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Inflação coloca investidores e bancos centrais em alerta

Alta dos preços dá uma prévia ao mercado sobre os riscos que os aguardam

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Colby Smith Tommy Stubbington
Nova York e Londres | Financial Times

Em suas três décadas como investidor em títulos, Jim Leaviss testemunhou muitos alarmes falsos sobre o retorno de uma das maiores ameaças ao mercado de títulos de dívida: a inflação. Mas na quarta-feira (12), quando surgiu em sua tela o número do índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos —mostrando uma alta anualizada de 4,2%— ele sentiu a chegada de uma nova era aos mercados financeiros.

“Sempre foi correto manter o ceticismo quando alguém diz que este é o ano em que a inflação vai voltar. Mas pela primeira vez é possível afirmar que agora é diferente”, diz Leaviss. “A pandemia pode ser o terremoto sistêmico que muda o panorama de inflação ao qual nos acostumamos nos últimos 30 anos”.

Uma disparada da inflação no verão [do hemisfério norte] seria inevitável de qualquer maneira, quando as medidas de lockdown começassem a ser relaxadas: um ano atrás, a expansão do contágio pela Covid-19 derrubou economias em todo o planeta, causando queda severa nos preços das commodities, e chegou a derrubar o preço de um barril de petróleo nos Estados Unidos para abaixo de zero.

Os dirigentes de bancos centrais —especialmente os do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos— têm insistido vigorosamente que o surto atual de aumentos de preços é temporário e não os levará a desmontar antes do previsto as maciças ações de estímulo monetário que adotaram no ano passado a fim de combater as consequências da pandemia.

O presidente do Fed, Jerome Powell - Kevin Lamarque - 8.mar.20/Reuters

Essas garantias, no entanto, não impediram número crescente de investidores de se enervarem com a possibilidade de que uma onda de pressões inflacionárias cada vez mais forte coloque em teste a determinação das autoridades econômicas.

Um surto prolongado de inflação poderia prejudicar a recuperação pós-pandemia, e forçar o Fed e outros bancos centrais a apertarem rapidamente a política monetária. Umas das recuperações mais notáveis da história financeira também seria colocada em risco, depois de uma série de altas sem precedentes nas cotações do mercado graças a custos de captação historicamente baixos.

Os investidores tiveram uma indicação dos problemas que poderiam surgir, quando o Índice Composto Nasdaq, no qual as ações de tecnologia têm peso elevado, esteve entre os que caíram em resposta aos números da inflação anunciados na semana passada, antes de recuperar parte dessas perdas.

“Esse é só um conjunto de dados, mas é o primeiro registro de que a inflação está atingindo os consumidores com força”, disse Leaviss, que comanda a área de investimento em instrumento de renda fixa na M&G Investments. “Sim, é um reflexo da situação em que estávamos um ano atrás, e sabemos que existem distúrbios no suprimento. Mas chegará um momento em que não será possível explicar tudo isso como exceção”.

Antes do relatório sobre a inflação divulgado na quarta-feira (12)–que Rick Rieder, vice-presidente mundial de investimento em renda fixa da BlackRock chamou de “assombroso”—, já havia sinais de inflação visíveis.

O custo de commodities essenciais para a economia mundial, entre as quais o cobre e o minério de ferro, havia disparado. A escassez mundial de chips prejudicou a produção de automóveis em todo o planeta, e levou compradores a procurar alternativas no mercado de carros usados. Os preços dos veículos usados subiram em10% em abril, ante o mês anterior, de acordo com o Departamento de Estatísticas de Trabalho dos Estados Unidos.

Em diversos países, também começou a surgir uma escassez surpreendente de mão de obra.

“Não é só o petróleo. Não é só o cobre. É a madeira. É o fato de que as empresas não encontram trabalhadores. Tudo isso somado me faz pensar que a inflação pode ter mais força do que imaginávamos”, diz Sonal Desai, vice-presidente de investimentos na área de renda fixa do Franklin Templeton Group.

“Existe toda uma geração de operadores que cresceu investindo no mundo de zero inflação posterior à crise financeira mundial”, ela acrescenta. “As pessoas não devem subestimar o quanto as coisas ficarão incertas caso ingressemos em um novo paradigma”.

Abandonando a abordagem preventiva

Desde que Paul Volcker elevou as taxas de juros dos Estados Unidos a um recorde de 20%, no começo da década de 1980, tomar o controle da inflação é algo que passou a fazer parte do DNA de dirigentes de bancos centrais em todo o mundo.

