Joesley tratou delação como estratégia de negócio e fez JBS triplicar de valor em quatro anos

Acordo com a Justiça e venda de ativos evitaram derrocada do grupo que hoje quer abrir capital nos EUA

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Brasília

Afastado do comando de seus negócios há quatro anos, o empresário Joesley Batista e seu irmão Wesley —donos da J&F, empresa que controla companhias como a JBS— assistem de longe aos resultados de sua maior cartada.

Desde o vazamento de uma conversa em que o então presidente Michel Temer (MDB) teria pedido a manutenção dos pagamentos, principalmente para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), Joesley vendeu alguns de seus negócios mais rentáveis para arcar com os acordos de leniência e delação no Brasil e nos Estados Unidos que fechou com seu irmão e executivos do grupo.

No total, os irmãos Batista abriram mão de cerca de R$ 12,4 bilhões, considerando ativos próprios e da J&F, mas, em quatro anos, viram as ações da JBS, considerada a mina de ouro do grupo, triplicar de valor.

Joesley Batista depõe em CPI que investigava atividades da JBS, no Congresso - Evaristo Sa - 28.nov.2017/AFP

No auge do escândalo, em maio de 2017, os papéis, negociados a uma média de R$ 10, caíram imediatamente para R$ 5 e hoje estão cotados a cerca de R$ 30 na Bolsa brasileira.

A companhia vale R$ 76,3 bilhões e se prepara para abrir capital nos Estados Unidos. O resultado foi planejado como qualquer outro negócio já realizado por Joesley e seu irmão.

Procurada pela Folha, a J&F não quis se manifestar.

Em 2016, a PF (Polícia Federal) descobriu indícios de corrupção praticada pelo grupo. Em maio de 2017, o empresário —com o irmão e o pai— decidiram se antecipar às investigações policiais em curso e fechar um acordo de delação com a PGR (Procuradoria Geral da República) e fazer uma leniência (delação feita por empresas) com o MPF (Ministério Público Federal).

No início, os Batistas teriam de pagar R$ 100 milhões como parte do acordo para se livrarem das acusações de crimes praticados. Esses acordos, porém, quase foram desfeitos.

Primeiro, por causa do indiciamento do ex-procurador da República Marcelo Miller e de mais três advogados ligados a Joesley por suposta prática de corrupção. Miller teria sido pago para fazer jogo duplo durante a elaboração dos acordos de delação de executivos da J&F.

Além disso, havia inconsistências nas evidências apresentadas. Com a repactuação, os irmãos Batista ajustaram os termos da delação e tiveram de elevar para R$ 1 bilhão (R$ 500 milhões cada) a multa a ser paga no acordo.

Como parte da repactuação das delações, eles já prestaram novos depoimentos à PGR. Na prática, eles devem trazer novos elementos ao que já revelaram no acordo original.

Enquanto negociavam esses acordos, eles venderam empresas de sucesso, como a Alpargatas, a Vigor, a Eldorado Celulose e as filiais da JBS em países da América Latina —algo que rendeu cerca de R$ 10 bilhões, dinheiro usado para cobrir parte dos R$ 11,4 bilhões que a empresa aceitou pagar para a União nos acordos de leniência no Brasil e nos EUA.

Com a homologação pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin no final do ano passado, o acordo permitiu que os executivos virassem a página e se livrassem de imputações criminais. Desde então, se afastaram do comando direto das empresas, que passaram para uma administração independente.

Para amigos, Joesley explica que essa foi a pior e a melhor das decisões que já tomou.

Caso decidisse esperar o desenrolar das investigações da PF em curso naquele momento, o grupo correria o risco de passar pelo calvário da família Odebrecht, que viu seu império ruir a ponto de serem forçados a mudar o nome da companhia.

Diferentemente de Joesley, Marcelo Odebrecht, que presidia o grupo, só confirmou e entregou detalhes da corrupção em que se envolveu depois que as investigações já tinham revelado praticamente todo o esquema.

A venda das empresas dos Batistas ocorreu em situação bem diferente. Sem contratos com o governo e líderes em seu ramo de atuação, elas encontraram compradores rapidamente e por um preço de mercado —não sofreram descontos pelo envolvimento dos controladores em corrupção.

Sem esse dinheiro, Joesley seria obrigado a pedir recuperação judicial porque não conseguiria renegociar as dívidas a vencer de suas empresas, situação a que se expuseram praticamente todas as empreiteiras pegas pela Lava Jato.

Com esses desinvestimentos, Joesley queria levantar o valor suficiente para demonstrar ao mercado possuir recursos mais que suficientes para indenizar a União e investidores.

Essa seria a saída para preservar a JBS do escândalo que, no mercado, ficou conhecido como "Joesley Day".

O episódio ocorreu em 17 de maio de 2017 após a divulgação de trechos de uma conversa gravada por Joesley com Temer fora da agenda oficial no Palácio do Jaburu, em Brasília.

O empresário relatou aos procuradores do MPF como funcionou o esquema de compra de políticos e afirmou ter desembolsado cerca de R$ 500 milhões a congressistas. Esses pagamentos foram feitos, segundo ele, sob a forma de doações eleitorais. Confirmou ter dado dinheiro via caixa dois e também por malas de dinheiro.

Líderes políticos foram denunciados, como o então deputado Rodrigo Rocha Loures, flagrado saindo de um restaurante em São Paulo com uma mala com quase R$ 500 mil.

A maioria das investigações decorrentes dessa delação resultou em processos na Justiça Eleitoral. Rocha Loures foi preso preventivamente e afastado do cargo por decisão do Supremo.

Joesley e seu irmão Wesley foram presos em setembro de 2017 e o comando do grupo naquele momento passou para o pai, José Batista Sobrinho, fundador da JBS e conhecido como Zé Mineiro. Cerca de seis meses depois, ambos foram soltos.

Wesley Batista Filho e Aguinaldo Gomes Ramos, netos de Zé Mineiro, ganharam assento no conselho de administração da J&F e assumiram os diversos negócios controlados pela família, como a Âmbar (energia), Flora (produtos de higiene e limpeza) e PicPay (meios de pagamento), que está em processo de abertura de capital no exterior.

Aguinaldo assumiu a presidência do grupo. Há quem diga que ele segue à risca as orientações de Joesley. O empresário, no entanto, diz para pessoas próximas que não tutela os herdeiros.

Sua preocupação atual se resume às aulas de preparação de novos executivos (a família tem uma espécie de faculdade para empreendedores) e à chegada de sua filha, a sexta herdeira de um império que, segundo Joesley, sobreviveu a um dos maiores escândalos de corrupção do país. ​

Hoje, não mais nenhuma acusação criminal contra os irmãos Batista.

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