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Brics

Todos os caminhos levam à cooperação internacional

Brasil, China e Índia, junto com a Rússia e a África do Sul, precisam promover cooperação para a produção e distribuição de vacinas

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Karin Vazquez

Pesquisadora do Center for BRICS Studies da Fudan University, na China, e professora associada e reitora-assistente da O.P. Jindal Global University, na Índia

Xangai

No momento em que o Brasil tem o terceiro ministro da Saúde demitido em menos de um ano e no pior momento da pandemia do novo coronavírus no país, é inevitável a pergunta: o que precisamos para dar a volta por cima? Vacina, governança, cidadania. A lista é longa.

O que pouco se falou até agora é sobre a importância da cooperação internacional e como a falta dela nos tem impedido avançar de maneira consistente no enfrentamento da pandemia.

Enquanto a China assumiu o compromisso público de vacinar 500 milhões de pessoas, o equivalente a 40% da população, até junho deste ano, e a Índia lidera a produção de imunizantes e implementa a maior campanha de vacinação do mundo, o Brasil, em um ato de desespero político, ainda corre atrás de fornecedores após passar meses negando a necessidade da vacinação, criticando outros países, e ignorando parcerias internacionais para a distribuição de imunizantes.

Apesar da insistência em andar na contramão da ciência, da racionalidade econômica e da humanidade, o que a experiência brasileira mostra é que qualquer medida séria para o enfrentamento da pandemia exige que o Brasil trabalhe em parceria com outros países.

Em 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) advogou contra qualquer tipo de vacina, especialmente se ela fosse chinesa. Repetidamente, seus aliados mais próximos se revezaram para atacar a China como a culpada pela pandemia. Bolsonaro chegou a afirmar que o governo federal não compraria a vacina chinesa e a suspender o processo de registro do imunizante junto à Anvisa.

As investidas do governo federal contra Pequim só foram suspensas em janeiro deste ano, após a China atrasar a entrega de insumos para a produção da vacina no Instituto Butantan. Com o risco da produção no Brasil parar, Bolsonaro viu seus índices de aprovação despencarem.

O fim do auxílio emergencial, a opinião pública cada vez mais favorável à vacinação, o agravamento da pandemia em Manaus e a fraca gestão da crise levaram o governo a não impedir a participação da chinesa Huawei na licitação da rede 5G no Brasil em troca da entrega rápida dos insumos.

Com menor sucesso, a Índia também veio em socorro do Brasil. Em uma disputa política para começar a imunização antes do governador João Doria (PSDB-SP), Bolsonaro anunciou que um voo especial buscaria 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca produzidas pelo Serum Institute da Índia.

O governo indiano, no entanto, não havia autorizado a exportação de nenhuma vacina antes do início da imunização no país. Uma semana depois, a Índia anunciou que começaria a enviar doses da vacina para seus vizinhos e "parceiros-chave". O Brasil não estava na lista.

Sem doses suficientes, o governo brasileiro se viu forçado a se abster de votar a proposta indiana na OMC para a suspensão das patentes das vacinas contra a Covid-19, evitar uma crise diplomática com a Índia e garantir a continuidade da imunização no país.

Poucos dias depois, o Brasil recebeu as 2 milhões de doses da Índia, mas a vitória política de Doria já havia sido selada com o início da imunização em São Paulo. Na semana passada, o governo voltou a se opor à proposta indiana na OMC, um erro estratégico que pode custar a paciência de Delhi e a imunização no Brasil.

A experiência do Brasil com a China e a Índia mostra que tentar voltar atrás no erro custa muito mais esforço diplomático, recursos, capital político e vidas do que cooperar. Estabelecer parcerias ganha-ganha com a China, Índia, Israel, Rússia e demais fornecedores de imunizantes por meio de diálogo e consultas em pé de igualdade ainda é a melhor opção para o país.

Ao cooperar com a China, além das vacinas e insumos, o Brasil também ganha com a transferência de tecnologia que, aliada a políticas públicas e investimentos de longo prazo, poderia dar condições para o país superar a dependência estrutural da importação de imunizantes. Hoje, isso é praticamente impossível devido ao lobby de grandes empresas farmacêuticas e governos como o dos EUA.

Ao contrário do que se tem visto na negociação com a americana Pfizer, não há relatos de demandas da chinesa Sinovac Biotech ou do Serum Institute da Índia para que o governo brasileiro se responsabilize por eventuais atos de negligência, fraude ou malícia, nem nenhuma outra cláusula abusiva nos contratos para a venda de vacinas no país.

Indiretamente, o Brasil também ganha com a participação de mais empresas no leilão da 5G. Permitir com que a Huawei concorra em igualdade não significa entregar o leilão a nenhuma empresa ou país, mas dar condições para que propostas diferenciadas sejam apresentadas, a contragosto dos EUA.

Brasil, China e Índia, junto com a Rússia e a África do Sul, têm, ainda, o desafio de promover a cooperação nos Brics para a produção e distribuição de vacinas. Em 2020, a Rússia se tornou o primeiro país a registrar a vacina contra a Covid-19 e a convidar os outros quatro membros do bloco a cooperar na produção e distribuição do imunizante. No mesmo ano, a China anunciou que a sua vacina se tornaria um bem público global de modo que pessoas em países em desenvolvimento pudessem adquiri-la a um custo razoável e justo.

No entanto, o Brics falhou em fornecer uma resposta coletiva robusta à crise da saúde em sua 12ª Cúpula na Rússia. Ainda no âmbito multilateral, a Gavi, aliança global das vacinas, está liberando 9,1 milhões de doses para o Brasil mostrando, mais uma vez, que o isolamento não ajudará a resolver os desafios que o país enfrenta. Agora é a vez da cooperação.

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