Com suas estruturas para estabelecer metas inflacionárias, esses dirigentes tendiam a agir com rapidez, elevando as taxas de juros, diante de qualquer vislumbre de um retorno aos inflacionários anos 70. Isso continuou a ser verdade nos anos posteriores à crise financeira mundial de 2008-2009. Jean-Claude Trichet, no BCE (Banco Central Europeu), em 2011, e Janet Yellen, no Fed, em 2015, começaram a elevar as taxas de juros a fim de bloquear a ascensão dos preços ao consumidor.

Jay Powell, o atual presidente do Fed, levou o banco central americano em direção diferente –que culminou, em agosto, com uma mudança de normas para tolerar explicitamente períodos de inflação mais alta, em reconhecimento de que apertos prematuros dos juros pelo banco central, acoplados a medidas de austeridade, no passado, haviam tornado a recuperação econômica mais lenta do que precisaria ter sido.

A maioria dos demais bancos centrais do planeta ainda não imitou esse sistema de “metas inflacionárias médias”, mas muitos deles ainda assim adotaram medidas inéditas em sua resposta à pandemia. Os programas atuais de compra de títulos do BCE e do Banco da Inglaterra são muito superiores a qualquer programa anterior, em termos de escala.

“Os bancos centrais parecem ter abandonado a abordagem preventiva ao lidar com a inflação”, diz Mark Dowding, vice-presidente de investimento da BlueBay Asset Management. “Em vez disso, as autoridades monetárias parecem até estar torcendo por ela”.

Poucos argumentariam que essa generosidade monetária por si só causaria alta de preços, especialmente diante de impulsos deflacionários como o envelhecimento da população e a inovação tecnológica que afeta a economia. Na verdade, é a forma pela qual os governos responderam à crise que se provou transformadora. Os níveis de captação explodiram em todos os países desenvolvidos, e as torneiras dos gastos públicos foram abertas.

Os Estados Unidos foram mais longe do que qualquer outro país, com o pacote de estímulo de US$ 1,9 trilhão (R$ 10 trilhões) do presidente Joe Biden que entrou em vigor em março, e a promessa de outros US$ 4 trilhões (R$ 21 trilhões) em investimentos em infraestrutura e na previdência social no prazo de uma década, se ele conseguir obter apoio suficiente no Congresso.

Mesmo a zona do euro, mais cautelosa em termos financeiros, aderiu, com um fundo de recuperação de 750 bilhões de euros (R$ 4,8 trihões).

Pouco admira, portanto, que as expectativas de inflação do mercado tenham começado a subir depois da vitória democrata que deu ao partido o controle do Legislativo americano, em janeiro, conferindo ao governo Biden o poder de controlar os gastos do governo.

A “break-even rate” (taxa de equilíbrio, em tradução livre) de dois anos, que é um indicador popular sobre a inflação futura e é derivada dos preços dos títulos do governo americano que portam correção monetária, é agora de mais de 2,8%, e o indicador para 10 anos subiu a 2,5%.

“As pessoas subestimam o papel que a austeridade desempenhou nas pressões deflacionárias da década passada”, diz Karen Ward, vice-presidente de estratégia para o mercado europeu na JPMorgan Asset Management.

Testando o Fed

Dirigentes do Fed descartaram, até o momento, quaisquer preocupações de que gargalos nas cadeias de suprimentos, vinculados à reabertura das economias, e as medidas de apoio fiscal em enorme escala que foram adotadas possam, juntos, criar uma situação que force o banco central a hesitar quanto à sua promessa de manter uma política monetária extremamente frouxa até que seu novo objetivo, o de promover uma recuperação mais inclusiva, seja atingido.

Powell insistiu, na reunião de abril do comitê monetário do Fed, em que o banco central ainda não havia realizado “progresso adicional” rumo às suas metas de emprego e de inflação que justificasse um ajuste em seu programa de US$ 120 bilhões (R$ 632,9 bilhões) ao mês em aquisição de ativos.

Lael Brainard, integrante do conselho do Fed, ecoou essas declarações na terça-feira (11), pedindo paciência diante de uma “alta transitória” na inflação –uma mensagem reforçada pelo vice-presidente do banco, Richard Clarida. Mesmo os dirigentes do Banco Central Europeu, entre os quais a economista alemã Isabel Schnabel, decidiram desconsiderar sinais temporários de alta nos preços.

