em salvamento marinho disseram que a natureza talvez tenha sucesso naquilo em que dragas e rebocadores fracassaram. Uma maré alta sazonal no domingo e segunda-feira pode aumentar a profundidade do canal em até 46 centímetros, o que talvez baste para que o navio volte a flutuar.

Quais são as consequências de o Ever Given continuar encalhado?
Isso depende de por quanto tempo o canal, pelo qual passa 10% do comércio marítimo mundial, ficará fechado. A TradeWinds, uma publicação especializada do setor de navegação, disse que, com mais de 100 navios esperando para cruzar o canal, acabar com a fila pode demorar mais de uma semana.

Um fechamento prolongado seria imensamente dispendioso para os proprietários de navios que estão esperando para atravessar o canal. Alguns podem decidir cortar o prejuízo e ordenar que seus navios tomem a rota que circunda a África.

Os proprietários do Ever Grande já enfrentam milhões de dólares em franquias de seguro e com os custos dos serviços de salvamento. O governo do Egito, que recebeu US$ 5,61 bilhões em receita com as tarifas por uso do canal em 2020, também tem interesse vital em remover o Ever Given e reabrir a via marítima.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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