As expectativas do mercado sobre taxas de juros futuras refletem o sucesso do Fed até agora em apaziguar as preocupações sobre sua capacidade de controlar os preços ao consumidor.

Um barômetro muito acompanhado, o mercado futuro do eurodólar, indica que o banco central americano deve começar a elevar seus juros no começo de 2023. Embora isso seja cerca de um ano mais cedo do que as mais recentes projeções do Fed, não sugere que haja medo generalizado de uma inflação descontrolada.

“Vivemos uma nova era no Fed”, diz Anne Mathias, estrategista sênior da consultoria de investimento Vanguard. “Eles têm uma nova função de reação... [e] essa é sua primeira volta na pista com ela”.

Os investidores lamentam, porém, que tenham ficado no escuro não só sobre a definição do Fed para o termo “transitório” mas também quanto aos parâmetros específicos que orientaram a mudança de política.

Isso deixa o Fed exposto a uma falha de comunicação, em meio ao acúmulo de pressões inflacionárias que parece estar em curso este ano, de acordo com Vincent Reinhart, ex-economista do Fed e hoje economista chefe do banco Mellon.

“O comitê [de mercado aberto] é diverso, e os pontos de inflexão são difíceis”, ele diz. “Jay Powell está essencialmente dizendo que ‘vamos entrar na curva em velocidade máxima, mas podem confiar em mim: saberemos em que hora devemos começar a girar o volante”.

“Haverá integrantes do comitê que estarão apavorados, àquela altura, e eles vão se preocupar”, alertou Reinhart. “Isso alimentará o medo de inflação”.

Preocupação dos investidores

Os números sobre os preços ao consumidor nos Estados Unidos chegaram na quarta-feira (12) a um mercado que já estava ansioso quanto à inflação. Uma onda de venda de títulos que estava em pausa há dois meses passou por uma breve retomada na semana passada, levando os rendimentos de títulos da zona do euro à sua marca mais alta em dois anos.

Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos também perderam força, embora os rendimentos permaneçam abaixo de seus picos de março e ainda estejam próximos de recordes de baixa. Depois de um salto inicial para a marca do 1,7% de rendimento, a nota de 10 anos do Tesouro americano, uma referência nos mercados financeiros de todo o o mundo, recuou para a casa do 1,6% pelo final da semana.

Alguns investidores já sentem que a reação foi exagerada.

“A resposta do mercado foi estranha”, diz Gurpreet Gill, estrategista de títulos de renda fixa na Goldman Sachs Asset Management. “Todo mundo vem falando de inflação há meses. A alta foi telegrafada”.

Mas os vendedores estão muito mais preocupados com uma alta em longo prazo nos preços do que com o pico atual. A inflação é um veneno para os títulos, erodindo os pagamentos fixos de juros que eles oferecem.

“Existe muita complacência nessa ideia de que a inflação é transitória, e acredito que ela nasça do fato de que muita gente nos mercados financeiros jamais tenha visto qualquer inflação”, diz Dowding, da BlueBay.

A determinação do Fed de manter o rumo também pode ver uma alta ainda maior das expectativas de inflação em longo prazo –conduzindo a altas ainda maiores da inflação no futuro.

“Se eles vão se atrasar intencionalmente, isso significa que terão de ser mais agressivos mais tarde”, disse Rieder, da BlackRock.

A perspectiva é especialmente preocupante para os mercados de ações, que dispararam para novos recordes puxados pelos ganhos das empresas de tecnologia de alto crescimento, como as gigantes da tecnologia americana.

Essas empresas têm seu valor de mercado avaliado com base em seu potencial de lucro até um ponto bem avançado no futuro. Os investidores avaliam esses ganhos em comparação à taxa “livre de riscos” que poderiam obter adquirindo títulos, e por isso um rendimento mais alto na prática os faz valer menos agora.

“Os últimos anos foram excelentes para os investidores porque tudo subiu – era possível ganhar com as ações e com os títulos”, diz Mohamed El-Erian, consultor econômico chefe da Allianz e antigo vice-presidente de investimentos do grupo Pimco, que opera no mercado de títulos. “Agora você corre o risco de perder dinheiro dos dois lados. É um ambiente horrível, e fico feliz por não estar administrando investimentos”.

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